Dee Snider - Leave a Scar

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Desde o lançamento de seu último trabalho em carreira solo, muito se especulava se ele realmente voltaria apo estúdio para gravar um novo álbum. Afinal, For The Love Of Metal foi feito como resposta a uma aposta de Jamey Jasta a Dee Snider sobre um possível retorno do cantor ao universo fonográfico. Snider não só o compôs como saiu em turnê mundial para divulga-lo. E agora, quase exatamente três anos depois, o nova-iorquino surpreende ao lançar Leave a Scar, seu novo trabalho de estúdio.


Trovões e raios são vistos nos céus. Os lampejos da tempestade vão se intensificando gradativamente, mostrando seu potencial destrutivo até que, enfim, a tormenta se forma e implode de maneira inevitável. Esse é o cenário oferecido pela introdução de I Gotta Rock (Again), o qual é traduzido musicalmente pelo emprego de pedal duplo, guitarras em afinações agudas e ásperas e um baixo cujo andamento é pontual, mas entrega pressão. Por essa somatória de elementos, o ouvinte já é submetido ao universo metalcore oferecido pelos músicos recrutados por Snider. E é justamente com um grito potente e rasgado do vocalista que a canção entra numa espécie de segunda introdução, mais rápida, mais cadenciada e ainda mais metalizada por conter respingos de thrash metal nas linhas melódicas emitidas pela dupla de guitarras formada por Charlie Bellmore e Nick Petrino. Quando o primeiro verso finalmente se inicia, o ouvinte percebe a precisão e a pressão dos golpes emitidos pelo baterista Nick Bellmore, assim como relembram a força da voz que Dee Snider ainda consegue proferir sem dificuldades. O interessante na canção é que, em meio aos mistos de subgêneros do rock, que ainda incluem o speed metal, ela possui um lirismo que se utiliza da analogia do rock como sinônimo de liberdade, de ousadia, de sede pela vida. E por isso, I Gotta Rock (Again) é uma canção que dá esperança e que estimula a vontade de viver a partir da ânsia de vencer as barreiras que, atualmente, foram impostas pela Covid-19.


A paisagem se encontra mais escura. O sombrio se tornou o novo normal que é apresentado com rudez e agressividade pelos golpes fortes da bateria. As guitarras exalam um misto de raiva e incredulidade em suas linhas melódicas que, somadas ao groove da bateria, ilustram um cenário desafiante. No entanto, o destaque da introdução de All Or Nothing More vai para Russell Pzütto e seu baixo audível, grave e de cadência constante. Aqui, o metalcore encontra a perfeita fusão com o thrash metal em um ritmo que é áspero, acelerado, mas ao mesmo tempo harmonioso e melódico. Com algumas frases feitas na métrica de rimas perfeitas para criar uma sonoridade vocal mais memorizável ao ouvinte, na presente canção Snider segue o caminho de I Gotta Rock (Again) no sentido de venerar o ato de viver, mas aqui, existem outras ramificações de interpretação. A que fica mais latente é uma criação de consciência do eu-lírico sobre ter controle de decisão frente a maneira que se deseja construir uma vida, algo que fica evidente na frase “A life of your own making”. Para dar peso a essa mensagem, o refrão assume caráter dramático-épico a partir da união instrumental e vocal. Por essas razões, All Or Nothing More assume o posto de single lado B de peso.


O instrumental inicial é tímido para o que se mostrou padrão para Leave a Scar. Afinal, a bateria se apresenta com golpes espaçados e lentos enquanto fica a cargo das guitarras, em uníssono, oferecerem um tira-gosto da agressão e da metalização que prometem evoluir em Down But Never Out. Isso realmente acontece após as primeiras palavras serem proferidas por Snider, momento em que a música assume mais peso e distorção, mas continua caminhando por uma base mais pausada em relação à das outras faixas. O surpreendente aqui é a rebeldia da guitarra de Bellmore que grita em meio à melodia que, apesar de já estar em sua forma metalizada, ainda se encontrar em desenvolvimento. Com lirismo que abrange uma temática de disputa guerrilheira e que, assim como aconteceu em All Or Nothing More, possui repetição de palavras de efeito pelo coro formado pelos músicos, a presente faixa ainda caminha por um solo heavy metal que oferece um tempero apimentado à canção.


