Scrupulous - Ostia and Genocide

NOTA DO CRÍTICO
Nota do Público 5 (1 Votos)

Bahia. Berço do maracatu. Local banhado pelo Sol e pelo mar. De gente tranquila e com um mercado musical que circunda gêneros como xote, xaxado, baião, piseiro e pisadinha. De lá, saíram também artistas que engrandeceram o cenário do rock nacional, como Pitty, Raul Seixas e Pepeu Gomes, e grupos como Novos Baianos. Desse time, agora o Scrupulous também faz parte. Afinal, após duas demos, ele oficialmente se lança no mercado com Ostia and Genocide, seu disco de estreia.


Um ambiente completamente escuro. Um som indecifrável se faz audível ampliando a sensação de desproteção em um local em que nada se pode ver ou sentir. O arrastar de objetos pesados entregam aspereza aos sons da escuridão, os quais acabam por receber coros guturais que entregam toques góticos à canção. Porém, é quando vozes sussurrantes invadem a cena tal como espíritos malfeitores que os pelos do corpo eriçam e as pupilas se dilatam em sinal de alerta. Esta é In The Begins..., uma música de boas-vindas ao público e que entrega, acima de tudo, uma espécie de ansiedade e expectativas masoquistas ao espectador.


Um uníssono instrumental recebe o ouvinte sem delongas. Golpes da bateria se confundem em meio aos riffs de tom azedo e distorcido emanados pela guitarra. Um grito gutural repentino e dispersado como um sopro passa como um susto pelo ambiente e encaminha o espectador para uma frase rítmica em que a cadência é guiada pelo groove de Fabiano HammerHand Sousa cujo uso excessivo de pedal duplo faz Ius Divinum Schizo/Crown of Rubble imergir no universo do death metal. No entanto, após algumas palavras serem proferidas de maneira incompreensível por Crispim Skullcrusher Jr., a canção ganha uma quebra rítmica e entra em uma divisão que é calcada no thrash metal. Nela, inclusive, a guitarra caminha como um ser elevado ante os outros instrumentos a partir de seu riff baseado em hammer on e pull off executado por Arthur Azagthothinho Mozart. Porém, a faixa guarda outro subcapítulo rítmico, o qual caminha pelo solo melódico do heavy metal que, no caso, possui grande destaque do groove grave e encorpado emitido pelas linhas do baixo. Ainda assim, a surpresa de Ius Divinum Schizo/Crown of Rubble é o verso em que os instrumentos entram em um consenso unicamente metalizado que ganha cores frias trazidas pelas notas góticas do teclado de Leandro Kastiphas.


Golpes uníssonos da guitarra e da bateria dão o despertar para a faixa-título. Igualmente pesada que a anterior, a presente composição guarda um ingrediente interessante em sua melodia, que é o flerte da música mexicana impresso na forma de execução e afinação das notas da guitarra. De outro lado, e até mais surpreendente, é a imersão da sonoridade do nordeste adaptada pelas baquetas de HammerHand. Afinal, o músico construiu uma base xote em seu groove, mas a executa de maneira tão acelerada que o metalizado sobressai sobre sua base teórica. Fora essas inovações, a faixa-título segue recheada de frases death metal e metal.


O puro thrash metal é oferecido ao ouvinte pelo cardápio presente na introdução. Robusto, acelerado, mas não tão agressivo, ele é executado de maneira linear de tal maneira que The Contestation Knock On Your Door atinge o primeiro verso sem mudar sua estrutura melódica. Porém, após esse trecho a canção entra em uma ascensão a partir de um ritmo que beira o metal e que recebe a participação do teclado em sua estrutura, ainda que sua ressonância seja de difícil acesso em virtude da pressão e da gravidade dos golpes da bateria. 


Trovões. A chuva cai do lado de fora com uma corpulência estonteante e com pouca agressividade em seu gotejar apesar das incessantes trovoadas. Para o ouvinte, a tradução desse cenário poderia se dar em um ritmo agressivo tal como vem sido defendido pelo Scrupulous nas demais canções, mas Dark Womb se inicia com uma guitarra de riff aveludado que transita, em sua estrutura entre o folk e o power metal. Minimalista na sonoridade que evolui para o primeiro verso, a faixa acaba entregando o protagonismo absoluto para Skullcrusher Jr. e seu vocal de tom intermediário. No entanto, a canção acaba retornando às raízes metalizadas no pré-refrão, momento em que se reciclam a distorção e o pedal sequencial que por vezes recebe o emprego de golpes duplos. Não é death metal, mas sim um misto entre o metal e o heavy metal.


Em There’s an Emptines That Weighs On My Shoulders, o thrash metal é retomado de maneira tímida na introdução, mas retoma seu brio ao despertar do primeiro verso, mesmo que ele possua uma base rítmica de cadência mais controlada e, portanto, pouco acelerada e majoritariamente linear.


