NOTA DO CRÍTICO
Ele não acabou, afinal, continuou lançando materias com canções de inéditas. Apesar disso, passados 12 anos desde que Neighborhoods foi divulgado, o Blink-182 decidiu reatar sua formação clássica e encerrar a parceria com Matt Skiba. Dessa forma, a partir da necessidade de reencontro, nasceu One More Time…, o décimo álbum de estúdio do trio californiano.
Entre rompantes trovejantes, uma valsa melódica transborda o ambiente com uma claridade solar de caráter puramente nostálgico a partir das notas do teclado de Kevin Bivona. Por meio de caminhares rápidos e consistente desenvoltura, Travis Barker serve como a peça que leva o ouvinte à entrada do saguão de formatura. Afinal, dentro desse ambiente existe chuva de confete, palmas e uma energia revigorante de uma felicidade jovial quase indescritível. Para dar vazão ao êxtase dessa nova passagem de vida que se inicia, uma boa mistura de hardcore, a partir da cadência rítmica, e o pop punk, a partir da guitarra de Tom DeLongue, se faz necessária e presente. Não demora muito para que o ouvinte retorne aos idos do início dos anos 2000 ao ouvir aquele icônico timbre amaciadamente californiano. Por mais que demonstre efeitos da idade, uma vez o trio não mais possui seus 20 anos, o timbre ainda carrega traços daquela característica nasal que tanto moldou os enredos da banda. Entre o punch, a maciez, o contágio e a melodia, Anthem Part. 3 é uma descrição da mudança de etapa em uma vida. Ao mesmo tempo que traz os percalços que dela podem surgir, como momentos de desânimo, medo e insegurança, a faixa vem com o papel de incentivo à perseverança, à insistência, à autoconfiança e, principalmente, à coragem para enfrentar os novos desafios. Não à toa que o refrão, cantado como um dueto entre DeLongue e Mark Hoppus com seu contrabalanço grave, e a frase final “I won’t fail!”, dita em tom de imponência e resistência, transmitem todo o desejo de transformação para uma melhor condição de vida.
A partir de uma fala infame de DeLongue, uma melodia de caráter macio, contagiante e nostálgico se instaura entre guitarra e bateria. Fluindo para um verso com evidente protagonismo da estridência bojuda do baixo, não demora muito para que Dance With Me, a partir do refrão, se transforme em uma balada pop punk feliz em seu caráter chiclete de evidente e atmosférico frescor saudosista. Firmando a típica parceria entre os vocais de DeLonge e Hoppus, Dance With Me se mostra uma canção jovial, adolescente e de cunho romântico, mas que, nas entrelinhas, convida o ouvinte a romper paradigmas e a assumir seus desejos. A faixa, portanto, é o clima de uma verdadeira festa em que os corpos se encontram em uma dança sem limite de encerramento.
O sonar aveludado surge como uma boa e reconfortante receptividade. Essa maciez dá passagem a uma batida que se apresenta familiar ao ouvinte, que logo se mantém atento para identificar sua origem. Ao toque de sua primeira repetição, fica claro em se tratar de um sample de Close To Me, Single do The Cure, servindo como base rítmica para o novo ambiente que se constrói. Guiado pelo timbre grave e levemente nasal de Hoppus, esse cenário vem acompanhado de ligeiras sensações de nostalgia e melancolia de agradável comoção. Com um refrão cativante em cuja harmonia é dominada agora pelo canto de DeLongue, Fell In Love acaba se maturando como uma canção, de fato, nostálgica e, até mesmo, dolorida por trazer recordações não mais existentes. É o retrato da memória dos dias de paixão, do primeiro encontro, do primeiro toque, do primeiro beijo. Do eu te amo. Depois de um período repleto de confidências e troca de carícias, é um desafio se entreolhar e enxergar que, dos olhos, é refletida a imagem daquela que agora é apenas uma amiga. E é justamente nessa troca de posições que se baseia o enredo de Fell In Love, uma canção macia e reconfortante, mas com generosos toques de arrependimento misturados com saudade que, ainda, é capaz de trazer à mente do ouvinte a melodia de Mr. Brightside, single do The Killers, durante o terceiro verso.
