Daniel Johns - FutureNever

NOTA DO CRÍTICO
Nota do Público 2 (1 Votos)

Nas primeiras semanas de seus 43 anos, o australiano Daniel Johns anuncia seu retorno ao mercado fonográfico. Sete anos após o lançamento dos produtos o disco Talk e o álbum Aerial Love, o segundo disco de estúdio em carreira solo de Johns chega ao mercado. FutureNever sucede o podcast Who Is Daniel Johns.


Um baile de cores surge no céu. Como a aurora boreal, tons de roxo, verde e amarelo criam uma sinfonia hipnotizante em pleno céu estrelado. De súbito, a amaciada valsa cria picos que evidenciam uma dramaticidade gélida que rompe o dulçor ameno anteriormente instaurado. É o momento em que as notas sequenciais, lineares e doces do teclado são acompanhadas por outras mais graves e cuidadosamente posicionadas de maneira a promover um impacto marcante sobre tal ambiente. Amplificando o teor dramático, uma voz de timbre grave e rouco tal como o de Caleb Followill invade o cenário de maneira quase visceral, como se o ouvinte pudesse captar todo o sentimentalismo exortado por cada sonar de suas pronúncias emotivas. É Daniel Johns imprimindo sutis toques de R&B sobre um diálogo sobre o amor e a forma como sua pureza pode se mostrar intimidadora para aqueles que não se permitem o sentir. Reclaim Your Heart é uma música que clama pela quebra da rigidez e da frieza ao mesmo tempo que preza pelo retorno do afeto, do respeito e, principalmente, da sensibilidade e do senso de comunidade.  


Do indie R&B, a melodia passa a ser emaranhada por sonoridades eletrônicas nauseantes e embriagantes. Sob o comando da dupla Casey e Beau Golden, Mansios se mostra uma canção pop de teor amplamente melancólico. É nesse ambiente que, por meio de falsetes bem executados, Johns dialoga sobre a depressão movida por um estranho senso de solidão. Contudo, Mansions traz consigo uma mensagem demasiadamente motivacional, pois funciona como se fosse a vida dialogando com a pessoa em processo de desistir da própria. É uma canção que fala de esperança, persistência e de lutar pela vida como ela é, sem fugir dos problemas reais com medicamentos morfinescos irreais. “Don’t stop dreaming, can’t stop crying”, desabafa o eu-lírico em uma perfeita descrição da antítese do sofrimento e da expectativa por novos e agradáveis momentos. 


A melancolia inebriante segue a mesma trilha de Mansions. Cortante como as mensagens líricas das canções assinadas por Lana Del Rey, a presente canção se inicia minimalista, mas com um tom sofredor iminente e evidente. Surpreendentemente, mas não positivamente, aqui Johns se pronuncia com um vocal de timbre nasal bem concentrado, o que tira parte da homogeneidade melódica. Macia, mas não reconfortante, Where Do We Go? é embalada pelas notas doces e angelicais da harpa de Jake Meadows e por uma bateria que, no comando de Dave Jenkins Jr., é propositalmente espaçada para dar asas à um sentimento de torpor incandescente que é brutalmente rompido com a entrada de um refrão áspero regido pela acidez do baixo elétrico. Where Do We Go? é uma canção que busca respostas a respeito de qual o caminho que a humanidade está buscando a partir de seus atos perpetrados. A faixa é como o verbete ‘aqui se faz, aqui se paga’, pois fala das consequências das ações humanas de maneira a desejar um choque para que a humanidade pudesse começar do zero.


Regido pelo sintetizador, o pop domina por completo a melodia em formação. Johns se pronuncia com uma voz sussurrada que beira o sensual enquanto a sonoridade vai caminhando por ondulações graves e agudas que são separadas por uma espécie de grito súbito, um grito de extravaso de fim repentino. Ao lado da dupla de DJs Peking Duk, o australiano divaga, em Cocaine Killa, sobre a falta de sensibilidade, emoção e vivacidade. Por outro lado, a faixa também pode também estar retratando um claro caso de relacionamento platônico em que há a entrega de apenas um lado do relacionamento.


O som de gaita escocesa soa quase como um aviso, um alerta de algo iminente e até mesmo perigoso. Em voz ecoante cujo tom faz como se o eu-lírico assumisse a função de uma espécie de guru se ouve: “this feels like a war that had to come”. Tal primeiro verso dá a partida para um lirismo rebelde que guarda instintos de imposição e enfrentamento perante o sistema. É nesse momento que, com auxílio do What So Not, Stand’Em Up flui para uma melodia que flerta com a roupagem britpop e, mais precisamente ainda, com a sonoridade adotada por Liam Gallagher em suas canções no disco C’mon You Know. Recuperando, ainda, a estridência típica da música dos anos 70, a presente faixa funciona como um estímulo para deixar extravasar todos os descontentamentos acumulados tal como o próprio eu-lírico diz: “stand up against it all”.


