El Mató A Un Policía Motorizado - Súper Terror

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O material segue a vitória do grupo no Grammy Latino de Melhor Álbum de Rock de 2022. Surgindo seis anos após La Sintesis O’Konor, Súper Terror consiste no décimo álbum de estúdio do quinteto argentino El Mató A Un Policía Motorizado e foi gravado no texano Sonic Ranch Studios.


O cenário é nebuloso, mas não em quesito de trevas. A poeira é densa e quente, impedindo a nítida visualização de um horizonte a poucos passos de distância. Essa ambiência chega representada por uma guitarra que, introduzida por Pantro Putö, vem aguda e trotante de forma a rememorar as linhas desenhadas por David Gilmour no amanhecer de Another Brick In The Wall, single do Pink Floyd. Logo acompanhada de uma bateria igualmente trotante e sincopada por Doctor Death, a canção começa a emanar odores setentistas de uma new wave dançante, o que se confirma com a entrada de Afloyd no teclado. Ao mesmo tempo, porém, a faixa traz consigo uma imersão no campo da lounge music que a torna moderna, de verve eletrônica, mas sem deixar o lado acústico. Depois de um breve solo introdutório e ácido, Santiago Motorizado completa o escopo melódico com seu timbre grave e aberto. Macia e com direito a uma singela mistura de soft rock, Un Segundo Plan tem um toque curioso de melancolia cheio de questionamentos sem resposta feito por um personagem de feição desolada. Não à toa que esse mesmo indivíduo solitário faz da faixa a sua própria desesperada busca por propósito.


Macia e fresca como a brisa do mar em um entardecer de verão. Já com notável corpo oferecido pelo baixo de Motorizado, a introdução vem com um confortável veludo entorpecente proporcionado principalmente pela delicada valsa dissincrônica entre as guitarras de Putö e Elephant Boy. De versos minimalistas em que o timbre do vocalista pode ser degustado mais profundamente a ponto de identificar similaridades entre seu grave e o de Caleb Followill. Contagiante em seu indie rock cabisbaixo, Medalla De Oro é uma faixa de veia crítica sobre a insatisfação associada à ganância da sociedade. A ausência de contentamento e humildade. Medalla De Oro é uma triste contextualização da futilidade embebida por uma proposital cegueira de que, apesar de ser rico e ter vários bens, nada disso importa no final.


Doce e contagiante em sua cenografia poente de outono, a canção se mistura simultaneamente entre consciência e inconsciência a partir da sintonia entre bateria e guitarra. Linear, mas sem perder seu brilho de toque nauseante, Diamante Roto é uma canção que apresenta um personagem perdido em sua própria insegurança. Um indivíduo que sonha e busca pela plenitude e felicidade em meio ao que parece ser uma tortuosa relação com o luto, mas também um desabafo perante a pressão de não ser o que os outros gostariam que fosse. Diamante Roto é, como o próprio nome sugere, a descrição de um personagem puro, mas criando frequentes rachaduras a partir de uma sociedade julgadora.


De início, o groove da bateria se apresenta semelhante àqueles feitos por Tico Torres em Always, single do Bon Jovi, quanto por Joey Kramer em Fly Away From Here, single do Aerosmith. Ainda assim, a canção não se enverda para o campo do hard rock e, sim, reassume o viés new wave com uma melodia linear e levemente dançante de maneira a rememorar a sonoridade criada em Everybody Wants To Rule The World, single do Tears For Fears. Com direito também a pitadas de synth-pop, Tantas Cosas Buenas é macia e tem um curioso ar esperançoso em seu enredo que mistura uma metaforização do fim de um ciclo e o início de outro. É como a perfeita ilustração da transição entre o pré, a pandemia e o pós-pandemia. O caminhar entre realidades. O Adeus de cenários, eventos e situações junto às boas-vindas ao novo momento e tudo o que dele pode surgir. E é por isso que, mesmo sabendo que o futuro pode também trazer coisas boas, Tantas Cosas Buenas é embebida na tristeza de um presente súbita e drasticamente transformado em passado.


A voz de Motorizado surge como reproduzida por um rádio. Enquanto isso, o teclado surge em notas graves transformando o ambiente em algo melodramático e transcendental. El Universo é um produto definitivamente minimalista que funciona como uma perfeita continuação de Tantas Cosas Buenas. Afinal, aqui o personagem também se encontra na iminência do luto pela transição do presente em passado. Do término de um momento agradável. Um período tão agradável cujo Adeus é demasiadamente difícil, fazendo com que o indivíduo lírico prefira até mesmo pensar que o bom sequer existiu.


De base indie rock semelhante àquela trazida pelo Snow Patrol, Coronado já se inicia com uma veia positiva, contagiante e surpreendentemente alegre. Entre o torpor do teclado e a racionalidade da base desenhada pela união baixo-bateria, a canção traz uma energia estimulante que, apenas pela sua melodia, exala um aroma motivacional. Como a continuidade do enredo iniciado em Tantas Cosas Buenas, Coronado, com sua precisão melódica, se despe da tristeza, da melancolia e do sofrimento visceral e se deixa vestir pela positividade e feliz receptividade do novo momento. É o recomeço repleto de esperanças. Um enredo cheio de versos marcantes como “vamos a cruzar al otro lado sin mirar”, “me hace pensar que esto no está tan mal” e “ahora vamos a empezar”. Sem dúvida, Coronado é uma faixa marcante e organicamente radiofônica de Súper Terror.


