Wildstreet - IV

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Depois de lançar uma série de singles desde 2017, o grupo nova-iorquino Wildstreet anuncia um novo material. Intitulado IV, o produto é o sucessor de Wildstreet II… Faster… Louder! e ocupa o posto de quarto item de estúdio do quarteto, cuja origem remonta uma cidade de Nova York dos idos do ano de 2006.


O cenário é urbano. Noturno. Sombrio. Apenas a luz do luar, em meio ao clarão estridentemente esbranquiçado dos relâmpagos cortando o preto da noite são os elementos a oferecer um senso de lucidez ao ambiente. Fornecendo essa paisagem imagética ao ouvinte, a guitarra solo de Dylan Graff entra em cena com um riff denso em suas ondulações, mas entorpecido em sua essência de maneira a criar uma assimilação com a frase criada por Steve Harris na introdução de The Number Of The Beast, single do Iron Maiden. Enquanto isso, na base, Jimmie Marlowe vai desenhando um terreno ácido, mas sem fugir da veia hard rock proporcionada pelo seu companheiro de cordas. Eis então que, como um trovão que faz estremecer o chão, a bateria de Jake Wertman e o baixo de Kevin Billingslea se une em um punch preciso, imputando peso consistência à ambiência rítmico-melódica ainda em construção. Levando o espectador para um ponto explosivo e ácido de seu diálogo ainda não verbal, Heroes acaba fundindo, em sua receita, toques de um metal alternativo com pitadas de post-grunge, conforme Eric Jayk vai entrando em cena com seu timbre levemente rouco. O curioso é notar que, pelos seus requintes de oscilações metálicas, o vocalista tem um tom capaz de fazer o ouvinte rememorar a voz de Josh Todd, mas também de lembrar do canto de Ozzy Osbourne. Soando lancinante e ao mesmo tempo melodramática em virtude do falsete estruturado por Guernica Mancini no backing vocal, Heroes tem um caráter sonoro industrial que muito traz de referência a essência de Chinese Democracy, álbum de estúdio do Guns and Roses. Dessa forma, a abre-alas de IV traz um enredo caótico, embebido em brutalidade e associado aos conceitos de ressurreição. Como a censura e a aniquilação daqueles que causam desordem no intuito de promover a mudança, o personagem central vive um conflito que beira a anulação por seus iguais. E é aí que os renegados ressurgem para embasar um levante fomentado pela raiva e pelo ódio.


Entre texturas ácidas e de caráter alucinógeno, o ouvinte é recebido por um vocal de pronúncias folgadas e propositadamente sensuais, enquanto a guitarra de Wrath Starz, ao fundo, vai desenhando uma espécie de leveza embriagante na base melódica em construção. Conforme a canção vai atingindo o apogeu do primeiro verso, ela entra em uma tomada explosivo-dramática em que a guitarra solo, em meio aos seus wah-wahs, goza e agoniza ao mesmo tempo em um súbito de prazer e dor. Nesse ínterim, é interessante notar a versatilidade de Dave Abbruzzese na bateria, pois enquanto é capaz de soar visceral, ele também consegue ser sereno e contagiante em seu sonar eletrônico enquanto promove sopros de pop em meio ao metal ácido da canção. Com um refrão áspero e curiosamente melodramático em um mesmo efeito produzido por Mancini na canção anterior, mas que agora é executado por Sebastian Hadtrath na posição de backing vocal, Sick To Death traz um viés aparentemente autobiográfico em que o vocalista coloca sobre a mesa seu desapontamento e insatisfação para com a fé. O curioso nisso é que, por outro lado, a canção também pode tratar de um desencontro amoroso em que o protagonista lírico lamenta a interatividade da relação.


