NOTA DO CRÍTICO
O metal é talvez aquele subgênero do rock de onde se originou grandes preconceitos a respeito de seus adoradores, mesmo sendo um dos estilos mais populares do gênero. Mas foi a partir de uma aposta que Dee Snider entrou para esse ramo da música. Desse desafio, feito pelo vocalista do grupo estadunidense de hardcore Hatebreed, Jamey Jasta, saiu, em 27 de julho de 2018, dois anos após o fim definitivo do Twisted Sister, banda de hard rock que consagrou Snider como frontman e cantor, For the Love of Metal.
Lançado com selo da Napalm Records, o terceiro álbum solo do sessentista nova-iorquino tem início com Lies Are A Business, música que chega como um susto, trazendo a bateria de Nicky Bellmore tomando a dianteira e trazendo uma bomba sonora que se forma com a chegada da guitarra elétrica. Dee Snider surpreende com o drive e com a aparente apropriação do metal na sua forma de cantar, não remetendo nem um pouco à sua fase de 20 anos no Twisted Sister. Com uma letra que retrata a visão do mundo atual tido como o ambiente do negócio e da mentira, Lies Are A Business contém grooves típicos do metal com bons solos executados pelo guitarrista Charlie Bellmore e com frases selvagens de peso e pressão.
Tomorrow’s No Concern, o primeiro single a ser divulgado do disco, já se apresenta com a presença marcante do baixo de C. Bellmore precedida de um verso rápido entre guitarra e bateria. Ainda mais metalizada, a faixa traz uma versão mais grave da voz de Snider, muita utilização do pedal duplo e trechos que fazem parecer que a guitarra literalmente grita. O verso “I gave you yesterday/tomorrow’s no concern”, entoado por Snider no refrão com sua voz rasgada, fica facilmente no inconsciente, fazendo com que o ouvinte o cante sempre que pronunciado. A faixa trás também, em determinados trechos vocais, uma nostalgia do Twisted Sister, mas que, com a ajuda do ritmo acelerado, passa tranquilamente.
Com um início melódico, I Am The Hurricane, o segundo single anunciado de For the Love of Metal, lembra vagamente algumas composições do Korn. O alcance e o domínio de diferentes técnicas vocais de Dee Snider, assim como nas faixas anteriores, ainda impressiona. Com ritmo mais lento, é possível apreciar, com mais facilidade, cada ingrediente do corpo sonoro formado por músicos recrutados pelo cantor. Os irmãos Bellmore, vista sua bagagem hardcore e metalcore, criam uma atmosfera típica da dança mosh por conta do uso de acordes graves e golpes incessantes de pedal duplo. Todo esse escopo vai muito bem com o viés lírico, que aborda a inconsequência.
American Made já traz, na sua introdução, uma ligeira lembrança de Next Contestant, faixa do Nickelback. A faixa, com clima de suspense nos trechos de ar, traz versos vocais cantados em coro pelos três integrantes, como em “Action now” e “Don’t care how”.
O speed metal domina o riff introdutório de Rool Over You, música que apresenta Tanya O’Callaghan no baixo. O refrão, porém, tem um ar mais comercial por conta do verso limpo entoado por Snider em “No heart” e “So far”. Claro que seu entorno está imerso no universo metalizado, com Nicky Bellmore, como de costume, aparentemente socando a bateria.
Do grupo de death metal melódico Armageddon, I’m Ready apresenta o guitarrista solo Joey Conception, a segunda personalidade convidada para participar de For the Love of Metal. Com sua presença, o contexto sonoro do grupo formado por Dee Snider fica ainda mais pesado e vibrante. I’m Ready, apesar de ter um caráter mais comercial e lembrar grupos como o Metallica, ganha outra cara por conta da presença da guitarra extra de Conception. A presença de uma segunda guitarra dá realmente.