Souls Cut to Brunoise é uma canção de estrutura curiosa e crescente. Afinal, enquanto sua introdução funciona como um completo solo de bateria em que o Sousa mostra suas habilidades na construção de frases aceleradas e de bumbo sequencial, a segunda divisão da intro recebe a entrada da guitarra que mistura em seu riff afinações azedas e melódicas de maneira a combiná-las em uma arquitetura rítmica linear e repetitiva. Porém, o death metal vem com peso ao iniciar do primeiro verso com suas linhas agressivas e aceleradas cuja métrica sofre uma mudança no momento em que Skullcrusher Jr. assume um vocal de caráter fantasmagórico. 


Em Rotten Prymacy, além de haver uma visível maior entrega dos músicos no que tange a pressão formulada na melodia, existe uma clara influência de Eddie Van Halen na construção do riff de guitarra que se sobressai em meio ao instrumental, em especial no que tange a performance do guitarrista estadunidense na faixa Eruption, a qual pertence ao álbum de estreia do Van Halen. Passado esse repente de hard rock, a faixa assume o tom death metal já tão característico do Scrupulous, mas com um adendo: uma forte influência no som propagado pelo Metallica, em especial aquele que serve de melodia ao single One.


A influência do Metallica segue também perceptível nos primeiros instantes de Causing The Rascal To Fury, até que, após gritos sofridos do riff da guitarra, a estrutura se torna linear e recheada de bumbo sequencial. Porém, mesmo quando a canção assume uma levada propriamente original do death metal, sua cadência é mais lenta do que o padrão melódico de Ostia and Genocide. É no instrumental entre o primeiro e o segundo verso que essa impressão muda, afinal, ela é o trecho de maior vivacidade e poderio da faixa, não apenas pela adoção de uma velocidade mais acelerada, mas porque tem participação importante do baixo.


O som da noite. Grilos e corvos. Esse som ambiente já seria o suficiente para dar um toque mais original à faixa, mas outra grande surpresa aguarda o ouvinte. Afinal, Skullcrusher Jr. e companhia exploram ambientes completamente opostos à sua zona de conforto. Ainda mais ousado do que a base xote da faixa-título, In the Crow’s Beak é uma canção em que há um misto de MPB com surf music que se soma à performance mais groovada do baixo em todo disco. O interessante é que a presente faixa foi composta em uma espécie de looping narrativo melódico, pois ela caminha por vaivéns de uma mesma estrutura em momentos apropriados. Mas não só isso. Perto de sua finalização, ela assume um ar dramático e melancólico que é perfeitamente capturado pelo riff ameno, triste e sentimental da guitarra.


Ostia and Genocide é, sem delongas, um disco que traz ousadia. Ousadia e originalidade de seus integrantes, os quais fugiram completamente dos gêneros populares do nordeste e optaram por um que possui nascimento a partir de um desgarrado subgênero do rock. Não, não é o melódico blues ou seus variantes hard rock, metal ou heavy metal. E sim o death metal, filho direto do thrash metal e irmão do black metal.


Ainda assim, o que torna o álbum um produto peculiar é a capacidade que os integrantes do Scrupulous tiveram em fundir um gênero de difícil harmonização com ritmos propriamente brasileiros, como a MPB, o xote e a surf music. E nessa fusão, um instrumento se destacou em demasia: a guitarra.


Ela ditou as notas em cada uma das 10 faixas de Ostia and Genocide, mas claro que os outros instrumentos também tiveram a sua parcela. A bateria, a antagonista do disco, tem mérito por entregar peso, cadência e precisão. E o baixo, gravado por Arthur Azagthothinho Mozart e cuja tarefa de executá-lo ao vivo fica a cargo de Yago Carvalho, colocou groove.


Apesar da difícil interpretação lírica, é possível notar o caráter crítico, humanitário e social das letras a partir do título das faixas. E isso fica ainda mais evidente com a arte de capa. Feita por Guto Digo, ela ilustra um cenário fúnebre e, por possuir muitos elementos, ela comunica muitas coisas. O que salta aos olhos é tanto o negacionismo da igreja católica frente questões humanitárias quanto o foco no lucro ante o bem-estar social e as várias tumbas em uma clara alusão aos milhares de óbitos causados pela Covid-19. Mas ainda é possível enxergar uma metáfora de renascimento na obra de Digo.


Lançado em 04 de junho de 2021 via Heavy Metal Rock, Ostia and Genocide é um disco ousado e original. Pesado, mas ao mesmo tempo melódico. Preciso e groovado. Um expoente inusitado de um subgênero do rock que nada se comunica à alegria da Bahia.


*Disco foi lançado somente no formato físico.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.