Warshipper - Barren...

NOTA DO CRÍTICO
Nota do Público 5 (1 Votos)

Vindo de uma Sorocaba de 2011, o quarteto Warshipper, assim como seu conterrâneo e contemporâneo Hammathaz, preferiu imergir no death metal, subgênero do rock nascido através da ramificação do heavy metal. Diferente do segundo, porém, o primeiro possui uma discografia mais extensa, com um álbum e um EP já lançados. Agora, o grupo anuncia Barren... seu novo disco de estúdio.


De cara, já começa caótico. Enquanto a guitarra solo cria uma melodia audível e de riff levemente azedo, a bateria se pronuncia com um groove cuja velocidade rítmica é grotescamente acelerada a tal ponto que a diferença entre as cadências dos dois instrumentos se torna propositalmente gritante. É curioso, mas mesmo com um som sujo e opaco, lembrando até mesmo a estética grunge, é possível notar influencias da música espanhola no contexto majoritário de Barren Back. Com um vocal rouco, gutural e urrado, Renan Roveran concretiza o horizonte bruto, agressivo e estrondoso que se forma na faixa.


Surpreendentemente, o que vem em Axiom foge de todas as expectativas. A conjuntura sonora segue com aquele ruído, mas a base rítmica se aventura pelo ambiente típico do blues. Aqui, Rafael Oliveira cria na guitarra linhas de afinação aveludada e riffs tranquilos, macios e de movimentação levemente acelerada. Em contrapartida, o baixo de Rodolfo Nekathor entra com riffs de tons estridentes, tal como faz Robert Trujllo em suas interpretações melódicas no Metallica. O mais interessante na faixa é que o ouvinte consegue degustar, com clareza e atenção, cada detalhe da sonoridade, cada mudança de acorde, cada peça usada da bateria. Evoluindo para um cenário inebriante, quase como se estivesse sob efeito de entorpecentes, a música logo mostra sua verdadeira face. Rude agressiva, rápida. É o thrash metal convivendo em harmonia com seu irmão death metal. 


Vocal oco e gutural, guitarras em tons medianos e bateria em golpes descontroladamente acelerados. Essa é a simples definição de Respect!, uma canção que ganha duplo vocal. Fernanda Lira é quem divide o microfone com Roveran e imprime, em sua interpretação lírica, uma voz ainda mais rasgada, áspera e, claro, agressiva. No solo, porem, vem um alento. Enquanto Oliveira oferece uma roupagem mista de psicodelia e progressivo ao estilo Pink Floyd, Roger Costa desenha, na bateria, uma estrutura blues suave. Essa dicotomia rítmica é o que de fato chama atenção em Respect!.


Na introdução, fica claro que tanto Roveran quanto Oliveira estudaram na mesma escola de Zakk Wylde, afinal, os riffs uníssonos trazem uma agressividade distorcida muito característica. Já o groove da bateria, apesar de sujo, é lento e pincelado com pedais duplos até que, enfim, é chegado o turning point melódico narrativo. Com frases típicas do thrash metal, o ouvinte é reintroduzido ao ambiente death. Mas há em Rabbit Hole algo intrigante. Afinal, assim como aconteceu em Barren Black, na presente faixa a forma como a guitarra se pronuncia e o tom que ela adota traz ao ouvinte referencias da música típica de outro país que não a Espanha ou mesmo o Brasil, mas sim do México. 


É verdade que ela é sombria, mas a roupagem impressa na introdução de Embryo é calcada pura e simplesmente na estética blues, mesmo que Nekathor siga com seu baixo de linhas estridentes. É quase como se essa melodia estivesse avisando que algo marcante está para acontecer. Rupturas temporais e estruturais irrompem pontualmente o cenário como um susto causado pelo barulho da fechadura interrompendo o silêncio entorpecente.  Com o passar do tempo, a certeza. Embryo é um instrumental arquitetado a partir da influência de Suicide Redemption, single do Metallica, pois nela há divisões bem estabelecidas entre rompantes brutos e agressivos com uma calmaria anestesiante. Todas tendo como protagonista absoluto um único instrumento, a guitarra.


Rápida de uma maneira que pouco se consegue tomar folego. Caótica, mas sem imputar medo ou temor. Os riffs de tom azedo acompanham a cadência brutalizada da bateria quase como em uníssono. Apesar de parecer ensurdecedora, a intenção do Warshipper é chamar a atenção do ouvinte para várias situações vivenciadas pelos brasileiros em tempos de pandemia: bipartidarismo, corrupção e extremismo. Numb (Pleasures of Possession) é crítica, atual e conseguiu ser reflexiva mesmo em seu ímpeto explosivo.


