Trovão Rocha Trio - Sobre A Lua E Os Passos

NOTA DO CRÍTICO
Nota do Público 5 (1 Votos)

Da mesma terra que lançou Emília Carmona vem mais um nome para incrementar o cenário musical brasileiro. O projeto instrumental Trovão Rocha Trio tira do forno seu material de estreia. Intitulado Sobre A Lua E Os Passos, ele é repleto de influências rítmicas.


Um sonar amaciado e linear vai tomando espaço de maneira crescente. Sob o efeito de fade in, o instrumento, comandado por Trovão Rocha, se mantém na coxia rítmica, mas promovendo indicações da direção que a melodia deve seguir. Nesse processo, repiques agudos abrilhantam o cenário de um nascer do Sol limpo e exuberante. É Victor Bub batucando a haste da caixa de sua bateria promovendo um compasso que já desenha uma silhueta folk. Essa ambiência ganha ainda mais evidência quando o sopro floral, amaciado e reconfortante do saxofone alto de Sebastian Cavallaro entra em cena trazendo um aroma afrancesado e romântico. Cenograficamente, é como observar o degrade de cores de um céu em processo de amanhecer. Tons rosados e roxeados se misturam com um avermelhado sutil construindo a visão de vida e de possibilidades. Em verdade, mesmo com inserções de elementos percussivos como o cowbell e chocalho, Onze Dias transborda uma base melódica calcada no jazz que contagia pela leveza e por um despertar de sensualidade. 


A forma como Cavallaro faz ressoar o agudo aveludado do sax alto cria uma ambiência indígena latente. É como se o ouvinte se visse em meio à mata e rente a um grande rio observando o céu ser tomado por cores mais frias, mas que não conotam o fim da alegria. É como a simbologia do tempo sendo refletida nas águas límpidas do ribeirão enquanto um sentimentalismo melancólico e de estranha tensão começa a tomar conta do ouvinte. Apesar de linear, a melodia vai aumentando de intensidade ao passo que a estridência do baixo vai ficando mais evidente e a conjuntura melódica vai se tornando dramática. Surpreendentemente, perto daquilo que parecia o ápice, o instrumental parece cair em um desfiladeiro intenso, pois a intensidade presente há poucos segundos se volta para a mesma calmaria quase hipnótica da introdução. Diferente da faixa anterior, Ao Fim Do Verão possui, além do jazz, flertes com o samba de maneira a promover uma sonoridade de interessante intercâmbio cultural que não esconde o tom de suspense intrincado na essência rítmica da faixa.


Uma animação evidente, mas ainda em processo de formação, é observada. Nitidamente, tal sonoridade possui grande influência do nordeste. Linear, tranquila e fluída, a melodia que se constrói é repleta de um swing tímido e pontualmente presente. É inquestionável a presença do jazz na estrutura rítmica ao mesmo tempo que é difícil o ouvinte não se ver entre dois ambientes: um romantizado e à luz de velas e outro cheio de luzes, confetes e dança. A faixa-título é exatamente isso: as nuances de eventos que o luar e a noite podem proporcionar ao indivíduo.


Bub surge mostrando sua habilidade inquestionável no comando das baquetas. Com um groove mais técnico, ele é acompanhado por um baixo de mesmo nível de tecnicidade. Grave e calcado na técnica hammer on e pull off, o instrumento oferece um temor interessante à canção ainda em processo de evidencia. É então que a entrada do sax suaviza esse excesso de tensão e auxilia no desenho de uma melodia que mistura impressões distintas de brigas e reatamentos regidos pela linearidade da vida. Isso é Linha Reta.


Sons em notas únicas e de fim repentino. Em meio aos três sopros e aos três acordes, quem segue uma linearidade racional é a bateria, a qual proporciona um caminho mais palpável e focado. A Médio Prazo é como aquela melodia que acompanha a xícara de café quente ao fim do dia, o tirar do sapatos ao fim de mais um dia de trabalho. É o momento do desligamento do mundo, do ser agraciado pela tranquilidade do lar e ser abraçado por uma tranquilidade contagiante. Curiosamente, a cadência adotada por Cavallaro recicla o ritmo lírico de Scott Stapp durante os versos de ar de Wash Away Those Years, single do Creed.