De levada macia e swingada, com leve flerte para o reggae e de evidente base no soft rock, a música vai desenhando curvas de uma sensualidade ainda adormecida. Com guitarra melódica e um baixo encorpado e bem marcado, a canção é provocante e até mesmo excitante mesmo que executada sob uma roupagem mais amena. É verdade que, além dos gêneros citados, I Feel Electric também emana aromas R&B, mas de maneira não tão evidente como em Reclaim Your Heart. Cheia de sensualidade, a canção ainda conta com a participação de um vocal agudo e levemente rouco. É Moxie Raia imprimindo um canto repleto de melismas e que amplifica a noção sensual presente na canção, um produto cujo enredo retrata a necessidade do extravasar a energia acumulada.


O violão surge doce e macio, mas formando uma melodia de energia puramente melancólica. É como estar de mãos dadas ou o sentir a troca de olhares de recíproco acalento em um jardim em que o pólen das flores forma uma onda colorida a cada sopro de vento. Não por menos, Johns se posiciona de maneira respeitosa, sensitiva e até mesmo introspectiva ao introduzir, nessa melodia branda, um lirismo cuja superfície parece abordar o bullyng ou o simples ato de ser julgado por terceiros. Com influências melódicas nítidas de Hey Jude, single dos Beatles, Emergency Calls Only parece também retratar a luta travada por Johns para manter a saúde mental em dia além de dialogar com a eterna retratação de ‘ex-Silverchair’. Porém, é impossível não considerar a presente faixa como a mais grandiosa de FutureNever, pois ela contém o instrumental mais completo e de uma sensorialidade que ultrapassa os limites da consciência. É doce como uma valsa ao estilo Disney a partir do classicismo regido por Van Dyke Parks, mas consegue ser dramática e se deleitar em um romance passageiro que recobra a consciência melancólica e se encerra em um grito que mistura desespero e desabafo na forma de um solo de guitarra acompanhado pelo mellotron e um tímido groove da bateria de Lawrence Pike.


Vozes de crianças são ouvidas junto de um som sinistro e levemente ácido produzido pelo würlitzer. De súbito, o ambiente se torna dramático no sentido mais estrito da palavra com a inserção das notas agudas e quase graves do piano. É como se a música estivesse preparando o ouvinte para o diálogo de algo sério. É como uma mãe segurando a mão do filho e olhando fixamente nos olhos para passar veracidade ao dar uma notícia impactante. Eis que uma voz aguda entra em cena. É Purplegirl trazendo um enredo de cunho fortemente lamentoso e soa como se fosse um déjà-vu dos pensamentos de um Daniel Johns de 16 anos. Não por acaso, FreakNever traz uma veracidade autobiográfica tão latente quanto Emergency Calls Only. Aqui, portanto, a mensagem é direta. Fala dos desejos de viver uma vida normal ao mesmo tempo que dialoga com os efeitos maléficos da fama. Durante o enredo lírico, FreakNever evidencia uma realidade que é como se a vida não tivesse respeitado os desejos mais internos de um adolescente Johns antes do estrelato. Não por acaso, a canção é repleta de versos penetrantes como “the world stole a baby”, os sequenciais “he didn’t want to be different” e “but fame’s a disease”, além do distante “body and soul, the boy’s a freak, the boy’s a freak”. FreakNever é definitivamente o acesso aos sentimentos mais profundos e cavernosos que escondem verdadeiros confrontos emocionais vivenciados pelo vocalista. Assim como Emergency Calls Only, esta é mais uma importante faixa de FutureNever.


Sons eletrônicos embriagantes e ondulantes são construídos a partir do sintetizador e ouvidos de maneira sequencial. Um falsete bem executado e com forte influência de Justin Timberlake surge no protagonismo dos elementos sonoros já inserindo uma fusão entre as estéticas pop e electro de maneira contagiante graças ao auxílio do This Week In The Universe. D4NGRB0Y forma, ao lado de Emergency Calls Only e FreakNever, uma trilogia biográfica sobre aspectos da personalidade conflitante de Daniel Paul Johns. Aqui, por exemplo, diferente de FreakNever, o cantor parece estar no processo de perdoar a fama e tentar criar uma relação harmônica com a mesma tal como diz na estrofe: “I'm excited to make amends. I feel we could still be friends, just let me in or let me go”. Não à toa que a canção é construída de maneira a ir evidenciando a construção de uma mentalidade mais consciente e preparada para viver a experiência que o ato de ser famoso pode proporcionar. Eis que vem a confirmação de existir um Johns pronto para tal realidade: “make way for this guitar baby. Get ready!”.