Tons diferentes preenchem a paleta de cores já estabelecida pelo Warshipper. Tons plácidos e frios se harmonizam com os pastéis e fazem com que o ouvinte molde, no horizonte, a imagem de um céu crepuscularmente noturno. A melancolia, portanto, passa a dominar as entranhas melódicas e a ser expelida por todos os poros sonorizados. Assim como Axiom, Beneath the Burden é uma canção que, ao menos na introdução, a melodia possibilita ao ouvinte a degustação atenta e individual de todos os elementos sonoros nela inseridos. Isso ocorre graças à união estilística do blues e da psicodelia. O mais interessante é que, mesmo nos momentos em que a atmosfera se torna mais densa, a mixagem segue com um trabalho de lapidação capaz de proporcionar um som limpo e decifrável. O mesmo acontece, inclusive, com as linhas vocais. Aqui elas deixam de ser barulho balbuciante e de difícil compreensão para, enfim, com uma voz mais limpa, mas ainda com caráter sinistramente rasgado, Rovernan trazer à tona um tema delicado, mas necessário, que é a má-fé e o engano hipnotizante de fiéis a partir de determinadas linhas espirituais que pregam falsos argumentos e verdades improváveis.


Curiosamente, esse mesmo trabalho afiado da mixagem segue em Licking the Wounds, música em que, apesar de retomar aquela ambiência bruta, acelerada e agressiva típica do death metal, a sonoridade se mostra clara e até mesmo individualizada. Se misturando com elementos do thrash metal, a melodia serve como cama para uma realidade estritamente brasileira, trazida por um vocal gutural, que é a insurgência de sentimentos como ódio e intolerância através de posicionamentos políticos desmedidos.


Mais surpresas surgem e fazem os ouvidos dos espectadores se posicionarem atentos. Uma mistura de Confortably Numb com roupagem que transita entre o metal e o thrash é moldada. Ao mesmo tempo, porém, nota-se que existe uma inclinação rítmica para melodias formuladas em 13, último trabalho de estúdio do Black Sabbath, com destaque para a faixa God Is Dead?. Além disso tudo, existe em Anagrams of Sorrow uma atmosfera folk metalizada que surpreende até os fãs de longa data do Warshipper, afinal, a máxima da faixa é a de se tornar a balada de Barren.... No mais, o lirismo aborda temas como depressão e falta de ânimo, o que vem acompanhado de uma guitarra cujas linhas aveludadas gritam em um sofrimento compassivo com aquele exalado pelo eu-lírico, tal como um amigo oferecendo apoio ao outro.


Suspense. Expectativa. Um som linear e lento modula o ambiente de uma maneira que estimula a curiosidade do ouvinte. Compulsive Trip reforça a máxima de que o Warshipper traz como uma de suas principais características a surpresa. Afinal, o que se tem na faixa é a roupagem mais inovadora e ousada de todo o disco, a qual é calcada no eletrônico, quase com flertes no cenário synth-pop. Com união da Fanttasma, a faixa acaba se firmando, enfim, como um power metal misto com metal sinfônico.


A sonoridade do rock é retomada já na introdução. No entanto, as notas da guitarra são singelas e lineares, conseguindo, ainda assim, criar uma ambiência de expectativa amplamente ansiosa. Crescente até o despertar do instrumental introdutório completo, Knowing Just as I (Detachment) possui lampejos de dramatização a partir de uma breve roupagem hard rock imersa no metal e que se mantem mesmo quando a faixa assume velocidade e emana doses de caos ao tratar, liricamente, da vida como catástrofe e na forma como, às vezes, pensamentos sombrios invadem a mente.


O trabalho feito pelo Warshipper em Barren... merece importantes apontamentos. O primeiro e, talvez mais importante, é que o grupo ousou ao fundir diferentes sonoridades ao universo do rock. Afinal, no álbum há folk, eletrônico e até mesmo flertes com o synth-pop.


O segundo fator é que, propositalmente ou não, o álbum foi dividido em duas fases. Uma em que, indo até Rabbit Hole, a sonoridade é estritamente death, com chiados e uma mixagem superficial. A outra, cujo início ocorre em Embryo e segue até o término do disco, possui mixagem mais cuidadosa, instrumentação mais clara e uma melhor percepção de entrosamento entre os músicos. É nessa fase que, inclusive, ocorre o auge das experimentações rítmicas.


O terceiro detalhe permeia o espectro lírico. Chamando a atenção para questões sociais, politicas, religiosas e comportamentais, as faixas de Barren... proporcionam, ao ouvinte, uma reflexão imediata e profunda. Mesmo naquelas de agressividade gritante é possível retirar importantes pontos para o pensar.


O quarto e não menos importante ponto é a arte de capa. Feita por Brenda Cassimiro, ela é a junção do obscuro, da caricatura dos rostos dos integrantes do grupo e a figura mitológica da Hidra de Lerna. Essa união evoca, de forma metafórica, a raiva, o medo, a insegurança e a tirania, elementos fortemente marcados seja na melodia ou nas letras do álbum.


Lançado em 31 de outubro de 2020, via Heavy Metal Rock, Barren... é um disco multimelódico. A maneira como o Warshipper formulou as ondulações estilísticas para narrar seu ponto de vista sobre os diversos aspectos sociais é o que mais salta aos ouvidos. Um disco para extravasar, mas, ao mesmo tempo, refletir.

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1 Comentários

Leitura impecável de resenha, passeando por todo o álbum.
Este tipo de trabalho nos faz sentir ainda mais orgulho por todo nosso empenho.
Muito obrigado

Roveran

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.