É como um jorrar de cores vivas. Uma nova harmonia é a proposta da presente canção. Alegre e beirando a roupagem de um hard rock glam, a introdução de Before I Go mostra que a métrica da canção visita ambientes ainda inexplorados em Leave a Scar. Prova disso é a estrutura adotada tanto na segunda divisão da introdução quanto no primeiro verso. Mais contagiante e chiclete, a melodia possui sonoridade que remete àquela executada no encerramento de Still Of The Night, canção do Whitesnake. Com lirismo abordando a culpa de não ter realizado coisas durante a vida, a canção é a pura definição de single. Afinal, seu desenho sonoro é o de um metal pop com refrão de estrutura épica que gruda na cabeça e fica sendo repassado na memória como um disco arranhado.


Nick Bellmore é o responsável por, sozinho, dar os primeiros sons de Open Season. Com repiques groovados e acelerados, a bateria dá passagem para uma frase típica do thrash metal como uma forma de preparar o ouvinte para o que a canção de fato reserva. A verdade, porém, é que, assim como em Down But Never Out, Open Season é construída inteiramente em cima de uma base rítmica mais controlada e, portanto, pausada. No entanto, o diferencial se encontra no lirismo. Quase zombeteiro, ele é recheado de xingamentos como meio de expressar a desaprovação frente o egoísmo e é estruturado de maneira que ilustra perfeitamente uma provocação em briga de rua. Afinal, o eu-lírico deixa claro isso ao dizer “I live for times like these”.


De introdução semelhante ao de All Or Nothing More, em que o baixo e a bateria criam um uníssono grave, a guitarra inicial executa um riff hard rock de levada europeia por apresentar pitadas de metal em sua estrutura, mas sem perder a melodia do subgênero. Consequentemente ou não, esse é o ambiente que molda o ritmo de Silent Battles, um hard rock metalizado cheio de melodias graves executadas de maneira cadenciada. De lirismo com senso de cooperação e comunidade, a proposta de Snider é renegar as mentiras em uma clara alusão às fake news, modelo de notícia que ganhou uma infortuna notoriedade durante a pandemia. 


 Um sopro. É como o caminhar do vento por uma cidade vazia. O som de seu contato com as superfícies ecoa sem barreiras. Essa imagem de desilusão e desamparo ganha novos tons com a entrada de um riff educado, pausado e melancólico. Enquanto Nick Petrino mantém a linearidade concisa e consciente, Charlie Bellmore faz sua guitarra eclodir de maneira melodramática a partir de um riff sofrido e aveludado, quase como um grito de desabafo. E Dee Snider encarna essa atmosfera na sua interpretação lírica. Ainda com seu poderio característico, mas mais contida, a voz do cantor se apresenta em um tom mais íntimo e sentimental no primeiro verso, como se carregasse um grande pesar. Porém, ao entoar as palavras “Now you’re crying for your life”, Snider dá passagem a uma quebra rítmica que leva o ouvinte a outra subdivisão da faixa. Eis que Crying For Your Life assume sua real aparência: um misto de metalcore e hard rock com groove simples e espaçado que entrega o título de balada metalizada de Leave a Scar, mesmo com a guitarra solo gritando em riffs agudos e dedilhados em momentos pontuais. Retratando o peso das escolhas feitas durante a vida, a canção ainda guarda uma ponte enxuta em sonoridade que oferece um lampejo de obscuridade.


Um som que parece provir de um instrumento eletrônico surge, mas esse sopro repentino de um ingrediente incógnito se dissipa com rapidez quando se inicia uma frase rítmica de forte groove que é dominada pela pressão e cadência do riff de Russell Pzütto. É ela que, como se fosse uma ponte introdutória, dá início à verdadeira intro de In For the Kill. Enérgica e com base melódica no hard rock, ela leva o ouvinte para o primeiro verso, momento em que o thrash metal divide os holofotes com um terreno unicamente me metalizado. Assim como em All Or Nothing More, Snider constrói um refrão-chiclete calcado em palavras que formam rimas perfeitas, tornando o verso memorizável e melódico. Sendo mais uma canção de exacerbação da liberdade, In For The Kill é a com maior presença do baixo em relação às outras faixas de Leave a Scar e a música com a típica métrica de single comercial.


Se em In For The Kill Pzütto teve seu momento de estrelato, ele prossegue sendo o protagonista na introdução de Time To Choose a partir de uma linha melódica raivosa e bruta que caminha pelos ambientes de divisas tênues do thrash metal e do death metal. E é exatamente essa mistura que pauta a base rítmica que se forma em definitivo a partir do primeiro verso. Rápida, com pitadas de agressão, pedais duplos, distorção e backing vocals com gritos guturais e rasgados, a música possui groove contagiante apesar de caminhar por ambientes ásperos.


