Lenny Kravitz - Blue Electric Light

NOTA DO CRÍTICO
Nota do Público 5 (1 Votos)

Seis anos após seu último material de inéditas, o nova-iorquino batizado Leonard Albert Kravitz, ou, artisticamente, Lenny Kravitz, retoma as atividades de composição para lançar um novo material. Dessa forma, nasceu Blue Electric Light, 12º disco de estúdio do cantor, o qual sucede Rise Vibration, anunciado nos idos de 2018.


É de surpreender. Não existe susto ou qualquer menção de um crescimento melódico gradativo. Aqui, a sonoridade já vem dominada pelo baixo de Lenny Kravitz já desfilando swing em seu riff encorpado e grave. Dando embasamento a essa contagiante e amaciada sensualidade, vem a guitarra rítmica de Craig Ross em seu veludo aconchegante respaldado pelo sonar opaco da bateria eletrônica, entregando uma estrutura rítmica de cadência fluida e contagiante. Nesse ínterim, é interessante perceber como Kravitz entra em sintonia com essa energia melódica através de sua interpretação lírica. Sussurrante e igualmente sensual, ela mostra que o cantor ainda domina sua voz com firmeza e consegue brincar com suas entonações. Com essa estrutura rítmico-melódica, It’s Just Another Fine Day (In This Universe Of Love) ganha uma crescente harmônica com a entrada de backing vocals em forma de sobreposições vocais cintilantes. Com essa energia quase transcendental, Kravitz parece fazer do enredo parte temporal da quarentena obrigatória para conter a disseminação da Covid-19. Com isso em mente, o cantor aborda a forma como o confinamento acabou colocando as pessoas em contato com suas fraquezas emocionais, as colocando em um estado de grande fragilidade. Eis que It’s Just Another Fine Day (In This Universe Of Love) se transforma em uma obra não de autoajuda, mas de compaixão, de sabedoria e fé, mas, principalmente, de um senso de união espectral na ânsia de curar a tristeza. O amor cura e une. Essa é a mensagem dessa canção que, curiosamente, não se apoiou no reggae para disseminá-la.


Irresistível talvez seja a palavra que melhor define as primeiras sonoridades da faixa. Na forma de uma solar e carismática boas-vindas, a canção já faz o ouvinte imergir em um ambiente repleto de swing. Incitado por meio da união das guitarras, a qual se divide por entre sonares sintéticos e aparentemente orgânicos vindos do sintetizador de Alex Alvarez, esse contágio de malemolência traz consigo uma fusão de doses equilibradas de soul e funk ao seu contexto rítmico-melódico. Quando um timbre mediano e afinado entra em cena por meio de Kravitz, TK421 acaba ganhando uma perspectiva ainda mais atraente sob as percepções do espectador. É assim que a canção, por meio de seus versos melódicos lineares, mas ainda assim atraentes, tem rompantes de crescimento na harmonia com um coro de sobreposições vocais feitas por Kravitz. Amarrando todo o escopo rítmico-melódico está um lirismo que presa pela liberdade, celebra a sexualidade e rompe as barreiras do conservadorismo social na busca por uma comunidade calcada na aceitação e integração. Com direito a um solo de saxofone agudo-estridente de Harold Todd, TK421 assume uma silhueta de caráter irresistivelmente sensual e libidinoso por meio das nuances sonoras construídas através do instrumento, o que leva o espectador a um borbulhante frenesi.


Depois que, sinteticamente, a caixa da bateria lança sonares repicados e suavemente estridentes no cenário, o ambiente ganha aromas densamente sensuais por meio da construção de uma melodia aveludada. Com direito ao som sensual característico do mellotron incutindo um charme peculiar à sua melodia, Honey vai imergindo na estrutura rítmico-melódica do soul com bastante delicadeza e gentileza. Mostrando versatilidade sonora ao fundir elementos da new wave, enquanto as pronúncias de Kravitz vêm imbuídas na escola do R&B, a canção tem uma base astral e hipnótica promovida pelo dulçor entorpecido da programação. Com esse contexto, Honey acaba por evidenciar a sua silhueta estrutural romântica capaz de conquistar e apaixonar os ouvintes mais resistentes à arte da sedução com o auxílio extra do solo de saxofone de Michael Sherman.


