NOTA DO CRÍTICO
Depois seis anos sem lançar material inédito, o Bloc Party enfim retoma suas atividades midiáticas e fonográficas ao anunciar o sucessor de Hymns, disco lançado em 2016. Intitulado Alpha Games, o quinto álbum de estúdio quebra o jejum de novidades musicais do quarteto inglês.
Repiques na caixa soam como marchinha a partir da desenvoltura inicial de Louise Bartle. Sem melodramas ou enrolação, a canção já surge madura e sem uma introdução definida. É como se ela despertasse no meio do dia, já com fôlego e contando uma história que merece atenção. Sob solo indie rock e com um guia de sotaque tradicionalmente britânico vindo do timbre agudo de traços graves de Kele Okereke, o qual traz semelhanças com o tom de cantores como Brandom Flowers e Damon Albarn, Day Drinker traz uma narrativa que recobra os tempos das obras de arte ultrarromânticas e dos momentos de lapsos criativos das personalidades que moldaram tal escola. Afinal, o personagem central é trazido em devaneios oferecidos pelo excesso de álcool ocasionado logo durante o dia. Ao mesmo tempo, Day Drinker é uma canção que serve como uma denúncia ao ritmo acelerado das produções musicais. As horas extensas de trabalho para conseguir criar composições que gravadoras julgam de qualidade, ensaios, gravações, imprensa. Nem sempre o estrelato é sinônimo de uma vida agradável. É como indicam os versos “but what's the point of art if we work and popping clige”, “can't believe I'm stressed, can't believe I'm pressed” e “can't believe I'm vexed, in the liquor isle”. Tudo isso com equalizadas doses de melancolia e dramaticidade.
Diferente da canção anterior, em que a secura da bateria serviu como único sonar introdutório, a presente canção começa crescente e enérgica, com mais elementos e com uma alegria em processo de ebulição. Muito disso é alcançado graças ao uníssono das guitarras de Okereke e Russell Lissack, que, mesmo acompanhado dos repiques acelerados da bateria na transição para a segunda metade da introdução, insere uma vivacidade extasiante e contagiante. Fluindo para uma linearidade grave apoiada em um groove do baixo de Justin Harris que, de tão intenso beira o gutural, Traps tem uma base pop soturna que remete à ambiência melódica do grunge em alguns aspectos. Trazendo versos em tom de sarcasmo e ironia, a canção fala de sedução, de conquista e até mesmo de obstinação.
Melodiosa e sutilmente estridente, a canção tem seu despertar com uma linearidade guiada por guitarras uníssonas em afinações agudas acompanhadas de uma bateria de levada amena e homogeneamente contagiante. Com linhas melódicas que curiosamente se associam com a sonoridade de bandas como Paramore e Green Day, You Should Know The Truth de fato traz uma roupagem que flerta com o pop punk de maneira bastante singela. Com refrão hipnótico por conta de seus versos repetitivos, a canção trata, como o próprio nome sugere, de sinceridade ao mesmo tempo em que questiona a enganação e a indução por interesse, o que, no caso do enredo, diz respeito à obscenidade.
Sutilmente acelerada em um groove que inspira uma roupagem rappeada. Nela, o sintetizador tem seu momento de protagonismo ao proporcionar um som áspero e levemente estridente. A conjuntura dos elementos apresentados acaba por soa como uma new wave sombria e tensa que, curiosamente, traz associações com a sonoridade de bandas como Linkin Park e t.A.T.u.. Callum Is A Snake é uma canção que, enquanto oferece um lirismo que destrincha a personalidade do personagem central do enredo, uma pessoa de comportamento excessivamente cínico, é surpreendentemente agraciada com um refrão cuja roupagem traz flertes de um pop punk ao estilo Blink-182.
É o baixo que tem, com seu groove grave e pontual, o protagonismo melódico durante a introdução. Acompanhado da bateria, ele inspira tensão e uma estranha sensação que mistura ansiedade, medo e expectativa. Não por acaso, a base rítmica da canção é emaranhada por esse misto de emoções que mais culminam em um suspense desconfortável do que em algo que se justifique no sequenciar da sonoridade. Tal ambiência casa com o lirismo que abraça Rough Justice, uma música que fala do estilo de vida das gangues, da ostentação e da própria justiça insensível que rege suas políticas internas.
O sintetizador surge solitário e de forma crescente. Logo, ele é acompanhado por um baixo que assume a mesma crescente sonora que forma um uníssono progressivo. Eis que Okereke é seguido por um coro vocálico formado pelos backing vocals de Bartle e Harris que amplificam uma estranha estrutura de swing presente na melodia em construção. De ritmo contagiante e estrutura chiclete, The Girls Are Fighting narra apenas um dia de trabalho em uma casa noturna no qual houve uma briga intensa entre mulheres, com direito a sangue espalhado na pista de dança e nos balcões.
É como a luz do Sol surgindo por entre as nuvens em uma tarde de outono. Seu amornar é reconfortante e sua iluminação oferece uma dose extra de vivacidade, uma vivacidade que estimula o seguir e o prosseguir. O manter as memórias em um lugar de respeito e usá-las como motivação, afinal, a sonoridade inicial aspira uma nostalgia que mistura lamentação e perseverança. Não é difícil, inclusive, mergulhar nas linhas melancólicas que também são oferecidas em Of Things Yet To Come, um sentimento que se mistura com a nostalgia e forma um enredo sonoro melodramático que serve de roupagem para um lirismo que de fato dialoga com as lembranças de um alguém que um dia teve importante participação na vida de algumas pessoas. Of Things Yet To Come é uma canção sobre motivação, sobre o conviver com a memória e sobre transformar tal memória em motivação mesmo que essa motivação seja guiada por uma falsa vontade do esquecer.
