Lucas Milani - Pqna Volta

NOTA DO CRÍTICO
Nota do Público 5 (3 Votos)

Há 21 anos na música. Em 2012, o cantautor Lucas Milani iniciou o Pqna Volta, um sarau itinerante criado a partir de um livro de poesia. Seis anos depois, esse projeto ganhou ares físicos com o lançamento do disco homônimo, o primeiro álbum da carreira de Milani.


Uma sonoridade alegre, suave e cativante se constrói. Um misto de indie rock com surf rock é o resultado dessa arquitetura introdutória de Aquele Que Não Foi. A melodia bebe da mesma escola daquela estruturada por bandas como Los Hermanos e Banda do Mar, afinal, a leveza e a sutileza tangenciam aromas praianos que permeiam a atmosfera rítmica da faixa. Quando ocorre a entrada do canto, fator que é encarnado por uma voz que harmoniza com a temática ensolarada pelo timbre agridoce, a melodia tem uma crescente. Ao tratar de assuntos propositalmente contraditórios como comodismo e a falta de foco na vida, influência familiar nas decisões e a necessidade de passar para os outros uma imagem firme, uma dicotomia interessante frente o instrumental contagiante.


Um sobrevoo sutil e aconchegante é percebido através das linhas da guitarra. Essa impressão se esvai rapidamente com a entrada definitiva do instrumental. Pesado, com leves toques de aspereza e notas sutis de melancolia, Ponto de Vista se pronuncia com groove acentuado graças ao encorpamento rítmico proporcionado pelo baixo. A insatisfação e a ansiedade moldam o teor lírico da canção, a qual se divide entre o rock alternativo nos versos e uma harmonia desenhada na arquitetura pop no refrão. Curiosamente, existem a canção ainda possui pequenos lampejos de stoner rock.


O indie rock recupera espaço em Daqui Daquele Lugar. Curiosamente, o groove da bateria de Raoni possui estrutura punk, mas a velocidade com que é executado acaba entregando uma caracterização diferente, casando com a proposta rítmica. De melodia linear e com presença marcante do baixo de Rato, a canção trata da saudade. Por isso, a nostalgia está impregnada na harmonia, principalmente naquela construída no refrão, trecho que, ainda, possui uma estrutura mais comercial graças ao canto monossilábico de Milani.


Uma guitarra de riff agridoce se apresenta. A bateria se une com uma batida simples, mas contagiante e compassada. Conforme a sonoridade vai evoluindo, ela vai se refrescando do ar grunge ao construir um som mais sujo e ruidoso. Em Quando o Barulho, não apenas Milani experimenta novas técnicas e extensões vocais, mas os músicos também constroem frases baseadas no metal que encaminham o ouvinte do pré-refrão ao refrão. Essa mesma frase metalizada guarda grande semelhança com aquela construída no refrão de Calm the Fire, single do Alter Bridge. De outro lado, o refrão da canção é, ao mesmo tempo, explosivo, contagiante e comercial. Além disso, o trecho apresenta um tema importante abordado pelo lirismo, a dependência.


Assim como na canção anterior, Milani se aventura por um vocal rasgado. Desde o começo, a canção exala um lado comercial, cativante, sedutor e atraente graças aos “whoa oh ohs” trazidos pelo vocal e pela bateria de Landau, cuja batida simples possui base na estrutura pop. Aqui, o power pop se confunde com o alternativo em uma sincronia harmônica. Exalando uma letra sobre liberdade e sobre a ânsia de viver, A Estrada é Meu Lugar é um single completo de Pqna Volta.


Uma complexidade rítmica se faz sentir através das linhas coletivas do violão de Kiko Zambianchi e do baixo. As notas do piano de André Youssef, inclinadas em um tom no limite entre o agudo e o grave, invadem o ambiente entregando dramaticidade e melancolia. De uma forma bastante sutil, a melodia construída tangencia aquela estruturada em Simple Man, single do Lynyrd Skynyrd. Proporcionando arrepios involuntários no ouvinte, o fator dramático ganha peso com o som do violino de Cássio no refrão. E nesse aspecto, a interpretação lírica de Milani também tem grande responsabilidade. Afinal, ela se coloca mais visceral, íntima e com um vocal interno, cujo ar lamentoso é sentido a cada palavra semi-sussurrada. Essa é Espera, a balada melodramática do álbum.


O piano entra em sinergia com a bateria em uma estrutura rítmica puramente blues. Compasso 4x4 e dedilhados harmônicos desenham um quadro melódico formado por uma paleta de cores que transita entre tons frios e pasteis. Por conta do Hammond, a faixa ainda ganha singelos lampejos de soul no refrão. Com estrutura lírica narrativa, Seu Zito conta a história do personagem-título, um homem satisfeito e agradecido pela vida que tinha e pelas conquistas que alcançava. Uma lição reflexiva para aquelas pessoas ambiciosas e mal agradecidas. No momento em que a canção entra na segunda repetição do refrão, uma surpresa. Uma voz grave e levemente anasalada acompanha Milani nos vocais sobre Zito. É Kid Vinil entregando um carisma que, em seguida, encaminha o ouvinte para um solo de guitarra que grita, mas sem ousadia ou mimo. Gustavo Milani põe, nesse ato de solar, uma dose extra de blues para essa que é uma canção contagiante e estimulante.