A canção já nasce em seu máximo caráter provocativo. Com um beat de bateria preciso e ecoante já desenhando seu ritmo de maneira sensual, o efeito ácido e azedo do talkbox apenas insere mais uma textura a essa veia sensual que tão cedo já se criou. De repente, o contexto rítmico-melódico passa a ser composto por punchs de protagonismo da guitarra solo em sua distorção áspera. Na companhia do baixo, que promove uma espécie de cama lúcida do prazer, o instrumento mantém certo grau de linearidade sem prejudicar o andamento ou mesmo o nível de libido que é exalado da canção. Com essa estrutura, Paralyzed se une facilmente à TK421 no time de singles com grande senso de desejo e sensualidade de Blue Electric Light. Não é de se espantar que o enredo lírico da canção destaca uma curiosa dependência amorosa que, de fato, tangencia a arte do prazer carnal. Por essa razão, é que o verso “babe, without your love I'm paralyzed” carrega toda a essência da narrativa.


Trazendo um ambiente regido pela experimentação de texturas percussivas não usuais, o ouvinte se perde por entre o ambiente tilintante de toque agudo e sabor adocicado. O interessante, nesse ínterim, é perceber que, mesmo entre diversas superfícies batucantes, a canção transpira uma atmosfera hipnoticamente melancólica. Ainda assim, conforme vai atingindo seu ápice, Humans confirma sua silhueta R&B por meio de uma sonoridade ligeiramente alegre que sorri o ouvinte e o captura por entre a sensualidade que se forma. Esse é o contexto rítmico-melódico de uma canção que destaca um indivíduo aprendendo a viver para si e não com o intuito de agradar aos outros. Uma pessoa de posse de autoconfiança, empoderamento, sabedoria e, principalmente, coragem de assumir, difundir e divulgar a sua essência ao mundo. Livre de insegurança, do medo e de qualquer tipo de represálias. Humans é, simplesmente, uma ode humanitária à gratidão pela vida e ao orgulho de ser quem se é.  


Um som ácido, mas curiosamente contagiante em sua essência, serve como abre-alas desse novo capítulo que se inicia. Acompanhado pelo beat, o instrumento auxilia o contexto rítmico a soar de forma fluida e macia em seu cerne inicialmente eletrônico. Quando Kravitz entra com uma interpretação lírica sussurrante, a canção acaba ganhando contornos sensuais inquestionáveis que casam bem com aquela textura almofadada construída pelos instrumentos anteriormente citados. Linear em sua estrutura, Let It Ride tem um enredo lírico de curiosas interpretações. É certo que o que salta na primeira camada interpretativa é de se tratar de uma história repleta de desejo, de libido, de sensualidade no seu sentido sexual. Porém, a faixa parece metaforizar a união dos corpos com os movimentos da dança. Claro que ainda existe desejo, atração e sensualidade, mas aqui ela vem estrita no sentido de mexer o corpo no ritmo do som.


Sonares percussivos dão o amanhecer desse novo cenário, criando um ritmo experimental e fluido. Com o auxílio das notas pontuais do piano, as quais inserem mais suavidade com seu tom gelidamente adocicado e levemente grave, a canção explora a sensibilidade do ouvinte através de uma estrutura minimalista e repetitiva, mas sem ser entediante. Trazendo um Kravitz se aventurando por entre falsetes bem executados, Stuck In The Middle traz mais um enredo romântico a Blue Electric Light que, diferente de TK421, Paralyzed e Let It Ride, se une a títulos como Honey no que tange o amor. E aqui, o personagem se vê inebriado por um sentimento transgeracional que persiste por anos e por experiências de vida diferentes.