Já Running Mazes possui uma base instrumental que lembra o Alter Bridge, isso por conta dos grooves e dos riffs. Assim como Rool Over You, a música possui versos facilmente decoráveis. No entanto, a faixa atual possui a particularidade de parecer ter sido feita com a intenção de ser apresentada ao vivo, vista sua energia intensa.
Mask também vem com um ponto positivo. A música mostra claramente a harmonia criada entre os irmãos Bellmore, que apesar de já tocarem juntos, estarem na companhia de Dee Snider é algo inédito em seus portfólios. Com levada mais semelhante à de Nightmare, faixa do Avenged Sevenfold, Mask possui letra que aborda negação e a ignorância, temas muito presentes no cotidiano dos brasileiros. Tal fato faz da música um produto que, se usado em protestos, assumisse um ar de ato político.
Become The Storm, o último single anunciado do disco, é uma música de harmonia bem particular e peculiar. A guitarra com riffs mais melódicos em união com os grooves metalizados dão ao som a classificação de cartão de visita de todo For the Love of Metal. A performance de Dee Snider é tão visceral e profunda que se torna a prova da versatilidade do batizado David Daniel Snider. Além de tudo isso, Became The Storm contém ainda um solo de guitarra limpo e melódico que pende para o lado hard rock. Por conta disso, talvez a faixa, dentre todas as outras do disco, seja a com maior caráter comercial.
The Hardest Way é a música com maior número com aparição de convidados. Tanya retoma a posição de baixista e Dee Snider ganha Howard Jones, ex-Killswitch Engage e atual Light the Torch, como companheiro no microfone. Abordando temas como incertezas, aprendizados cegos e medo do não saber, a mescla vocal de Snider e Jones ficou bem destoante. Enquanto o primeiro abusa dos drives e da larga extensão vocal, o segundo possui uma voz grave e trêmula, que dá a impressão de estar chorando ou sofrendo. No mais, The Hardest Way tem um bom instrumental, metalizado e alternativo.
Com uma levada mais acústica e com fundo latino, Dead Hearts (Love Thy Enemy) apresenta a última convidada a participar do disco. A personalidade em questão é a vocalista do grupo Arch Enemy, Alissa White-Gluz. Alissa, com seu estilo de canto suave, é quem comanda o microfone em grande parte da canção. O revezamento com Snider, porém, acontece apenas no refrão, quando o estilo muda drasticamente para algo mais agressivo. No entanto, é também no trecho principal de Dead Hearts (Love Thy Enemy) que ambos os cantores fazem um belo dueto ao estilo metal sinfônico que lembra grupos como Nightwish e Evanescence.
E enfim é chegada a 12ª e última faixa do álbum. Agressiva e sombria, a música homônima, assim como o próprio nome sugere, possui uma letra de veneração e prova de adoração ao metal. Afirmações podem ser facilmente notadas no trecho “I do it for the love of metal” e na frase enfática “We are all fucking metal”.
For the Love of Metal é, sem dúvida, o melhor disco experimental do selo austríaco Napalm Records, que, apesar de ser feito a partir de uma aposta, apresenta qualidade, potência e rompimento de sensos comuns acerca do frontman Dee Snider.
Como qualquer trabalho desse perfil, o sucessor de Dee Does Boradway traz semelhanças rítmicas com diversas bandas de mesmo gênero, mas tudo na medida certa. Fora isso, For the Love of Metal traz Dee Snider no auge da forma com plenos 63 anos.
É claro que ao ver o nome Dee Snider muitos podem pensar que o som aqui contido seja um glam metal ou hard rock, ambos subgêneros adotados durante sua estada no Twisted Sister.
Porém, para se ouvir For the Love of Metal é preciso se despir de preconceitos e estar com a cabeça aberta para observar e apreciar habilidades que muitas vezes não se conhece de músicos consagrados, como é o caso.
Com o trabalho, enfim, Snider provou ser versátil e mostrou habilidades até então desconhecidas do universo fonográfico. Este é For the Love of Metal: um disco para admirar e não para julgar.
*Crítica originalmente postada no Allmanaque.