NOTA DO CRÍTICO
Com nove anos de idade, mas já com uma bagagem considerável, o Der Baum retoma as atividades em estúdio para enfim anunciar ao público o terceiro capítulo de sua trajetória. Homonimamente batizado, o novo álbum acompanha o grupo batateiro em sua fase mais pessoal.
Uma alegria comovente, inspiradora e estimulante ressoa a partir das teclas do teclado de Ian Veiga, quem logo introduz um timbre doce e de visível alcance vocal no processo do desenho da melodia. De ares ao mesmo tempo dramáticos, a canção vai assumindo contornos ácidos que a inserem no campo da new wave de forma a se ambientar em um contexto oitentista da música brasileira, momento em que o rock fundia elementos setentistas em suas estruturas. Da mesma forma, Eu Não Quero Mais, cuja base rítmica tem estrutura 4x4 a partir da levada da bateria de César Neves, faz tais misturas enquanto, entre rimas, apresenta um personagem em busca de seu próprio caminho, de sua essência. Do autoconhecimento. A dialética da fluidez unida à necessidade da previsibilidade associada à insegurança, a relação com o tempo e uma consciente noção de empoderamento são outros aspectos trazidos pelo enredo de Eu Não Quero Mais, uma música que já apresenta um caráter dançante do Der Baum.
Continuando com o clima dançante, junto à new wave o público agora consegue notar a imersão no campo do synth pop. Ácida, contagiante e ao mesmo tempo macia, a nova melodia, além de ter seu ritmo construído basicamente a partir de frases percussivas que caminham durante todo o verso, tem o enredo decifrado por um timbre mais grave e empostado por parte de Veiga. Tendo a guitarra e seus riffs singelos bem posicionados a ponto de se tornarem importantes ingredientes na criação tanto da densidade quanto do suspense, Far Away se divide entre o inglês e o português enquanto dialoga, sob a ótica do relacionamento, sobre o efeito da distância nas relações e sobre pares imersos em realidades platônicas, abusivas e de entregas unilaterais. O interessante, então, é notar que a distância inserida em Far Away nada mais é do que uma metáfora para uma situação em que não há sintonia entre as pessoas, o que implica em falta de comunicação, compreensão e sinergia de interesses.
Alegre, sedutora e contagiante. Tendo nos riffs bem presentes do baixo de Vaness Gusmão um elemento necessário na criação da pressão rítmica e de uma singela noção de swing, Dreamers In The Night logo comunica sua continuação no campo do synth pop enquanto dá continuidade ao enredo inglesado. Flertando inclusive com a house music, Dreamers In The Night traz um personagem consciente e contente em relação à sua essência, um alguém satisfeito com sua própria personalidade que, embebido em demasiada euforia, quer extravasar tal alegria.
Rápida em sua cadência e dando continuação às suas frases melódicas contagiantes, a presente faixa comunica uma evidente influência na estrutura rítmica defendida e disseminada por David Bowie e Roxette. Tendo o timbre agudo e bem posicionado de Fernanda Gamarano como um ingrediente que insere pitadas de conquista no que tange o conceito romântico no convite para dança em uma balada, Party é uma canção com swing despropositadamene cômico capaz, inclusive, de rememorar grupos nacionais como Ultraje A Rigor e Blitz. É a diversão e a curtição contagiando o ouvinte da maneira mais crescente possível.
A batida está em cadência 4x4. O teclado insere notas ácidas que continuam ambientando Der Baum na década de 70. O ritmo, então, segue dançante. Surpreendentemente, o que se tem na construção entre intro e primeiro verso é um indie rock que, graças ao riff da guitarra, é generosamente ácido. No entanto, não é apenas essa nova melodia que engrandece a canção e atiça o ouvinte. Agora com notável protagonismo e com um timbre gelidamente adocicado, Fernanda convida o ouvinte para, em Phoenix, mergulhar na possibilidade do renascer como uma alusão à capacidade da superação. Um sinônimo ao amadurecimento de consciência.
Som da distorção sendo ligada. A acidez, como marca absoluta da sonoridade do Der Baum, segue na camada mais superficial da melodia, que dá continuidade ao indie rock introduzido em Phoenix ao mesmo tempo em que assume toques levemente mais agressivos que lhe conferem lascas de rock alternativo. Ainda com uma base contagiante, We Areassume um caráter explosivo enquanto Veiga, agora com um vocal agridoce e levemente nasal, traz um lirismo ainda mais estimulante que a melodia de Eu Não Quero Mais. Instigando o empoderamento e a noção da força da união na obtenção de objetivos comuns. Ou, ainda, tendo em vista a situação atual de um Brasil órfão de representatividade madura, um levante contra a opressão. We Are é, realmente, um importante single de Der Baum.