Emaranhada por uma MPB contagiante, Um Por Um traz uma sensualidade quase provocante que, curiosamente, coloca o ouvinte em um cenário de briga, de imposição e de posturas maliciosas que instigam o combate. É interessante notar como isso acontece somente a partir de três ingredientes sonoros, mas na presente faixa de fato existe uma energia de embate curiosa.


A mesma técnica usada em Onze Dias é introduzida em Callejero a partir da desenvoltura de Bub. O som da haste é novamente o ingrediente extra que se soma aos elementos percussivos na criação de um movimento rítmico diferenciado. Callejero possui momentos excitantes de crescente melódica que desaguam em versos de ar alegres e até mesmo dançantes. A faixa é como uma perfeita jam session que culminou com o produto mais contagiante, alegre e estimulante de Sobre A Lua E Os Passos.


É impossível não associar Aprendendo A Contar, uma música extremamente lúdica e cativante, com Mariana, composição criada por Marcos Luporini e inserida no repertório da Galinha Pintadinha. Afinal, enquanto na primeira a forma como os sons dos instrumentos se pronunciam já trazem certa educação na área da matemática por promover a contagem das notas, a segunda se utiliza de mesmo método, mas com a adesão de um lirismo chiclete. Claro que Aprendendo A Contar não se restringe ao campo do aprendizado, pois ela oferece uma melodia amaciada que evolui para um swingar latino cativante de grande imersão no espectro do samba. 


O baixo vem se inserindo de forma tímida. Acompanhado de um suave sopro do sax e de sons opacos trazidos pela bateria, o instrumento desenha uma melodia introspectiva e de ar curiosamente romanceado. Linear, a estrutura rítmica de Fado Tropical dá direito a um solo de baixo de linhas que produzem um som árabe interessante que, inevitavelmente, acaba desembocando no mesmo cenário apaixonante tropical de traços lusos.


É interessante notar como somente a partir da união de três instrumentos é possível desenhar cenários imagéticos, promover sentimentos e incitar os neurônios da educação. Como um produto instrumental, Sobre A Lua E Os Passos mostrou que é possível trazer linearidade e foco ao ouvinte sem necessariamente precisar da voz como um guia racional. Até porque, essa função foi claramente desempenhada pelo baixo.


Transitando por campos que vão do jazz, passando pela MPB e pelo samba e imergindo até mesmo no folk e no fado, o álbum é como um intercâmbio cultural com fortes laços na década de 1920 que recria até mesmo o momento social da época. O disco mostra que a miscigenação existe e a traz como uma riqueza da sociedade.


Muito mais que em um trabalho fonográfico comum, o trabalho do engenheiro de mixagem é algo imprescindível para um produto instrumental. Se bem feita, a atividade consegue prevalecer toda a história, toda a narrativa rítmica e todas as energias desejadas em cada canção através do som. No caso de Sobre A Lua E Os Passos, tal função foi exercida com maestria por Francis Pedemonte. Afinal, ela proporcionou uma finalização equalizada de maneira a entreter e tornar possível decifrar as nuances melódicas.


Outras coisas que são importantes no caso de um trabalho instrumental é a liberdade de criação e a sensibilidade. Sem esses fatores, o material pode ficar enrijecido e desinteressante, mas, novamente, não é o caso do álbum de estreia do Trovão Rocha Trio. Até porque, a produção foi feita em conjunto entre Francis e o próprio Rocha.


Fechando o escopo estrutural de Sobre A Lua E Os Passos vem a arte de capa. Feita em conjunto entre Alice Assal e Isadora Machado, ela consiste na imagem sombreada da Lua capaz de captar até mesmo as crateras do satélite terrestre. Tal ilustração proporciona a interpretação tanto do descobrimento quanto da colonização, o que foi feito no álbum. Sob as mãos de Rocha, as faixas ajudam a colonizar um ambiente musical de influências variadas.


Lançado em 11 de abril de 2022 de maneira independente, Sobre A Lua E Os Passos é a cultura em transformação. É a fusão das influências. É a imaginação e o sentir. É o jazz acima de tudo e o tropicalismo como guia melódico racional. Um trabalho com bastante linearidade, mas de consistência inquebrantável. 

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.