Victims Of The New Math - I'll Be Your Blue Sky

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Pouco meno de dois anos depois do anúncio de seu último material cheio, o Victims Of The New Math não demorou para retomar suas atividades em estúdio. Somente com um single antecedendo seu anúncio, I’ll Be Your Blue Sky logo pôde ver a luz do dia. Além de ser o sucessor direto de All That’s Left Of My Intentions, o álbum consiste no quinto disco de estúdio da banda.


Seu início já é marcado por um estranhamente reconfortante riff de guitarra que, pelo seu grau de afinação, já confere, mesmo que ainda precocemente, um aroma melancólico à melodia em processo de construção. Sem demora e livre de qualquer brilhantismo, a introdução logo termina e encaminha o ouvinte ao primeiro verso, completado por faixas líricas introduzidas por uma voz que, vinda de Thomas Young, desfila uma espécie de acidez sintética e digitalizada, como se estivesse sob efeitos de chiados. Esse toque, inclusive, é o responsável por fazer o espectador notar que, despropositadamente, a canção possui em sua receita melódica, junto ao indie rock e ao rock alternativo, um toque de lo-fi. Entorpecida em sua forma mista de melancolia e nostalgia, We Go Round chama a atenção pela sua crueza estética, que lhe confere uma essência de garagem como um de seus grandes trunfos. Refletindo sobre a vida sob um viés de ausência de lógica, We Go Round é um convite a olhar mais atentamente à imprevisibilidade, ao tempo e à sua influência na rotina social. As pessoas são como um corpo único, ilógico, imprevisível, de caráter quase conservador em sua normalidade excessivamente acentuada.


Deixando sua sonoridade gradativamente em evidência sob o efeito fade-in, a introdução funciona como um amanhecer de tons misticamente crepusculares. Construída sob um corpo melódico intimista e se respaldando apenas na sintonia entre voz e violão, a canção oferece uma espécie de doçura hipnoticamente nauseante. Crescendo em harmonia no instrumental pós-refrão a partir da entrada de uma guitarra de riff abafado, Sleeping On Airplanes mantém sua linearidade melódica enquanto oferece uma espécie de análise a respeito de um personagem fugindo, a todo o custo, das coisas que mechem com seu emocional. Se afastando de um passado doloroso, se introvertendo a níveis cavalares e buscando compreender questões sem respostas. É até capaz que o ouvinte se solidarize com sua angústia, afinal, todos fugimos de algo que nos machuca. Porém, o belo em Sleeping On Airplanes está guardado no verso final, quando o personagem finalmente entende que está tudo bem sofrer.


Contagiante em sua forma melancolicamente nauseante, o novo ambiente não demora em extravasar suas influências bittlenianas com um toque de britpop à la Oasis. Em Number Twelve Everything, além de ser o momento em que Young deixa clara a sua similaridade tonante com o timbre extraído da voz de Whitfield Crane, é também o momento em que o ouvinte percebe seu desafinar, principalmente a partir do refrão com a subida de tom. Ainda assim, Number Twelve Everything consegue ser contagiante em sua estranha linearidade melódica, a qual serve de base para um enredo triste, deprimente e desencorajador. Afinal, na faixa o personagem apresenta uma autoanálise desmotivadora ao se denominar um ser insignificante, sem valor e comunitariamente rejeitado.


Curiosamente, seu despertar, a partir de seus primeiros sonares, já demandam uma estranha, mas bem sucedida, afinidade para com o espectador. De viés tocante, a canção tem nos tilintares do pandeiro o elemento que insere uma textura mais sensitiva e tátil à melodia, que se mantém em uma linha ondulante e melancólica. A partir do momento em que um sonar doce e ácido é introduzido na melodia a partir do teclado, I Won’t Brake Your Heart entra em uma curta crescente harmônica que se encerra com o surgimento de um backing vocal feminino na base sonora, dando, assim, mais suavidade e elegância à canção. Como a primeira balada de I Will Be Your Blue Sky, I Won’t Brake Your Heart é, inclusive, uma faixa entorpecidamente romântica em que o personagem declara que a melhor coisa na vida é amar a pessoa por quem nutre paixão.


Não há o que negar. A forma como o violão se movimenta logo nos primeiros instantes sonoros comunica uma forte similaridade estética criada por John Lennon em Imagine, seu respectivo single. Fluindo da doçura serena para algo mais sintético, a sonoridade acaba introduzindo leves toques de new wave na receita melódica da canção. Ainda assim, o dulçor oferecido pelo teclado acaba sendo protagonista na melodia, mesmo que a guitarra mantenha uma maciez contagiante. Com pitadas de um indie rock flertando com o rock alternativo, By Ourselves parece, inicialmente, ser outra canção do álbum com viés romântico. Na verdade, ela dialoga sobre a necessidade da fé como forma de enxergar no amanhã a esperança e a possibilidade real de recomeço. Um recomeço que, a partir do senso de autoconfiança, a solidão será quebrada e um novo foco de vida será desenhado.


Depois que batuques graves e ocos são ouvidos ao longe, a guitarra com seu riff abafado e nauseante assume o protagonismo sonoro junto ao vocal. Com ligeiros toques de psicodelia, Into The Sun apresenta a base percussiva respaldada pelo suave chacoalhar do caxixi e dos tilintares tímidos do pandeiro como elementos a entregar um súbito de racionalidade à melodia. Into The Sun é uma faixa que traz um surpreendente grito de rebeldia vindo de um personagem cansado de ser quem não é, de tentar mudar aquilo sem condições de transformação. Aqui, portanto, o Sol surge como uma espécie de metáfora para intensidade, ousadia e até mesmo insatisfação.