Se Aquele Que Não Foi possuía uma energia praiana, A Cor e Os Dias transborda essa ambientação caiçara graças à introdução do ukulele. Porém, notas de uma melancolia contagiante se formam e roubam a cena nessa melodia que tangencia com aquela estruturada em Primavera, single do Los Hermanos. Ritmicamente, a música possui uma construção complexa e exacerbadamente harmônica. Afinal, enquanto o violão, a bateria e o ukulele se apresentam em um balé sincrônico, o Hammond, apesar de pontual, dá um tempero marcante, macio e aveludado para a faixa.


A bateria é quem puxa a introdução. Após seu solo, a canção entra em um ambiente melancólico e linear com uma estrutura calcada na típica arquitetura blues. O ponto crescente acaba sendo apenas no refrão, momento em que Para Quem se transforma, liricamente, em uma declaração de amor. Melodicamente, é possível notar o Hammond ao fundo como um personagem onipresente e perceber, de forma definitiva, que o protagonismo sonoro se encontra indiscutivelmente a cargo da guitarra.


Uma alegria contagiante e confortável se forma. O ukulele em união ao violão criam uma atmosfera nostálgica macia que, com a companhia do pandeiro, proporciona ao ouvinte uma viagem pelas próprias memórias com um ar de satisfação. A faixa-título parece ser minimalista no que se refere a melodia, mas a verdade é que a calmaria engana esse quesito. Afinal, a música possui um instrumental amplo mesmo que nele não exista baixo ou bateria. O lirismo, por sua vez, aborda a grandeza do mundo, as diferenças que nele existem e a heterogeneidade dos povos que criam o Planeta Terra. 


Com groove sutil, Nada Que Seja oferece ao ouvinte uma roupagem até então inovadora e inexplorada em Pqna Volta. Enquanto a guitarra proporciona uma imersão havaiana a partir de seu riff ululante, a base rítmica se fixa na estrutura do xote, a qual se funde com o pop. Trazendo questões sobre pertencimento, a canção ganha ares fortemente dramáticos no refrão.


Um riff de guitarra singelo, aconchegante e macio se pronuncia. Curiosamente, a forma como ele foi construído assume grande parentesco com aquele executado nas versões ao vivo de Blackbird, single do Alter Bridge. Aqui, Milani faz algo no lirismo pouco explorado pelos cantores de forma geral, que é colocar, na letra, a rima toante. Melodicamente minimalista, a conjuntura de Um Canto Para a Bailarina chega a emocionar o ouvinte pela simplicidade e pela letra que exala beleza e carinho.


Pode ter levado seis anos para ser concretizado, mas a verdade é que Pqna Volta é um álbum melodicamente completo, alegre, contagiante e comercial sem ser apelativo. Liricamente, é reflexivo, mas também divertido e atraente. A conjuntura dessas duas esferas, torna o trabalho de estreia de Lucas Milani um produto nacional de qualidade na área musical independente.


Com um tom de voz que se assemelha ao de Paulo Miklos, Milani construiu, com o álbum, um diário de viagens. Afinal, é como se registrasse as experiências, paisagens, convivências e descobertas vividas durante toda a viagem proporcionada pelo projeto que deu nome ao disco.


O interessante é que, para a criação do instrumental que serve de roupagem para esse lirismo analítico, nostálgico e melancólico, Milani recrutou um time de músicos competente que conseguiu, mesmo transitando por gêneros dicotômicos entre si, como xote, grunge, indie rock, rock alternativo, surf rock, grunge, dentre outros, entrar em harmonia com as mensagens líricas.


E esse aspecto foi muito bem captado por Caio Zé, quem construiu uma mixagem capaz de transmitir de forma nítida e clara todas essas questões sentimentais. Cada instrumento pode ser notado tanto em sua própria individualidade como peça de algo maior, que é o produto final de Pqna Volta.


No que se refere à arte de capa, ela apresenta características caseiras e bucólicas. Assinada pelo próprio Lucas Milani, ela encarna, com seu desenho localizado como plano de fundo, uma alusão aos diferentes ambientes visitados pelo cantor durante o projeto homônimo ao álbum.


Lançado em 05 de janeiro de 2018 de maneira independente, Pqna Volta é um álbum que continua atual no que tange o significado de experiência e no que se refere à heterogeneidade do mundo. Acima de tudo, apresenta ao mercado musical brasileiro mais um nome que promete uma qualidade crescente. Que venha o próximo álbum.

Compartilhe:

Cadastre-se e recebe as novidades!

* campo obrigatório
1 Comentários

Descreveu lindamente este trabalho maravilhoso que conheci esse ano desse compositor, poeta e músico Luca Milani.

Responder Compartilhar
Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.