Sons lineares vindos do sintetizador trazem um tom de suspense crescente. Acompanhados por um lirismo repetitivo como eco, tal sonoridade segue sendo o guia melódico durante a introdução de um ritmo que mistura indie, new wave e rock de maneira a soar crescente e com um amanhecer de contágio evidente. Apesar do título, Sex Magik é a descrição de um alguém no processo do autoconhecimento que é regido pelo diálogo com a mãe natureza e seus quatro elementos: terra, ar, fogo e água. Afinal, é a partir deles que se descobre os níveis de sensibilidade, intensidade, reflexão e vulnerabilidade do indivíduo.
A guitarra surge com riffs ecoantes acompanhados por um beat de caráter eletrônico. Com linearidade rítmica, Okereke vai trazendo, com o lirismo, o movimento da canção que se sobressai perante a linearidade melódica. Evoluindo para a ebulição, no refrão, de um típico indie rock cuja estrutura remete a sonoridade de nomes como The Killers, The Black Keys e Måneskin, By Any Means Necessary é uma canção que retrata a obstinação pelo sucesso, pela riqueza. Ou, por outro lado, é uma canção que narra um comportamento social que se baseia na realização de qualquer coisa para se atingir o objetivo desejado e, depois, começar o dia como se nada tivesse acontecido. É o perfeito retrato da impulsividade.
O sintetizador vem como um alarme, um despertador constante. Eis que a bateria surge tímida, mas com golpes precisos se juntando a tal sonoridade introdutória. Logo, a estrutura é preenchida pelas linhas vocais que começam a desenhar o enredo lírico. Implodindo em uma energia melancólica e embriagante, In Situ é uma canção cuja letra pode estar retratando tanto o conceito transgeracional e de evolução quanto do se sentir solitário e isolado no próprio mundo. Ao mesmo tempo, é uma canção que instiga tal mudança de comportamento, o engate para sair da depreciação.
A sobreposição de guitarras cria um efeito interessante e de sonoridade crescente. Trazendo uma roupagem de rock alternativo que regida por um vocal sussurrada que denota uma sutil sensualidade, If We Get Caught vem com uma sonorização que a ambienta na década de 70, mas não a insere na estrutura de new wave. É interessante notar que, no refrão, existe a criação de cacofonia a partir da repetição da palavra ‘caught’, mas tal detalhe não se sobressai demasiadamente perante a base melancólica. Em se tratando puramente do lirismo, If We Get Caught é quase como a descrição de uma perseguição policial, mas com um fundo que indica a vontade de crescer, de sair do ninho, de querer sempre mais e não se contentar com elementos simplistas e conservadores.
Ecoante e melancólica, a introdução é como a construção de um ambiente de solo úmido, paredes rochosas e de pouca iluminação. A tristeza está impregnada em cada curva e os olhos de quem tenta percorrer tal ambiente estão sempre baixos, tímidos e ressentidos. De passos lentos, as pessoas ali presentes parecem não querer sair de tal cenário ou, simplesmente, não encontram forças suficientes para a ação. The Peace Offering é, sem dúvida, a canção de cunho analítico-social de Alpha Games, pois oferece a narrativa de um eu-lírico imponente e insatisfeito com as normas que regem a sociedade, com a possibilidade do contentamento de ser apenas mais um entre milhares de indivíduos. Sem a própria identidade. Sem essência. Sem brilho.
Linearidade é a palavra que define Alpha Games. Todas as suas músicas começam sob uma mesma estrutura crescente que desemboca em uma linearidade latente. Nesse ínterim, o trabalho perpassa pela melancolia e a nostalgia de maneira tão sutil que é difícil perceber a sutil divisória entre os dois ambientes.
Interessante notar que, nas 12 faixas, o quarteto inglês foi capaz de compor lirismos que, raramente, se repetiam, com exceção, claro, do refrão. Ainda assim, se percebe a efetivação de versos chicletes, cacofonos e contagiantes de maneira a entreter o ouvinte e convidá-los a mergulhar nos cenários melódicos.
E neles, o ouvinte percebe que, além do indie rock, o Bloc Party transita também entre a new wave, o pop, o pop punk e o rock alternativo na tentativa de oferecer roupagens diferenciadas para cada enredo presente em Alpha Games. É nesse campo que entra o exercício de Adam ‘Atom’ Greenspan e Nick Launay.
Esses profissionais da engenharia de mixagem conseguiram construir sons estridentes, soturnos, alegres e de perfeita equalização, o que permitiu a efetivação de uma trilha sonora encaixada com cada detalhe de sentimento presente nas canções. E como produtores, Greenspan e Launay souberam como sintetizar as ideias líricas e guiar o senso criativo do Bloc Party de maneira a oferecer um trabalho digno. Afinal, sob tais supervisões não dá para perceber que Alpha Games é o primeiro álbum de inéditas do quarteto inglês em seis anos.
Lançado em 29 de abril de 2022 via Infectious Music, Alpha Games é um disco de lirismos penetrantes e melodias cativantes. Entre a alegria e a tristeza, o Bloc Party consegue construir mundos completamente individualizados em suas próprias essências emocionais e melódicas.