NOTA DO CRÍTICO
Vindo de três estúdios localizados na casa de Tom Hunting, às margens do Lake Almanor, na Califórnia, o 11º álbum de estúdio do Exodus nasce próximo do fim do segundo tempo de 2021. Intitulado Persona Non Grata, o álbum chega sete anos depois de seu antecessor Blood In, Blood Out.
Explosivo, áspero e selvagem. Riffs graves, azedos e raivosos se confundem entre excessos de pedais duplos velozes e linearmente brutos. Acompanhando essa sonoridade que beira o extremo, Steve “Zetro” Souza vem com seu vocal de timbre inconfundivelmente agudo e rasgado com pinceladas de gutural durante o refrão. Com uma cadência automática, a faixa-título desfila sua melodia ríspida sobre um lirismo sócio-avaliativo em que o personagem central é renegado e deixado viver com uma falsa fé que lhe oferece rancor e ódio. Um ser humano que foge das condições da boa convivência.
A dupla de guitarras formada por Gary Holt e Lee Altus oferece uma ambiência ainda bruta, mas cujo sentimento sugere uma revolta angustiada. Ao fundo, os golpes de Tom Hunting no surdo criam uma densidade que amplifica a sensação de desconforto em meio ao obscuro melódico. Curiosamente, o primeiro verso se pronuncia com uma cadência estranhamente mais macia que aquela da faixa-título, fazendo com que Souza surja mais controlado. No entanto, a crítica existente em R.E.M.F., abreviação de Rear Echelon Motherfuckers, não necessita gesticulações ou olhares. As palavras em si já carregam todo o sentimento de revolta. Revolta contra um sistema tecnológico inconscientemente escravocrata que faz das pessoas peões que levam lucros arrebatadores a magnatas da internet que, atualmente, esbanjam fake news no mero intuito de conseguir mais cliques e instaurando a desinformação.
Uma rispidez diferenciada insurge. Aqui, existe um contribuinte essencial na criação de um ambiente denso, mas sincopado. E essa tarefa é desde o começo muito bem executada por Jack Gibson, cujo baixo oferece um corpo fluído estridente que amplifica o aroma metalizado presente na melodia. Jornalisticamente, o lirismo de Slipping Into Madness pode soar como uma propagação da fake news em torno da origem do Sars-Cov-2 ao dizer que Diabilito, o personagem que representa a Covid-19, foi criada por cientistas. No entanto, como a música é um meio de livre expressão, não há crime de responsabilidade. Nesse caso, fica a cargo do ouvinte fazer o filtro do que é real ou não ou simplesmente não se atentar à letra e aproveitar a melodia.
Seguindo a rispidez e o rasgo padrão do thrash metal, a introdução se constrói com punchs pontuais a partir da união da guitarra base e da bateria. Cadenciada tal como R.E.M.F., Elitist traz um ritmo rispidamente macio cujo pedal duplo faz grande parte da função de promover o movimento melódico. Com pinceladas de um suspense trazidas pelo verso de sonoridade minimalista de forte presença do baixo, a canção, como o próprio nome sugere, traz uma crítica à classe rica de comportamento elitista, personalista, egoísta e egocêntrico.
O início é mais introspectivo. Há um suspense diferenciado em cuja raiva se mostra entorpecida, mas ainda existente. Conforme o instrumental cresce, notas de incredulidade e espanto são sentidas no paladar e acabam por comunicar ao ouvinte que o conteúdo pode caminhar para algo semelhante a uma denúncia de sonoridade de base no heavy metal. Se Slipping Into Madness tem um conteúdo que tangencia o jornalismo, Prescribing Horror é o enredo de um fato que também foi intensamente noticiado na imprensa: o infanticídio causado nos anos sessenta pelo uso indicado de talidomida para gestantes. Causando má formação dos órgãos e ausência de membros no feto, até 2013 ainda eram observados casos de bebês afetados pelo remédio no Brasil. Em síntese, Prescribing Horror é um heavy metal dramático que funciona como lágrimas de raiva e decepção.
Contagem crescente. Uma melodia até então inexplorada em Persona Non Grata se constrói. O hardcore domina a paisagem sonora com seus riffs sujos e a bateria imprimindo uma cadência acelerada. Essa ambiência é degustada somente na primeira parte da introdução, pois na transição para o primeiro verso o thrash metal assume o controle de maneira crescente. The Beatings Will Continue (Until Morale Improves) é uma canção que critica a impunidade de maneira a flertar com o tema da Covid-19 tal como fez Slipping Into Madness. Aqui, porém, parece que o lirismo aborda de maneira metafórica a obrigatoriedade das vacinas. Ao mesmo tempo, existe crítica às táticas repressoras de um governo que propaga o desamparo.
A distorção segue grave, mas assim como nas canções R.E.M.F. e Elitist a cadência surge mais amena e até contagiante. De outro lado, a melodia parece surgir após uma enxurrada de desabafos emaranhados entre os temas das faixas anteriores, pois The Years Of Death And Dying soa como uma retomada de fôlego. Nessa atmosfera, o baixo entra com notável protagonismo na base rítmica do primeiro verso enquanto a guitarra aparece momentaneamente como relâmpagos súbitos. Com direito a uma guitarra melódica que sobressalta a guitarra base áspera no refrão, a canção, apesar de ter um movimento menos brutal, traz um lirismo de início poético sobre a perspectiva da morte. Desse ponto de vista, The Years Of Death And Dying é uma homenagem aos músicos que se foram e também às pessoas no geral. O desligamento corpóreo é inevitável, mas as lembranças fazem com que aqueles que se foram nunca sejam esquecidos.