Notas doces e aveludadas surgem do fender rhodes. A cada conjunto de notas, uma pausa dramática. Uma voz rouca e sussurrada surge assumindo o protagonismo melódico de maneira intimista. Violinos se unem ao piano criando uma dramaticidade embebida em um mel de melancolia reflexiva a partir de um lirismo divagante sobre amor, sobre a necessidade de um profundo descanso necessário após exaustivas e egomaníacas guerras. When We Take Over é, assim como Reclaim Your Heart, uma faixa que traz o sentimento do amor como arma de salvação para o egocentrismo e o personalismo que tanto regem os conflitos bélicos ao redor do mundo, mas também dominam grande parte da cultura comportamental da sociedade contemporânea.


Sem introdução definida, a canção começa de supetão já em um uníssono homogêneo cujo vocal se apresenta com timbre digitalizado acompanhado de um blues lacrimejante e dramático. É curioso, mas de alguma forma, partes da sonoridade proporcionam uma semelhança com a estética rítmica de American Boy, single de Estelle. Tensa e de toques sombrios, Someone Call An Ambulance é uma canção que traz a honestidade como um crime, algo passível de punição. Uma canção que mostra a vontade da população em buscar um ambiente ensolarado que não seja dominado por enganações ou interesses pessoais. É uma ode à liberdade.


O céu está escuro. O vento forte forma sons uivantes que ecoam pelo ambiente inóspito. Uma calmaria estranhamente apaziguante vem como um lobo de olhares cínicos preparando o abate daqueles ingênuos e inseguros. Contudo, ao passo que o céu se purifica, a luz da Lua invade a escuridão e banha o solo de maneira a evidenciar e expulsar o perigo. As estrelas passam a brilhar descontroladamente oferecendo um quadro crepuscular de pura e angelical beleza. Those Thieving Birds, Pt. 3 é uma canção que abusa na experiência extrassensorial enquanto caminha por uma abordagem que supõe que, assim como a mentira, a verdade também assuma diversas facetas. É uma canção que segue o caminho de Someone Call An Ambulance justamente no quesito da honestidade e, ao mesmo tempo, evidencia o cansaço perante ao excesso de fake news criadas durante a pandemia.


Visceral e autobiográfico. FutureNever é um disco que mistura esperança e beleza com o soturno, o sofrido e o deprimente. É um produto que evidencia os conflitos internos e os desejos de um alguém que muito jovem foi estimulado a assumir uma maturidade precoce. É um trabalho de amor e ódio.


Não é fácil abrir as portas dos quartos mais profundos do inconsciente, muito mais mostrar ao mundo o que está guardado dentro deles. É preciso coragem, maturidade e, o mais importante, consciência. Foi isso o que FutureNever mostrou de Daniel Johns: um homem que, como qualquer outro, possui suas questões, mas está disposto a evidenciá-las a quem quiser conhece-lo de maneira mais profunda.


No decorrer das 12 faixas do álbum, o ouvinte se deleita sobre o amor, sobre os efeitos da fama, sobre as dores do passado. Mas também encara desejos positivistas e diversas mensagens atuais que beiram os conflitos bélicos em vigor e até mesmo recortes de uma cultura propagada durante a pandemia do Coronavírus.


E para dar roupagem a assuntos tão díspares, mas deixa-los unidos de maneira homogênea e melódica, Johns se uniu a um time de produtores que abrange nomes como B. Golden, Jenkins Jr., Sam La More, MXXWLL, Louis Schoorl, What So Not, This Week In The Universe e SLUMBERJACK. Por meio dessa equipe, FutureNever conseguiu alcançar certo grau de linearidade e elo entre os temas líricos de maneira a unir dança e entretenimento, com reflexão e dramaticidade.


Nada estaria feito, porém, sem os dotes de Mitch Kenny, More, Sean Carey e Steve Scanlon. A partir da mixagem feita pelos profissionais, o ouvinte consegue identificar o pop, o R&B, o electro, o indie e até mesmo o britpop de maneira clara e cuja equalização proporciona a degustação dos mais variados sons, inclusive de instrumentos como a harpa e o tímpano.


Lançado em 22 de abril de 2022 via Reclaim Your Art, FutureNever é um disco que mistura entretenimento, tensão, reflexão e drama. Um trabalho de pitadas autobiográficas que fazem com que o amor e o ódio dialoguem tête-à-tête. Um trabalho que simboliza libertação.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.