Uma voz ecoa no ambiente. “Ohs” são proferidos e ressoados enquanto Snider frisa, em primeiro plano, a frase “All that I ever need”. A partir do groove repicado da bateria é que a canção enfim tem seu verdadeiro despertar. Guitarras afinadas em tons graves e distorcidos desenham um ambiente de cores fortes que servem de roupagem para um lirismo de dupla interpretação. De primeiro momento, parece ser uma canção de amor entre um par. De outro, parece que, esse amor não é para alguém e sim para algo: o sentido da vida. Detalhe fica evidente em versos como “There are people who search their entire lifetime. Some will look and never find the one” e “ I found mine on the climb”. Esta é S.H.E., uma música de refrão transcendentalmente melódico e harmonioso que ainda possui solos de guitarra acelerados na passagem para o segundo refrão.


A bateria novamente surge com frases repicadas que moldam a cadência introdutória. Com a companhia dos lampejos de riffs distorcidos da guitarra base, a melodia ganha contornos metalizados que evoluem para um verso instrumental linear com grande presença de pedal duplo. No que se refere à guitarra solo, ela preenche o ambiente com um riff que beira influências árabes, as quais entregam um movimento diferenciado e de suspense à introdução. Porém, quando o primeiro verso se pronuncia, a melodia repete a exploração de divisas tênues do thrash e do death metal com seu ritmo acelerado e agressivo. Curiosamente, The Reckoning possui lirismo narrado em primeira pessoa, cujo eu-lírico se mostra como um personagem onipresente, como um anjo da guarda de uma pessoa que é tida como sofrida e insegura. Esse mesmo ser angelical é quem acompanha a antagonista da história, a zelando e a ajudando a refletir. E nisso, sua maior contribuição no desenvolvimento emocional desse personagem é lançado com o simples questionamento “And now the life you lived becomes the life you lose. If you had it all again, would it be the life you choose?”.


De despertar sinistro, a melodia que se mostra em seus primeiros instantes de vida jorra no ouvinte a expectativa e a curiosidade por saber mais do conteúdo em desenvolvimento. Com a bateria guiando os instrumentos de corda a partir dos golpes secos e cadenciados no chimbal, a melodia de Stand segue uma métrica linear e minimalista que, com o vocal mais introspectivo, ganha tons ainda mais inquietantes. A entrada do refrão em estrutura sonora mais contida monta um ambiente que beira o acústico e que tem como protagonista quase absoluto a voz de Snider entoando um lirismo de empoderamento social, amor próprio e autoaceitação numa tentativa de estimular o melhor nas pessoas, para que elas deixem seu legado. Ou melhor, como o vocalista sugere, “Don’t leave your mark. Leave a scar!”.


Aos 66 anos de idade, o batizado David Daniel Snider ainda consegue surpreender o ouvinte com sua voz de potencia ainda inabalável pelos efeitos da idade. Isso é fortemente perceptível em cada uma das 12 faixas de Leave a Scar, um disco em que Snider caminha por um terreno já confortável para sua atuação: o metal.


Contando com os irmãos Bellmore, os quais também fizeram parte do time de For The Love Of Metal, o recente álbum segue com composições compostas por Jamey Jasta e possui dois novos membros: Russell Pzütto no baixo e Nick Petrino na guitarra base. Mesmo com um novo layout, o som criado pelos músicos emite o mesmo peso daquele feito no álbum de 2018 e comunica um bom entrosamento.


Porém, ao comparar Leave a Scar com For The Love Of Metal, fora os novos músicos não há novidade. O ritmo continua o mesmo. Os subgêneros explorados continuam sendo os mesmos e o vocal de Snider segue com as mesmas técnicas e interpretações líricas. Ainda assim, não tira do recente álbum o fato de ser um bom trabalho, pois ele comunica aquilo que a base de fãs quer ouvir.


Lançado em 30 de julho de 2021 via Napalm Records, Leave a Scar é um trabalho ritmicamente excitante e harmoniosamente poderoso cujas letras abordam temas como  exaltação pela vida, autoconhecimento, autoaceitação e empoderamento. Rompendo qualquer preconceito, com o álbum Dee Snider parece estar na melhor forma mesmo já na terceira idade. 

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.