O baixo surge impiedoso na construção da pressão na base rítmica. Estridente, preciso e linear, ele, ao lado da levada da bateria, entrega uma tensão estimulante na melodia ainda em processo de maturação. Com tímidas influências de Billy Idol na estruturação da sonoridade, Don’t Wake Me Now é embebida em uma melancolia curiosamente contagiante que dá sustentação a um lirismo que retrata a superação do próprio vitimismo. Afinal, a canção, além de estar inserida em um contexto deprimente e até mórbido, traz um personagem que luta para se manter estimulado a viver dia após dia ao mesmo tempo em que tem de lidar com a dependência do outro como escudo de seus próprios demônios. Don’t Wake Me Now é a descrição de um sono quase lascivo no que tange a proteção contra situações que podem vir a despertar os ímpetos mais destrutivos presentes no interior do indivíduo.
Com a linearidade contagiante da new wave, a nova canção tem no baixo um importante elemento na construção de seu corpo rítmico. Sem virtuosismo ou firulas introdutórias e versáveis, Maybe, assim como Phoenix, mas de maneira diferente, dialoga sobre superação sob a ótica do prosseguimento da vida sem o peso da culpa, do arrependimento e do remorso. É como a sonorização da lei de causa e efeito. Algo que rege o futuro a partir do presente.
É possível dizer que uma new wave melancólica está nascendo. Com semelhanças enérgico-melódicas com The Cure, aqui com menção especial ao single Boys Don’t Cry, Burning Trees amanhece tensa e densa em sua sonoridade gélida e entorpecente. Ainda assim, seu ritmo amadurece como algo intenso que, com influências até do The Cult, acompanha um lirismo que dialoga sobre um senso desmedido de impotência perante um cenário incontestável e inevitavelmente caótico. Nesse aspecto, o Der Baum parece narrar, em Burning Trees, a forma como se sentiu durante o período de isolamento e, de maneira geral, perante todo o conflito em torno da Covid-19.
Guitarra áspera, distorcida e grave. O teclado ao fundo auxilia na imersão do campo do post-punk, algo alimentado, inclusive, pela bateria suja que adorna a melodia introdutória. Tendo a capacidade de flertar também com roupagens distintas como heavy metal, grunge, stoner rock e rock progressivo, I Got A Soul surpreende pela sua complexidade melódica em relação às outras canções e tem, novamente, na Fernanda a figura que introduz a narrativa lírica. I Got A Soul é, nada mais nada menos, que uma personagem aprendendo a se valorizar, a se entender, mas principalmente, a se respeitar. Com direito a um refrão chiclete de grandeza harmônico-melódica, I Got A Soul é uma música intensa, penetrante e que exorta um senso de insatisfação movido por um incontrolável despertar de empoderamento. Não à toa, I Got A Soul é a faixa mais forte de todo Der Baum.
Como uma árvore, Der Baum é um trabalho cheio de galhos. Uns frondosos, outros nem tanto. Contudo, isso não é algo desmerecedor do trabalho do quarteto. É a identificação de que o grupo conseguiu, com o trabalho, descrever as antíteses do ser humano e representar algumas das situações rotineiras vivenciadas pelos indivíduos que compõem uma sociedade.
Alguns querem diversão, festa e farra. Querem dançar, curtir e esquecer da vida. Outros, querem encontrar motivação para continuar vivendo, um caminho que permita fugir da zona de conforto do sofrimento. Outros, ainda, buscam caminhos para aprender a se valorizar, se respeitar e se entender.
Não à toa que Der Baum é marcado por lirismos que comunicam respeito e delicadeza quando essas qualidades pedem presença. Da mesma forma, a linguagem desleixada e despreocupada também está presente quando as letras pedem apenas descontração e dança.
É nesse caminho da introspecção do comportamento do indivíduo que a Der Baum ousa em misturar diversos gêneros musicais sob uma base punk dançante setentista. Afinal, entre as 10 faixas do trabalho, o ouvinte consegue transitar por diferentes ambiências rítmicas como a new wave, a house music e o synth pop. Há também ainda mais ousadia quando o ouvinte mergulha, sem aviso, em um ecossistema ácido regido por subgêneros do rock como o post-punk, indie rock, o rock alternativo e mesmo o heavy metal, o stoner rock e o grunge.
Eis que se percebe o trabalho minucioso de Gabi Lima. A profissional conseguiu fundir todos esses elementos de forma que a essência punk do Der Baum foi consistentemente mantida. Afinal, entre cada criação rítmica, o ouvinte pode se deparar por influências variadas que vão de nomes como The Cult, The Cure, Roxette e The Runnaways.
Fechando o escopo técnico do álbum vem a arte de capa. Assinada por Thais Silvestre, ela traz, na adoção das cores vivas, a menção da acidez e da brilhantina dos anos 70. Ainda assim, não há virtuosismo artístico, uma vez que a obra se baseia no destaque dos integrantes do grupo imerso em uma sinergia de tons vivazes.
Lançado em 23 de setembro de 2022 de maneira independente, Der Baum é a antítese entre a expansão e a introspecção. É a proposta de um diálogo sobre vida, sobre motivação, sobre respeito e sobre autovalorização. É um disco que ensina os indivíduos a serem humanos e conscientes tanto de sua força emocional quanto das suas próprias essências.