O Sol está se pondo no além-mar. As águas próximas à margem recebem o reflexo calmo e sereno de um céu em sua plena tonalidade azul anil. Nesse ínterim, a brisa chega fresca abraçando as pessoas que pela praia passam com uma adorável sensação de conforto e leveza. Melodicamente, isso acontece por conta da união do dulçor gélido das notas do teclado com a bucólica e aveludada contribuição do lap steel de Reggie Duncan. Com uma base em 4x4 macia, mas ainda assim precisa pelas baquetas de Todd Long, Won’t Be Apart vai se transformando e se evidenciando como a primeira balada de IV com direito a uma silhueta suave e valsante ofertada pelos sons de violino trazidos pela programação. Tocante, portanto, a canção evidencia a carência não em um sentido associado ao senso de condescendência, mas sim no viés de saudade por uma pessoa existente apenas no plano astral. Uma saudade motivada por uma ausência física que causa insegurança, medo e até mesmo ligeiros requintes de baixa autoestima. Possível de demonstrar ao ouvinte a existência da influência do Skid Row na sua construção melódica, Won’t Be Apart é uma balada romântica nostálgica e melodramática, mas que traz consigo uma paixão inquebrável e resistente aos fatores do tempo e espaço.


Áspera e já demonstrando uma periculosidade irresistível em virtude de sua ampla sensualidade estética a partir da movimentação denotativamente libidinosa da guitarra, não demora muito para que o instrumento seja acompanhado pelos golpes firmes, certeiros e levemente estridentes da caixa da bateria de Erik Eldenius, a qual passa a desenhar uma embrionária cadência melódica. Surpreendida por um sonar adocicadamente ácido acompanhando a guitarra com a inserção de pitadas progressivo-psicodélicas responsáveis por trazer mais harmonia ao enredo melódico, Come Down surge com uma estrutura hard rock simples, padrão. Feita para atrair a atenção das massas e causar furor em shows, a faixa ainda traz um protagonismo bem pensado do baixo na transição entre suas duas metades. Contagiante e facilmente acessível, a faixa, ao atender os moldes radiofônicos, se torna o primeiro single declarado de IV. Tendo na figura de Steve Estatof o elemento a ampliar a harmonia durante o refrão com seu falsete no backing vocal e, consequentemente, dando sustentação a Jayk, Come Down é uma canção com um lirismo sobre um passeio urbano sob um céu noturno e regido pela intensidade, pela excitação, pela sedução e pelo senso desmedido de despreocupação, imprudência e até mesmo de requintes de imaturidade. Um lirismo agraciado, principalmente, por um refrão chiclete que atiça ainda mais o fogo da sensualidade provocante de Come Down


A brisa do pôr-do-Sol faz com que o aroma das flores domine o ambiente, causando uma sensação curiosamente reconfortante de torpor e aconchego. Ao longe, o mar canta, com suas ondas, uma doce e grata despedida ao dia, enquanto vai recebendo a noite de braços abertos. Nesse ínterim crepuscular, um blues amorfinadamente aveludado vai envolvendo o ouvinte com seu senso quase nostálgico quase alucinógeno. Trazendo um formato estético floral capaz de rememorar a mesma estrutura de canções do Skid Row em início de carreira, Say Goodbye traz, junto ao seu toque sensorial saudoso, uma sensualidade sem o caráter propriamente sexual. Crescendo em sua verve dramática e harmonicamente tocante, a canção vem com um solo de guitarra esperançoso em meio ao lirismo de veia romântica que narra a convivência com um coração ferido pela ausência da pessoa por quem se nutre a paixão. É a dor de um indivíduo não apenas convivendo, mas sobrevivendo com o peso na consciência de coisas que poderiam ser ditas e atos que poderiam ser feitos. É o sonho da segunda chance e a negação do Adeus definitivo.


Ela já nasce enérgica como o Sol chamando para a vida. Entre uma união de guitarras que ainda consegue se dividir na criação de uma harmonia swingada e ao mesmo tempo ríspida, a canção é agraciada por uma bateria que, no comando de Dennis Leeflang, traz uma cadência precisa e igualmente amaciada que auxilia Jayk, Ian MacPherson e Aaron Joos, os donos das guitarras, a criarem uma ambiência libidinosamente oitentista ao hard rock por eles criado. Soando como uma perfeita intersecção entre Mötley Crüe e Guns and Roses, Mrs. Sleazy vem transpirando, provocando e seduzindo o ouvinte com a sua malícia incontestável. Aqui, o Wildstreet parece reproduzir fórmulas líricas assumidas desde o próprio Crüe ao Velvet Revolver, para citar alguns nomes. Afinal, se utilizando de metáforas amorosas para fazer o ouvinte ao menos pensar em se tratar na relação entre duas pessoas, Jayk pareceu abrir seu baú de memórias e experiências para, aparentemente, expôr como nasceu seu romance com heroína.