A guitarra surge ácida e elétrica, como rajadas trovejantes cortando a monotonia noturna. Quando o instrumental se apresenta em uníssono, é como se o caos tivesse se tornado uma marola circular e nauseante, que flui para uma calmaria melancólica durante o primeiro verso. Acompanhado por uma base repicada e abraçada por um baixo intimista, mas grave, DeLongue entra com uma interpretação soturna e reflexiva, enquanto lapsos de uma consciência esperançosa sobrevoam pelo veludo sonar do sintetizador. Bem dividida entre os cantores, Terrified apresenta um personagem imerso em sua tristeza lancinante que, aparentemente, surge a partir do momento em que atinge a maturidade. Tal como Anthem Part. 3, portanto, a faixa representa os medos e inseguranças, porém, aqui, especialmente, o personagem se apoia em um meio para manter o senso de inocência e imaturidade como uma forma de desejar que o mundo não seja tão complicado e mantenha a aura leve de uma criança.
A guitarra surge em um sonar acústico que incita a melancolia e desenha um cenário cinza. Reflexiva, cabisbaixa e levemente chorosa, a melodia desenhada pelo instrumento surge como uma grande nostalgia, de maneira a criar um cenário em que o personagem se encontra observando todo o passado através de uma tela transcendental. Dramática a partir das notas lacrimais do piano, a faixa-título se evidencia como uma emotiva, tocante e sensitiva retrospectiva da carreira do Blink-182 e das percepções de seus integrantes em relação à vida que levaram depois do boom do trio. Trazendo o acidente aéreo de Barker e a contração do câncer por Hoppus como eventos que fizeram perceber que os integrantes sentem falta um do outro, a faixa faz pensar o motivo de as desgraças serem motivadoras da queda do orgulho e da assumição dos sentimentos de saudade. E é exatamente isso o que o verso pós-rerfrão, cantado a trés vozes tanto por DeLonge e Hoppus, como também por Barker, verbaliza, deixando o cenário em um completo estado emocional que mistura os sentimentos de saudade, felicidade e culpa. A faixa-título, portanto, surge como um sincero pedido de desculpas dos três e para os três integrantes pela ausência. Sem dúvida, a canção mais significativa de One More Time….
De início tão dramático quanto aquele estado choroso impregnado na faixa-título, More Than You Know já surge lacrimal graças às graves notas do piano. No entanto, após rugidos da distorção da guitarra, a bateria surge em uma frase rápida e quebrada que leva o ouvinte a um ambiente completamente diferente. Acelerada, explosiva e precisa, mas ainda mantendo a veia dramática, More Than You Know se matura com um ritmo sincopado, de lirismo introduzido por Hoppus e com refrões de DeLongue, enquanto traz outro enredo com base em relacionamento. No entanto, aqui a banda explora a confissão de um homem que admite ter usado a outra metade e não ter fornecido reciprocidade em suas ações e sentimentos. Porém, a culpa é o que o consome. E é essa sensação que paralisa e atormenta o protagonista de More Than You Know.
Rápida, pulsante e elétrica, mas não tão precisa quanto a abertura de Anthem Part. 3. Na forma de um pop punk com base hardcore, Turn This Off! é como um interlúdio. Com grande participação de Hoppus nos vocais, a faixa é um hilariante retrato de um encontro que deu errado. Um desastroso jantar que terminou com pensamentos do que poderia ter acontecido se ambos tivessem dormido juntos.
Contagiante e fresca como um sol poente acompanhado da brisa de um entardecer praiano. A paisagem californiana preenche o ambiente, enquanto um clima nostálgico superior àquele de Anthem Part. 3 e Dance With Me surge abraçando o ouvinte graças à melodia estipulada pela sobreposição de guitarras e, também, pela levada construída por Barker. Fluindo para um refrão dramático e sensitivo, When We Were Young, como o próprio nome chega a sugerir, é uma reflexão à transformação da essência do indivíduo com o passar do tempo. Um mergulho na mente do jovem, antes embebido em liberdade incondicional, agora se percebe mais velho, com mais responsabilidades, mas sem aquela liberdade e aquele brilho vivaz. When We Were Young é um simples questionamento do porquê perdemos o senso de desprendimento enquanto ficamos mais velhos.
Uma levada midtempo estruturada pela bateria sugere que o ouvinte ouça, em seguida, a voz de DeLongue em versos sutilmente rappeados. De estrutura que dá o protagonismo à bateria e sua cadência rítmica trotante, Edging possui um refrão contagiante, alegre e chiclete que consegue evidenciar, de uma forma mais nítida, o efeito do tempo sobre o timbre do guitarrista. Dividida igualmente entre guitarrista e baixista, a faixa serve para relembrar a sincronia existente entre os músicos, uma vez que foi o primeiro single divulgado de One More Time….De lirismo divertido sobre a índole punk que envolve a intensidade e o senso de anarquismo, Edging é o puro retrato da farra sem limites e do desejo de curtir o momento sem travas legais ou morais.