Um som eletrônico e hipnótico em sua execução surge de maneira quase alucinante. Trazendo um beat que, por si só, já incute um caráter contagiantemente sensual à estrutura rítmico-melódica ainda em construção, a canção não demora a mostrar, com perfeição, as suas maduras curvas mistas de funk e new wave por meio de uma sonoridade sensual e groovada. Possível de ser percebida a contribuição tanto do baixo quanto dos tilintares opacos do cowbell e das agudezas do sintetizador, Bundle Of Joy é onde o personagem se vangloria pela posse de uma garota que ama e que o ama. Relatando detalhes de sua relação, o protagonista acaba deixando escapar detalhes de insegurança e timidez, mas sempre se mostra pronto para lutar por essa tal garota que é seu pacote de alegria.


O som da bateria em seu tom orgânico é quem puxa a nova introdução com frases levemente repicadas. Explorando harmonias grandiosas por meio da fusão de sonares adocicados e ácidos, a canção dá destaque tanto aos riffs simples e distorcidos da guitarra quanto para as notas do hammond engrandecendo a melodia. Solar e contagiante, ela traz uma estrutura desenhada de forma tão radiofônica quanto aquela de Paralyzed, enquanto desfila sensualidade e um senso de gratidão contagiante. Através de um flerte para com a estrutura melódica do soul, Love Is My Religion apresenta um enredo ambientado nos dias atuais de forma a salientar o ódio, a raiva, o senso de desunião e o descaso para com a natureza em um perfeito cenário de caos. Nesse ínterim é que Kravitz surge defendendo a ideia de que o amor é sua religião e que ele é a única sensação capaz de ser fielmente acreditada no que se refere à redenção social para a evolução espiritual.


Por meio de sonares estridentes e um beat simples, o novo cenário tem seu amanhecer de forma curiosa. Enquanto o desconforto começa a interagir com o interior do ouvinte, a canção rapidamente flui para uma segunda parte introdutória isenta de sons ácidos e densamente digitalizados. Afinal, aqui o baixo insere o brilho e o compasso de um groove sensualmente groovado em sua temática funk a partir de suas linhas graves. Com direito a uma guitarra rebolante em suas silhuetas aveludadas, Heaven é uma canção de essência sensual, irresistível e também minimalista em seus versos de ar. Conforme vai assumindo uma crescente, ela traz backing vocals, sonares de teclado e hammond como estratégias de engrandecera harmonia. De estética simples e sincera, a canção tem um apelo contagiante denso, Heaven ainda traz, por meio de Trombone Shorty, a contribuição do trombone e do trompete deixando a solar a ambiência dessa que é uma canção de desejos sinceramente utópicos no que tange a erradicação do terror e a necessidade de viver em harmonia. É como uma vontade coletiva para uma evolução da sociedade a tal ponto em que seja possível conviver sem rejeição, opressão ou qualquer tipo de repressão.


Um interessante swing levemente ácido é a temática do som que é utilizado como o abre-alas desse novo cenário. Acompanhado de um beat de conotação fluida e amaciada, ele consegue fundir singelezas do sci-fi em torno do toque adocicadamente exótico do tambura. De boa base desenhada por um baixo de linhas marcantes em seu riff bojudo, a canção transpira uma leveza contagiante, enquanto Kravitz vai inserindo seus primeiros versos líricos. Agraciada pelo toque percussivo característico e ecoante das castanholas, Spirit In My Heart é imbuída em uma linearidade estética entorpecente que acompanha um enredo que apresenta um personagem que aparenta ter tido contato com uma força maior para assumir as rédeas de sua vida e se desvencilhar dos sentimentos carniceiros que consomem todos os resquícios existentes de bem-estar. Contudo, conforme a canção vai evoluindo, o ouvinte vai tomando a consciência de que não é apenas sobre perseverança e fé que a canção dialoga. Spirit In My Heart é sobre a sensação mais pura e sincera do amor como sinônimo de bem-estar. 


