NOTA DO CRÍTICO
Quatro anos depois do anúncio de La Promesa, o reggaeton reassume as rédeas e volta ao universo fonográfico com algo que parece ser um ultimato: La Última Promesa. O terceiro álbum de estúdio do estadunidense Justin Quiles surge no momento em que o cantor se mantém no pódio da lista Top Latin Rhythm Albums, da Billboard, por conta de La Promesa, o considerado disco de estreia de Quiles.
Ao fundo, quase inaudível, uma voz se mostra balbuciando algumas palavras soltas na companhia de subgraves. Com efeito fade in, essa mesma voz vai tomando corpo e aumentando seu volume até o ápice da introdução, momento em que o ritmo, ainda não identificado da canção, enfim se evidencia. Com levada swingada típica do reggaeton panamenho, Quiles surge com um timbre eletrônico trazendo uma letra sobre sedução e criando uma atmosfera homogênea no que se refere à energia exalada. Definitivamente, Quítate Eso é um hit de verão contagiante, melódico e macio. Com seu refrão-chiclete, é fácil perceber que o vocalista atingiu seu objetivo de produzir um single sexy e cheio de malemolência cujos versos líricos “quítate eso y yo te beso. Le llego a dónde tu quieras!” e “y en el processo, yo voy expresso. Por ti haría lo que fuera”, passam e repassam na cabeça do ouvinte.
Em meio à sonoridade eletrônica, um violão de frases dedilhadas traz novamente a imersão do reggaeton no ritmo introdutório. Após a introdução, a melodia assume uma forma macia e mantém a noção contagiante estabelecida em Quítate Eso, porém, é possível assumir a máxima de que, no que tange a construção ritmo-melódica-lírica, Colorín Colorado tem um apelo radiofônico superior à faixa de abertura de La Última Promesa. Afinal, mesmo com uma letra que transita entre lamentos do término de um relacionamento e a simultânea a superação do mesmo com recaídas emocionais, a estrutura geral da canção é positiva e entusiasmada. Porém, é preciso dizer que existem momentos em que a faixa possui um teor escrachado, levemente machista e sexista, tal como acontece no trecho em que Quiles canta “porque no sé ni una puñeta de ti, pero en la nota recuerdo cuando te di” e “quiero que te venga’ y no te quede’ aqui. Echemo’ uno más y un final feliz”.
Com início diferenciado em relação às canções anteriores, Americana começa já com frases rápidas e cadenciadas do vocal de Justin Quiles. O swing segue nas alturas com o ritmo panamenho e seu beat compassado, mas aqui existe um tempero a mais. Rauw Alejandro divide os vocais e entrega um timbre mais agudo e doce que contrabalanceia o agridoce de Quiles. Trazendo um lirismo sobre a forma mais genuína do que se entende por paixão e encantamento, a cadência e a química entre os timbres vocais imprimem uma sensualidade a parte na canção. Trazendo na memória do ouvinte o single Havana, de Camila Cabello, a união entre Quiles e Alejandro traz ainda versos de exaltada ostentação tal como acontece no pancadão carioca.
O violão por si só já é o elemento que traz swing e compasso. Afinal, seu riff inicial já é de uma malemolência estonteante. Em La Botella, o reggaeton se apresenta de outra forma, com Ovy trazendo uma batida que, inicialmente, não mostra com a cadência ou a moleza características do gênero. Afinal, o ritmo da faixa se apresenta sutilmente mais acelerado estimulando uma dança mais acalorada. Assim como o sertanejo universitário, o lirismo da presente faixa é recheado de sofrência, mas cuja melodia e o ponto de vista do eu-lírico muito fogem da melancolia nostálgica das letras do ritmo brasileiro. Afinal, enquanto as letras do sertanejo trazem a bebida como cura para a famosa ‘dor de corno’, aqui ela é trazida como uma espécie de morfina para espantar a saudade. Pode parecer cenários semelhantes, mas o ritmo é determinante para a diferenciação entre os dois ritmos. Se no sertanejo o ouvinte se põe triste, no reggaeton ele é mantido com ânimo. E é isso o que acontece em La Botella, faixa que ainda possui a participação de Maluma nos vocais.
A voz surge editada no timbre que eternizou Crazy Frog. Fina, ela se encontra nos fundos e se encerra rapidamente, dando passagem para outra voz cujo timbre mais encorpado e grave casa bem com o tom agridoce de Quiles. Se trata de Dalex puxando o lirismo de Apretón, uma música que, como as demais de La Última Promesa, enaltece a sensualidade tanto rítmica quanto liricamente interpretativa. Justin Quiles, por sua vez, é o responsável pelo refrão de dupla repetição, o que o agrega a característica de chiclete. Na segunda estrofe, quem domina o microfone é Lenny Tavárez e seu timbre mais agudo e doce. A divisão tripla de diferentes timbres vocálicos dá à Apretón uma noção sensual ainda maior que combina com o tema lírico, que se baseia no enaltecimento do ato da dança e dos movimentos executados durante sua execução. Uma dança que, como o forró, deve ser realizada corpo a corpo e, como o próprio nome da faixa sugere, com pegada.
O sintetizador segue com participação importante, afinal, é ele quem pincela na canção notas agudas que dão um tempero a mais no quesito de malemolência. Assim como em Apretón, Get Wild possui um lirismo que também sugere se tratar da dança corpo a corpo, aqui chamada de reventón. Porém, aqui há uma diferença significativa. A companhia de Chris Marshall nos vocais entrega um tom mais grave, o que oferece à conjuntura melódica cores mais fortes vivazes. Outra importante diferença está na descrição de um relacionamento propriamente corporal entre casais. Azaração, conquista e sensualidade definem bem o que é Get Wild.