E como o previsto, a aceleração, a rispidez, e a aspereza retomam seus postos a partir de uma entrada regada em repiques e brutalidade nos riffs. É como uma tempestade torrencial infestada de raios e trovões oferecendo pavor e susto através de uma sonoridade linear, obscura e azeda. Porém, como o próprio nome sugere, Clickbait se junta ao time formado por faixas como Slipping Into Madness e Prescribing Horrors ao trazer consigo uma crítica palpável. Aqui, porém, ela se une à temática de Slipping Into Madness por avaliar a forma como a população é enganada e ingenuamente entretida através do clickbait, um termo de publicidade que gera receita através de conteúdos chamativos e, por vezes, sensacionalistas. Com a incorporação de sentimentos de desespero, a guitarra solo grita por salvação ante o caos que a acompanha durante o breve solar.
Se Years Of Death And Dying soa como retomada de fôlego, Cosa Del Pantano é um mantra de relaxamento e pacificação. O som ambiente do coaxar dos sapos e a estridulação dos grilos oferecem um conforto apaziguante após uma tormenta de caos oferecida até então por Persona Non Grata. Eis então que a guitarra se mostra fazendo uma espécie de jam acústica.
Como um medley, Cosa Del Pantano serve como uma extensão da introdução de Lunatic-Liar-Lord, uma música que, em sua introdução segue com a melodia calcada na guitarra acústica. Quando ela recebe a distorção, acaba dando passagem para uma bateria que evoca o som de metranca à melodia, que, de maneira crescente, vai ganhando toques cada vez mais ásperos, mas ao mesmo tempo cadenciados. Essa é a roupagem para um lirismo que oferece uma visão crítica à fé que acredita em vida após a morte.
Súbitos ásperos e inflamáveis. O cavalgar ríspido e metralhador chega logo em seguida imprimindo a cadência ríspida e azeda do thrash metal. O que essa aceleração raivosa tem a dizer é, na verdade, uma ilustração de como as políticas extremistas são capazes de, além de ludibriar, segregar a população. A ideologia do ódio separa os sensatos dos conservadores, os sábios dos egoístas. The Fires Of Division é uma canção que conta ainda com um screamo gutural e sobreposições vocais que dão ênfases em versos específicos, além de um solo extravasante de súplica pela liberdade emocional que é acompanhado por uma base metalizada.
É quase como algo mortífero ou introdutório ao sofrer. O minimalismo melódico existente causa uma sensação incômoda de um suspense indecifrável que vem com uma levada perigosamente contagiante. Mesclando elementos sonoros do metalcore, Antiseed é a canção de lirismo mais obscuro do álbum, pois trata de temas que mesclam adoração à morte e canibalismo. O que mais incomoda na faixa é a forma como ela se mostra melodicamente digestiva e radiofônica, pois ela penetra no imaginário do ouvinte de maneira a atraí-lo na sua estrutura mais comercial.
Agressivo, ríspido, azedo, rápido, assustador, brutal. Essas são características que descrevem bem o que é Persona Non Grata: um álbum que defende a métrica mais pura do thrash metal. Trazendo elementos do heavy metal e do metalcore, o álbum se encerra ao alcançar um caráter perigosamente contagiante.
Perigoso porque os temas nele abordados causam repulsa e enjoo para grande parte das pessoas, pois transitam pela religião, infanticídio, canibalismo e uma visão romanceada da morte. De outro lado, o álbum possui lirismos que carregam nitidamente a opinião de alguns integrantes sobre temas da atualidade como extremismo político, obrigatoriedade das vacinas contra a Covid-19 e a manipulação velada feita pela internet.
Em alguns momentos, inclusive, as opiniões são tão diretas e sem filtro que chegam a incomodar. Alguns momentos beira a propagação da desinformação, noutra, o sarcasmo. Mas a música é liberdade de expressão e um direito de todo e qualquer cidadão.
Produzido pelo próprio Exodus, Persona Non Grata exala uma liberdade criativa invejável e um mergulho profundo em uma sonoridade densa e tão extrema que quase chega a ser um death metal. Por isso é possível confirmar que o quarteto definitivamente defendeu suas raízes estilísticas em um som que, sob mixagem de Andy Sneap, soa lapidado e, consequentemente, limpo.
Na parte visual, o Exodus recrutou Pär Olofsson, ilustrador que já atuou com o grupo anteriormente em discos como Blood In Blood Out e Let There Be Blood. Em Persona Non Grata o sueco mantem a pegada de carnificina ao trazer uma montoeira de cadáveres ao mesmo tempo em que ilustra zumbis como seguidores de uma figura que, apesar de demoníaca, possui traços angelicais. É a pura servidão que carrega traduções de temas político-sociais abordados ao longo das 12 faixas do álbum.
Lançado em 19 de novembro de 2021 via Nuclear Blast, Persona Non Grata é um disco regado de opiniões regidas por uma melodia que defende a áurea glorificadora do thrash metal. Sua rapidez, acidez, aspereza e azedume dizem por si só. Ter fôlego e estômago são pré requisitos para ouvi-lo de maneira imparcial.