O som adocicadamente ácido do sintetizador puxa a introdução com certo grau de ânimo. Logo em seguida, porém, um doce veludo surge por meio do moog e cria uma textura curiosamente romântica na introdução, algo que é intensificado com a forma como Kravitz escolhe pronunciar os primeiros versos líricos. Explodindo em um refrão mono-versável de estética grandiosa e épica, a faixa-título é mais uma obra em que o cantor explora a temática do amor, da plenitude, do bem-estar e do contato com a pureza do mundo. O contato transcendental, inclusive, com a espiritualidade a partir de requintes de esoterismo. 


Após seis anos sem música inédita, Lenny Kravitz surpreende ao anunciar seu primeiro álbum de composições novas desde 2018. A expectativa era alta, e Blue Electric Light tinha o dever de saná-la. Repleto por melodias bem trabalhadas, equalizações refinadas, mixagens estruturadas e uma sonoridade excêntrica, o disco surpreende pela sua devoção ao amor, à pureza, à beleza humana e à bondade que ainda reside na essência do indivíduo.


Ainda que isso ocorra em demasia, Kravitz não faz de seu novo trabalho um expoente da linha religiosa de Jah, mas enaltece a força do amor como poder motriz da manutenção social e da evolução espiritual da humanidade. Nesse ponto, o disco cria uma silhueta santificada e religiosa, algo que não se configura como regra totalizante. Até porque, existe muita sedução e libido.


Em Blue Electric Light, portanto, existem as duas definições de amor que são muito bem exploradas por Kravitz: o amor como sinônimo de bondade e o amor como sinônimo de desejo. É assim que o álbum é cuidadosamente dividido e intercalado, inclusive, com uma sequência de odes espirituosas.


Enquanto canções como TK421, Paralyzed e Let It Ride têm um caráter libidinoso no que se refere à sensualidade explorada em suas melodias, outras como Stuck In The Middle e Honey entram no rol de canções denotativamente românticas. Macias em sua extrema totalidade, essas são obras indicadas não para a sedução, mas para a ampliar a confidência.


De outro lado, em Blue Electric Light, Kravitz parece explorar, também, seu lado reflexivo social. Afinal, aqui o nova-iorquino discute sobre temas como liberdade sexual, como acontece também em TK421, como também na questão da sobrevivência durante e após o confinamento pandêmico. It’s Just Another Fine Day (In This Universe Of Love) analisa as consequências desse cenário.


Por sua vez, Humans, Heaven e a faixa-título entram defendendo o lado puramente espirituoso de Kravitz. Sempre regidas por melodias transcendentais, amaciadas e quase astrológicas, elas vêm com a função de tocar o coração do ouvinte com suas reflexões sobre a vida.


Para que as canções transmitam melodicamente tudo aquilo que se deseja disseminar a partir de seus versos líricos, Kravitz recrutou Alvarez e Ross também para o trabalho de mixagem. Na função, os profissionais, agora na parte técnica, conseguiram fazer com que cada experimentação melódica fosse cuidadosamente ouvida pelo espectador. O R&B, o soul, o funk, o reggae, o sci-fi, as singelezas do hard rock espalhadas por todo o material, bem como a contribuição que alguns instrumentos excêntricos inseriram na melodia são alguns dos fatores que não passaram despercebidos na lapidação de Alvarez.


Lançado em 24 de maio de 2024 via Roxie Records, Blue Electric Light é onde Lenny Kravitz explora seu senso humanitário, sua musicalidade, sua sensualidade e sua espiritualidade. Dando ênfase aos grooves, que soam salientes na sua esmagadora parte, o álbum consegue ser libidinoso, espirituoso e humano na mesma medida. 

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.