Uma voz abafada, quase suspirada, puxa a introdução de Contradicción. É Sech, novo convidado para dividir os vocais com Justin Quiles. Juntos na faixa, os cantores narram, em meio a uma melodia regada em riffs sutilmente acelerados do violão, o menosprezo da pessoa amada pelo eu-lírico. De outro lado, o lirismo apresenta um teor até mesmo cômico ao apresentar, como o próprio nome da canção sugere, uma contradição, um duelo interno entre os sentimentos opostos de amor e raiva tal como a dupla canta “estoy entrando en contradicción, porque sé que yo mismo estoy mintiendo. La realidad e’ que te deseo lo peor”.
O início é de uma métrica resultante do blend entre pop e eletrônico de maneira bem cativante e comercial. É estranho, mas Tienes Razón possui a melodia mais melancólica e introspectiva de La Última Promesa. Diferente, por exemplo, de La Botella, em que o lirismo sofrido se converte em ânimo com um ritmo alegre, a presente faixa é, de fato, triste e de energia mais baixa. Tal como o sertanejo universitário, a letra da música é de um lamento por perder a pessoa amada e um remorso por parte do eu-lírico por atitudes desnecessárias, tal como o personagem diz em “hice mierda lo que tu sentias”.
Frases em cadência acelerada e de teor sensual são ditas sem a companhia de instrumental por Quiles. Mas é no segundo verso que o ouvinte tem uma surpresa, pois uma voz feminina, cujo timbre é um misto de grave e veludo, assume as rédeas do microfone. É Mariah Angelic que assume o segundo personagem de Textos Sucios, uma música cujo lirismo trata de, como o próprio nome sugere, de conversas maliciosas pelo telefone e pelo feliz encontro físico entre as partes. O desejo, a sensualidade e o tesão são bem descritos pela dupla na canção, que é calcada no reggaeton.
Subgraves, batida eletrônica e cadência lírica acelerada dominam a introdução e moldam o primeiro verso de PAM. Apesar de contar com um refrão rappeado cantado por Daddy Yankee e da presença, entre os versos, de El Alfa, esta é a canção de lirismo mais pobre do disco, pois ela remete única e exclusivamente à mesma onomatopeia usada pelo pancadão carioca para designar o rebolar das mulheres frente a forte batida das músicas. Uma queda considerável no padrão das canções até aqui apresentadas.
O sintetizador traz um som macio e com notas amenas que remetem às notas do teclado. Uma ode ao verão e ao efeito dessa estação para com a beleza, Ponte Pa’ Mi é uma canção que, assim como Colorín Colorado possui um lirismo escrachado por deixar explícito o apelo sensual e até mesmo sexual. Perceptível através de frases como “baby, sé que te hace falta que te que te besen por la espalda” e “bajen más abajo y se pongan pa’l trabajo”, a azaração é um ingrediente muito forte na presente composição.
Macio e suave como o nascer do Sol em uma manhã de verão. Recheada de rimas proporcionadas pela repetição da última sílaba das palavras, Quiles traz Jeans, uma canção sobre sensualidade tal como Textos Sucios. Mas enquanto a primeira trata do ato de conversas maliciosas, a presente faixa tem frases explícitas ao coito e que trazem até mesmo impressões sexistas e machistas por parte do vocalista, tal como acontece em versos como “te gusta se me pongo posesivo” e “yo pega’o a ti como perito”.
Sem novidades em relação às outras 12 faixas anteriores, Se Te Olvidó é uma canção de instrumento baseado no beat da bateria eletrônica e cuja letra que preenche o compasso trata de relacionamento.
Se Se Te Olvidó foi uma música totalmente mais do mesmo, pode se dizer que Loco saiu totalmente do padrão de La Útima Promesa. Afinal, quem puxa a introdução não é o beat ou a voz de Quiles e sim notas doces e macias de violino acompanhadas das teclas igualmente suaves do piano e de riffs soltos da guitarra. Apesar da introdução fora da caixa e da participação de Chimbala e Zion & Lennox, a presente faixa não sai da zona de conforto de Quiles no que se trata do lirismo, afinal, esta é mais uma música romântica que trata de paixão.
Não é à toa que o batizado Justin Rafael Quiles Rivera é referência quando o assunto é reggaeton. Afinal, La Útima Promesa é uma ode a esse gênero musical original do Panamá e popularizado em Porto Rico. Cheio de swing, convidados e melodias enérgicas, o disco conseguiu definitivamente conquistar o ouvinte.
No entanto, é preciso dizer que o álbum poderia ser enxugado em, no máximo, 10 faixas ao invés de 14. Argumento é baseado na repetição tanto dos temas líricos quanto na melodia propriamente dita, o que deixou o trabalho brevemente cansativo por se mostrar mais do mesmo.
Ainda assim, é inegável que faixas como Quítate Eso, Colorín Colorado, La Botella, Apretón e Textos Sucios possuem um enorme apelo radiofônico. Por isso, pode se dizer com certeza que La Última Promesa é um disco recheado de hits que prometem arrasar o verão de 2021. Um grande feito do produtor Dimelo Flow.
Lançado em 20 de agosto de 2021 via Warner Music Latina, La Última Promesa é um disco indiscutivelmente comercial, melodicamente cativante, liricamente explícito e amplamente sedutor. Um disco que agracia o Sol do verão, a praia, o mar, o bronze e a sensualidade.