NOTA DO CRÍTICO
Pouco mais de um ano após a divulgação de Tempo #LivreParaTodos, o Bayside Kings retornou ao estúdio e agora anuncia um novo material. Intitulado Dualidade #LivreParaTodos, o material consiste no quarto EP e o sétimo produto de estúdio do quarteto.
Um rugido agudo, mas lancinante e flamejante, surge ao fundo como o vociferar de uma criatura marginal. Tão logo ela se pronuncia, a trilha sonora vem repleta de aspereza e uma explosão imponente que, feita em uníssono e saltando aos ouvidos a sincronia da bateria de David Gonzalez e da guitarra de Matheus Santacruz, transpira uma raiva incontrolável. Mergulhado nesse sentimento misturado com incredulidade, Milton Aguiar surge com seu vocal áspero e agudo sob uma interpretação lírica impaciente. Um ímpeto que representa a ausência de pertencimento, de rumo. A alienação, a individualidade, a solidão. A falta do senso de comunidade. (Des)Obedecer é a orfandade da representatividade política tangenciando a censura.
O uso dos pedais duplos é vasto, deixando o hardcore do Bayside Kings ainda mais intenso, bruto e agressivo. É curioso notar que, antes de uma explosão desesperada e imersa em uma densidade irresistível de adrenalina, Entre A Guerra E A Paz consegue transpirar toques sombrios em sua melodia. Do momento em que a sonoridade fica na tênue divisa entre o death metal e o hardcore thrasher, Entre A Guerra E A Paz exorta requintes de ódio, raiva e absurdez, enquanto seu enredo apresenta um indivíduo encarcerado na hipnose manipulativa de um sistema que limita a liberdade, fazendo com que seus cidadãos vivam uma rotina regida por extrema rigidez. É a escolha entre o sim e o não, o conformismo e a revolta, a zona de conforto e a incerteza do amanhã em um ambiente transpirante por igualdade.
A acidez persiste, mas aqui com pontas muito sutis do que poderia ser uma melodia aveludada. É nos primeiros instantes introdutórios, inclusive, que o baixo de Emanuel Filgueira é ouvido com suave nitidez a partir do momento em que seu sonar bojudo surge em elevação, entregando um corpo rapidamente perdido perante a rispidez rítmico-melódica. Se tornando, assim como Entre A Guerra E A Paz, um produto altamente ácido e intenso, a canção consegue expelir a angústia pelos aprendizados da vida vindos pela dor, mas ao mesmo tempo, traz a leveza e o conforto de quando, também a vida, pode ser alegre, serena e agradável. Ainda assim, Na Dor / O Amor traz talvez a interpretação mais lancinante e afiada de Aguiar, com vociferares de uma agressividade perigosa e ao mesmo tempo provocante. É também na presente canção que Filgueira faz destacar a estridência do baixo como mais um ingrediente a ser incluso no caldeirão melódico-dissonante-explosivo de Na Dor/ O Amor.
Mais bruta, mais crua, mais perigosa. Mais sombria. Com energias densas que fazem predominar um thrash metal ainda mais evidente que aquele de Entre A Guerra E A Paz, a melodia ainda consegue flertar com o metalcore a partir de sua base melódica embrionariamente dramática. Mantendo a acidez e a pressão latentes do Bayside Kings, Pare(Ser) é uma canção elétrica que evidencia algumas carências psicológicas da cultura do consumo. A insegurança travestida de adequação social em vista da vestimenta, a necessidade de pertencimento e atenção, bem como a ausência do autoconhecimento, qualidade capaz de conferir ao indivíduo grande senso de autoconfiança, são fatores que fazem da cultura consumista um universo cheio de futilidades e vazios existenciais como forma de suprir determinadas e individuais lacunas emocionais que o ser humano teima em não admitir ter.
É um EP que mantém a alma e a essência do Bayside Kings. Bruto, áspero, cru, intenso, mas também melódico com notas de uma possível explosão de drama, Dualidade #LivreParaTodos é a ação do livre arbítrio e a dupla possibilidade de horizontes. É onde o ser humano tem de encontrar seu caminho, mas consciente das consequências que suas escolhas poderão acarretar.
Não é à toa que entre suas quatro músicas e seus pouco mais de sete minutos, o EP consegue ser visceral, elétrico, intenso e lancinante enquanto escancara lacunas emocionais de uma sociedade fútil. Além disso, entre constantes e perigosos vociferares de Aguiar, o EP alfineta o espectador em seus comunicados de que, sutis ou não, ressaltam a responsabilidade perante os atos empregados durante a vida.
É verdade, porém, que Dualidade #LivreParaTodos ainda mantém a assinatura lírica do quarteto santista ao trazer importantes temas políticos, como a censura e a tirania em (Des)Obedecer. É por isso que, para ouvir o presente material, mesmo os fãs da banda, precisam de estômago e boa capacidade de interpretação para identificar o que de fato cada música deseja comunicar e instigar.
É assim que, novamente aliado ao Estúdio TOTH na função de mixagem, o Bayside Kings promoveu uma mistura nítida de hardcore, death metal e metalcore de maneira a trazer a crueza, a aspereza, a acidez. Mas, também, o desespero, a angústia e o drama como forma de chamar os ouvintes para si e fazê-los entender suas visões socio-políticas. Ainda assim, o único elemento que foi levemente prejudicado foi o baixo, tendo confortável audição somente durante Na Dor/ O Amor.
Fechando o escopo técnico de Dualidade #LivreParaTodos, vem a arte de capa. Assinada por Wagner Ramari, ela traz em evidência os dois personagens-símbolo do Bayside Kings, sendo o homem-caveira e o anjo da morte, em um cenário urbano cujas ilustrações situam o ouvinte no centro da capital paulista. Inclusive, o desenho do prédio do antigo Banespa ajuda essa localização e reforçam, também, o rechaço do grupo quanto às atitudes do sistema e a igualdade monetária.
Lançado em 10 de novembro de 2023 via Repente Records, Dualidade #LivreParaTodos reforça a imagem do Bayside Kings em sua tomada de imponência em relação às questões político-sociais. Com sua crueza e aspereza, o EP consegue combinar rechaço e incitações à reflexão de forma a favorecer um entendimento profundo de que a vida tem dois lados e que o indivíduo tem que arcar com o peso da escolha do caminho a ser seguido.