É curioso e dramático, mas também despropositadamente nostálgico. O despertar do novo horizonte possui uma estrutura que muito lembra o início emblemático de Adam’s Song que, aqui., graças às notas gélidas do piano, possui uma atmosfera melancólica, cabisbaixa e intimista. Soturna e de um refrão lancinantemente visceral cantado por DeLongue, You Don’t Know What You’ve Got é mais sombria que Terrified por apresentar um personagem consciente de sua tristeza e de sua falta de brilho. É o relato de um indivíduo que, preso na zona de conforto da depressão, se vê inclinado a preferir o além-vida ao invés da vida terrena. Porém, You Don’t Know What You’ve Got, com sua paisagem cinza e chuvosa, acaba trazendo frestas de luz em meio ao monocromático escurecido, pois instiga o ouvinte a prestar atenção em sua vida, no que se tem, para não ter um súbito de culpa e arrependimento em um momento que não permite retorno. É a necessidade da aquisição da gratidão como gatilho para sair do caos canibalesco da tristeza.
Ao lado da bateria está um som sintético sequencial e linear. O sintetizador aqui presente carrega o ouvinte de volta aos tempos da new wave, de forma a rememorar a estética sonora de nomes como Joy Division, The Cure e até mesmo The Smiths. Graças à voz de Hoppus, com seu grave acompanhado de ligeiras raspas ácidas, aquela melancolia entorpecente ganha lapsos de consciência. Blink Wave vem com um duplo sentido, hora parecendo em se tratar de um romance que não deu certo, hora romantizando a relação do personagem com seu inconsciente nebuloso e agressivamente melancólico. Ou, ainda, trazendo uma igualmente romântica, mas também dependente, relação do protagonista para com drogas de caráter entorpecente.
O dueto entre baixo e Hoppus torna o ambiente melancólico, mas curiosamente contagiante durante a introdução. Eis que uma melodia acelerada, mas de caráter amaciadamente melancólico-nostálgico se matura no horizonte. Com uma postura decidida e imponente, Hoppus transforma a canção em mais uma expoente com base do típico hardcore. Rápida, mas a mesmo tempo melódica, Bad News explode em um refrão enérgico e chiclete enquanto apresenta um lirismo de caráter juvenil que pode representar tanto um romance platônico por outro alguém, quanto a saudade de um tempo irrecuperável.
O piano surge em notas agudas pausadamente crescentes, de maneira a parecer representar um sinal de alerta. De harmonia tocante e melodia melancólica, Hurt vem como um segundo interlúdio, uma pausa dramática que sonoriza a imagem de um olhar repleto de lágrimas represadas ao trazer, em seu reflexo, a imagem daquele responsável por ferir seus sentimentos e deixar seu coração adoecido.
Apesar de sua introdução ser leve e contagiantemente lúdico-infantil a ponto de lembrar o ritmo de Lavar As Mãos, canção de Arnaldo Antunes, após ligeiros versos entoados por Hoppus, DeLongue entra com uma interpretação ríspida que leva a canção a um ambiente intenso, dramático e visceral, em grande parte por conta do sonar gélido morbidamente valsante do sintetizador. Turpentine segue os mesmos passos de canções como Bad News e When We Were Young por apresentar personagem sofrendo de ansiedade por estar vivendo um período mecânico e se sentindo aprisionado por um modelo de vida trabalhista sem futuro e que tira todo o brilho da liberdade. Não à toa que versos como “we’re all just lambs to the slaughter” e “a generation lost and forgotten” definem bem o estado de desolamento e inquietação do protagonista.
Ácida, rápida e agressiva, Fuck Face vem sob uma veia semelhante àquela do Green Day ou mesmo do The Offspring em início de carreira. Insano, penetrante, lancinante e perigoso. É assim que o terceiro interlúdio de One More Time… se apresenta ao ouvinte: com um hardcore sujo e asqueroso que tem o intuito de, até mesmo a partir do enredo lírico, calar todas as vozes que tentam reprimir e ridicularizar o sonho dos mais jovens.
Doce, nostálgica e fresca como a brisa flutuante e floral vinda de uma maré calma e banhada por um céu de entardecer de verão. Depois de uma melodia amaciada e reconfortante durante a introdução, o primeiro verso é dominado pela dupla bateria-baixo com uma levada linear e um groove grave e levemente estridente. Como mais uma canção de protagonismo de Hoppus nos vocais, Other Side é adoravelmente contagiante a ponto de, tanto a sua melodia, quanto a cadência vocal durante o refrão, ficarem marcados na mente do ouvinte. Com um clima de festa e, portanto, celebração, Other Side é uma espécie de tributo, uma homenagem a Robert 'Noise' Ortiz, técnico de baixo de Hoppus, que faleceu ano passado. A partir disso, versos como “they took you away on a tuesday”, “10:15 on a Saturday night, it'll never be the same, stage right” e “I'll see you again on the other side” ficam generosamente mais tocantes. Não há dúvidas de que, assim como a faixa-título, Other Side é uma obra extremamente delicada e emotiva, se tornando outro grande trunfo de One More Time….