Com um beat e sonares eletrônicos, a canção apresenta um amanhecer enigmático. Fluindo para uma linearidade levemente ácida que se mistura entre a new wave e o indie rock com uma essência à la Oingo Boingo, Voy A Disparar Al Aire possui uma sensualidade sombria despropositada que perpetua durante toda a sua execução. Trazendo um enredo que representa toda a incerteza do pós-pandemia, a canção dialoga sobre a idealização de um amanhã não materializado, Voy A Disparar Al Aire é como um jogo da sorte. Um jogo praticado pelos personagens de um futuro embebido em temor. No mais, a canção traz uma curiosa abordagem do amanhã, metaforizando o amanhecer como um momento morto mesmo sem acontecer. Um passado preso no futuro. Não à toa que o verso “son los fantasmas de lo nuevo” definem de forma perfeita o enredo de Voy A Disparar Al Aire.


Macia e contagiante em seu indie rock suave e de leve swing, a canção possui rompantes ecoantes da distorção das guitarras empregando texturas ácidas à melodia de toque doce e linear. De base entorpecida por um teclado que forma uma coxia melódica new wave, Moderato tem a mesma veia de Coronado, pois traz um enredo de esperança, de comemoração pelo fim do caos sob uma ótica reflexiva do seu efeito na evolução da sociedade. Trazendo até mesmo uma provocação à pandemia ao dizer que sua presença se tornou normal a ponto de não amedrontar mais ninguém, Moderato é o suspiro de alívio pelo término da súbita desordem. Uma desordem que, segundo o próprio personagem, “a tu alrededor nadie te está mirando más”.


A bateria surge em um groove preciso e sincopado. Junto a ela, o teclado vem introduzindo sonares ácidos que remetem à tradicional new wave defendida pelo El Mató A Un Policía Motorizado. Acompanhada de um zumbido tremulante e de caráter nauseante, a conjuntura sonora acaba promovendo singelas influências de nomes como A-Ha e The Smiths na melodia, cuja essência traz um senso reflexivo e fresco que é como o observar a transformação do horizonte do claro do dia ao escuro da noite. El Número Mágico segue a premissa da melancolia de um tempo que não volta, um período bom e, em teoria, melhor. Ainda que traga aparentes menções ao tédio associado à insatisfação, a canção fala de persistência sob pitadas de esperança, assim como as faixas Coronado e Moderato.


O indie rock se sobressai, mesmo que a base melódica siga embebida em new wave. De cadência lírica contagiante em sua introspecção reflexivo-lamentosa, as guitarras são os instrumentos que se dividem entre o oferecimento de um senso reconfortante e aveludado junto a um tom racional, sério e melancólico. Curiosamente, mesmo com sua veia pensativa, El Profeta De Fuego consegue ser, assim como Coronado, uma faixa melodicamente marcante de Súper Terror, um álbum que se iniciou melancólico na busca por propósito e se encerra dialogando sobre o medo, a insegurança e a ausência de uma postura imponente. El Profeta De Fuego simplesmente narra a infelicidade e a necessidade da fuga da realidade sob um olhar entorpecido em tristeza e desolamento. É o peso do sofrimento impedindo o vislumbre do novo amanhecer.


A passagem do tempo demanda mudanças e coragem para se despir de algo que se tornou passado para se vestir de uma realidade incerta e enigmática. A pandemia causou uma espécie de frenesi melancólico por um ontem que oferecia uma zona de conforto social em prol de um amanhecer cheio de proibições, medos e transformações obrigatórias. E o efeito disso é narrado em Súper Terror.


Com uma veia pensante, melancólica, nostálgica e melodramática, o El Mató A Un Policía Motorizado fez do álbum um material que é dividido entre dois campos emocionais: o da tristeza associada ao luto e o do alívio associado à esperança, e um de veia mais psicológica. No primeiro espectro, o disco dialoga com medos, inseguranças, introspecções que dilaceram a depressão e a tristeza.


Já no segundo, Súper Terror traz o suspiro de alívio pelo fim do caos, traz uma expectativa positiva sobre o novo. No terceiro é onde o quinteto analisa e critica certos comportamentos sociais, como o julgamento, capaz de abalar a essência de indivíduos emocionalmente frágeis, e a futilidade. É assim que o grupo pensa o contexto social do presente momento.


Para dar ênfase a essas múltiplas e analíticas narrativas, o El Mató A Un Policía Motorizado recrutou Eduardo Bergallo para o trabalho de mixagem. Foi aí que o profissional sintetizou as influências musicais do grupo com a intenção de ir e vir entre passado e presente a partir de diversos campos melódicos. E assim, o álbum exalou aromas que transitam por new wave, synth-pop, indie rock, lounge music e soft rock.


Tudo com delicadeza e sutileza a ponto de fazer o ouvinte ser capaz de degustar desde as diferentes energias propostas às diferentes sonoridades criadas em cada um dos 10 capítulos de Súper Terror. Além de contagiar e fazer pensar, o material, com sua finalização estética, é um convite para refletir inclusive sobre si.


Fechando o escopo técnico do álbum, vem a arte de capa. Assinada por Motorizado, ela traz uma ligeira influência da icônica fotografia feita por Mick Rock para o álbum Queen II. Apesar do fundo adornado por um laranja em tom quase amarronzado, o busto dos integrantes é disposto regularmente, criando uma noção de harmonia ao formar um círculo. É como se cada músico estivesse olhando para o ponto de vista que lhes agrada, mas sempre metaforizando a ideia de passado e presente.


Lançado em 07 de julho de 2023 de maneira independente, Súper Terror apresenta um El Mató A Un Policía Motorizado chorando pelo fim drástico e súbito de um passado confortável e temendo, mas ao mesmo tempo reverenciando, um futuro enigmático esperançoso e aliviante pelo fim do caos. É um álbum pensa o presente e o futuro simultaneamente em que vangloria o ontem. 

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.