Amanhecendo vagarosa e gradativamente, assim como foi com Sleeping On Airplanes, a canção apresenta uma linearidade estética hipnótica em sua introdução, a qual é agraciada por um sonar agudo insistente que confere ao ambiente ligeiros requintes de sci-fi. Embriagante e amorfinante, Radio Jets é onde Young insere mais de uma guitarra para dar ainda mais peso ao viés psicodélico da melodia. Uma ótima forma para funcionar como o diálogo não verbal de uma canção que é, simplesmente, uma ode à invenção do rádio e ao peso da música na vida das pessoas. Uma verdadeira homenagem à radiodifusão e à possibilidade de comunicação à distância.


Fresca e adoravelmente nostálgica, a melodia é reconfortantemente convidativa em seu curioso toque entristecido e saudosista. Junto de um sonar agudo, doce e tremulante vindo do sinetizador, a sonoridade de Can’t Find My Way Back Home funciona como um pedido singelo por um abraço acolhedor, protetor. Maternal. Contando com o tilintar do pandeiro como único instrumento a delimitar a base rítmica, Can’t Find My Way Back Home, na forma da canção mais longa de I’ll Be Your Blue Sky, é onde o personagem exorta suas inseguranças, seus medos e sua avassaladora necessidade de proteção. O amadurecimento é um processo dolorido que todos passam, uns com mais sofrimento e outros com menos. A verdade é que, em ambos os casos, a imagem da casa é uma construção imagética que simboliza tranquilidade, suavidade, carinho e, principalmente, cuidado.


Surpreendentemente, com uma melodia que curiosamente flerta vagamente com a vertente do reggae, o álbum oferece uma primeira canção de cunho alegre. Macia, sorridente e contagiante, The Sun Is Gonna Shine é uma canção em que Young tenta chamar o ouvinte à ação, a tirá-lo do marasmo, a fazê-lo perceber que se manter na zona de conforto da espera e na falsa crença de que tudo se resolverá por si só não o levará a lugar algum. É por isso que, de uma forma alegremente ousada, The Sun Is Gonna Shine vem com a missão de incentivar o risco e aproveitar o brilho do Sol para romper as teias da mesmice.


Didaticamente fresca, como a brisa do mar fazendo os cabelos valsarem em uma agradável tarde de outono com a sensação de umidade da areia sob os pés nus, o novo cenário não esconde seu viés romântico e aconchegante. Como a obra em que o violão aparece em uma ondulância mais bem executada devido a sua visível maturidade sonora, Polaroid presenteia o ouvinte com um solo de guitarra contagiante abraçado por uma base melódica doce e sintética vinda do teclado em uma bela crescente harmônica. De inegável influência do Oasis em sua estética, Polaroid, através de sobreposições vocais e do instrumental mais bem trabalhado de todo I’ll Be Your Blue Sky, é, mais ainda que I Won’t Brake Your Heart, uma obra verdadeiramente romântica que parece ter recebido um tratamento propositadamente diferenciado em relação às demais faixas do álbum. Afinal, ela é completamente harmônica, bem equalizada e com um instrumental mais completo e ousado. É assim que Polaroid se mostra uma profunda e contagiante declaração de amor.


Como um álbum de um homem só no que se refere à parte sonora e de composição, I Will Be Your Blue Sky diz muito de Thomas Young, a alma por trás do Victims Of The New Math. O material mostra sensibilidade e uma ousadia inegável em oferecer canções demasiadamente cruas, cabendo ao ouvinte a dissecação de cada elemento.


Ainda que repleto de mesmices melódicas, observadas em suas densas linearidades sonoras espalhadas ao longo de seus 10 capítulos, o álbum é um produto interessante por trazer desimpedimento estético em meio a combinação de estruturas mais radiofônicas. De alma caseira, o material convida o ouvinte a caminhar por temas como o amor, pertencimento, solidão, saudade, homenagem à radiodifusão e à comunicação à distância e rebeldia em relação aos preceitos de um certo conservadorismo comportamental


Mesmo assim, é inegável que os temas que mais chamam a atenção, não necessariamente os principais, são o ponto motivacional para romper o marasmo, presente em The Sun Is Gonna Shine, os penetrantes e incômodos sensos de pequenez e insignificância existentes em Number Twelve Everything, e a fuga e negação dos problemas em Sleeping On Airplanes. Combinados, esses temas formam a psiquê de um indivíduo que, corajosamente, foi completamente dissecado em I’ll Be Your Blue Sky.


Por isso, para simbolizar essa inconstância emocional, o próprio Young, agora no trabalho de produção e mixagem, fundiu gêneros musicais como lo-fi, sci-fi, rock alternativo, indie rock, new wave, reggae e psicodelia como forma de representar, desde as loucuras melancólicas, até a profundeza da paixão.


Encerrando a parte técnica, vem a arte de capa. Assinada por Sophie Tew e Kelly Young, ela traz um casal caminhando em um parque arborizado. Seu tom azuladamente sépio dá a impressão de passado, ao passo que, observando o par caminhando por um caminho sem fim visível, o que se tem é a ideia de infinitude, eternidade. É como um recado de que sempre existe o recomeço.


Lançado em 23 de janeiro de 2024 de maneira independente, I’ll Be Your Blue Sky é o puro experimentalismo lírico-estético. A mais ousada fuga dos parâmetros melódicos comercias e convencionais. Um álbum de um homem só que disseca a alma de um indivíduo que, assim como qualquer pessoa, lida com o amor, com o peso das responsabilidades e com a saudade. Mas ele nunca se esquece de que a vida é curta e que somos nós que fazemos o nosso próprio caminho rumo aos inúmeros novos amanhãs.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.