Ácido e hipnótico, o sonar do sintetizador vem com um sabor adocicadamente sintético, enquanto Hoppus entra apenas na companhia de uma bateria de levada ecoante. De paisagem melancólico-nostálgica, a canção é como estar debaixo de um céu cinza liberando uma fina garoa que reflete, ao longe, as últimas linhas de Sol resistindo à densidade da nuvem. Childhood vem como uma canção de lirismo nostálgico pelo início da vida do Blink-182, de maneira a tangenciar com a temática lírica da faixa-título, mas sem a grossa camada de dramaticidade. Tal como Turpentine, When We Were Young e Bad News, Childhood é carregada da saudade de um tempo em que era possível ser livre para sonhar. Fora de sua camada mais superficial, a faixa critica a cultura da imitação para se sentir igual ou superior em uma sociedade que julga todo aquele que é diferente do padrão. Por isso, é que o trio explode em sentimentalismo ao assumir sentir falta de um tempo em que a pessoa poderia ser ela mesma. A falta da pureza e despreocupação da época de criança, então, norteiam essa saudade de um momento de leveza. “We just need some time away! Take me back to yesterday!”, deseja Hoppus em um tom de desolamento.
É o sanar da saudade. O re-experienciar de um tempo em que nada era complicado, em que as preocupações eram fáceis de se resolver. Um tempo em que a liberdade era lei e não havia medo de assumir a própria identidade. A nostalgia, portanto, não vem apenas pelo fato de ser Blink-182 em sua formação clássica, mas, sim, pelo fato de que One More Time… se apresenta como o retorno de um recorte temporal saudoso. É como poder revisitar o ontem sem medo de julgamentos.
Doce, contagiante, melancólico, reflexivo, nostálgico. Tocante. O novo álbum do Blink-182 vem recheado de confissões, de ritmos intensos, de melodias marcantes e de uma dramaticidade felizmente contagiante. One More Time… consegue ser desde uma verdadeira festa de ensino médio a um tributo emocional por uma figura querida que, agora, se encontra no além-vida.
Nesse aspecto, é curioso perceber como o trio conseguiu criar um enredo que consiga fazer o público sorrir, rir, pular, mas também chorar, refletir e se introjetar. E apesar de os integrantes já terem passado dos 40, o álbum é repleto de assumições do sentimento de desolamento, falta de representatividade e anulação, de maneira a dar voz à nova geração de jovens que agora se encontram na transição entre adolescência e início da vida adulta.
Produzido por Barker, One More Time… tem gosto de reencontro e uma visceralidade tocante por narrar, principalmente em canções como a faixa-título, Other Side e Childhood, situações reais dentro do universo do Blink-182. E, talvez, justamente por ser integrante do trio desde 1999, Barker conseguiu capturar, de maneira íntegra, toda a emoção existente em cada vírgula dos enredos líricos e combiná-la com melodias capazes de as representar.
É aí que entram Adam Hawkins, Mark “Spike” Stent e Serban Ghenea. Os profissionais, cada um em suas faixas competentes, conseguiram encarnar aquele pop punk de sabor fresco e icônico do Blink-182 com outros mais ásperos e intensos vindos do hardcore e outros, ainda, transpirados do sintético da new wave.
Fechando o escopo técnico, vem a arte de capa. Assinada em conjunto por Eric Haze, Lake Hills, Daniel Rojas, Clemente Ruiz, Jack Bridgland e Skye Hoppus, a obra exalta simplesmente o reencontro. O retorno de um tempo de extremo saudosismo. É como se, a partir de três fotografias separadas, a obra conseguisse comunicar os entreolhares de três amigos que, apesar do longo tempo, permanecem com uma amizade profunda e rígida.
Lançado em 20 de outubro de 2023 via Viking Wizard Eyes, One More Time... é o puro saudosismo. Além da nostalgia, ele é o frescor da brisa do mar californiano, o contágio do pop punk dos anos 2000, mas, principalmente, é o reencontro de três amigos que parecem nunca terem se distanciado. Um disco festeiro que ainda consegue ser melancólico, dramático e visceral enquanto segue representando toda a emoção incapaz de ser verbalizada de um jovem a caminho da adultescência.