O cenário é noturno. A Lua está em seu auge, mas a cidade parece não dormir. Entre os carros que preenchem o asfalto, as luzes fluorescentes dos postes dão um ar sintético à paisagem urbana. Nas calçadas, não há quase um sinal de movimento, sequer. Porém, um andarilho se destaca com sua pose cabisbaixa. Dele, uma melodia igualmente entristecida, com requintes soturnos e melancólicos, passa a transpirar. E a principal responsável por isso é a sincronia entre as guitarras de Jayk e Kyle Paas, sendo que, deste último, também sai um baixo de groove encorpado, suspirante e ligeiramente estridente. Nesse ínterim, é difícil não se ater à adocicada acidez do órgão B3 de Spencer Albee preenchendo harmonicamente a base melódica, ou mesmo à pressão dos golpes da bateria. Ao assumir uma guinada de desenvolvimento estrutural, a canção passa a evidenciar suas silhuetas blues em sua cadência rítmica em 4x4. De harmonia tocante e dramática, The Road traz uma energia visceral, mas de cunho tão autobiográfico quanto aquele explorado em Mrs. Sleazy. Em verdade, a presente faixa é, inclusive, a mais intimista e pessoal de IV graças, também e principalmente, pelo contexto melódico, pois ele dá a perfeita dimensão do sofrimento atravessado por um personagem consciente de seus atos canibalescos e suicidas no que tange o uso frequente de entorpecentes como forma de se esconder de si. Não é de se surpreender que o verso mais tocante que destaque tal realidade seja: “I ain’t afraid of what’s coming for me at the end of the road I am on”.


É um trabalho soturno, melódico e intenso. Um produto em que não existe vergonha ou pudor em expor realidades que, para muitos, pode até causar ojeriza. Em IV existe coragem, sabedoria. Mas é aqui que também existem súbitos de consciência, lamentações e a aquisição de um grau de autoconhecimento que faz com que não apenas o ouvinte, mas o próprio Jayk em seu papel de protagonista de grande parte dos enredos líricos, entenda o lado sentimental, emotivo, sensível e até mesmo carente de sua personalidade.


Em meio aos excessos, à libido, ao sexo, à sensualidade, existe um indivíduo apenas querendo um abraço, um olhar de compaixão. Um ombro amigo a que se debruçar e pedir conselhos. Ainda assim, em meio ao drama, ao visceral e à profunda intimidade de suas letras, o Wildstreet também conseguiu presentear o ouvinte com uma série de músicas enérgicas.


Heroes, Come Down e Mrs. Sleazy são faixas que exemplificam bem esse lado provocante e ardente de IV. Por outro lado, músicas como Won’t Be Apart e Say Goodbye é onde a sensibilidade é explorada e a emoção se torna o principal ingrediente desses ambientes melódicos macios. É por isso que o EP é interessante. Ele atende os dois polos, aqueles que desejam o excesso e os que desejam sentimentalismo. E, claro, tem o plus das pitadas intimistas e autobiográficas que pincelar, com maestria, os enredos verbais de cada capítulo. 


Para capturar essa trivalência, o Wildstreet se filiou a Jonathan Wyman, que, com bastante sabedoria e sensibilidade, fez de IV um EP com sonoridade forte, bem equilibrada, madura e excitante. Por meio dele, é possível não só identificar e compreender as influências sofridas pelo grupo, como também perceber a fusão dessas referências em uma sonoridade original, autoral e audaciosa. É assim que o extended play caminha entre o rock industrial, o hard rock e o blues com tamanha versatilidade.


O mesmo vale para a produção. Feita a sete mãos entre Jayk, Marlowe, Starz, Long, Hassan e Paas, ela mostrou coesão na forma como direcionou a sonoridade de forma a interagir perfeitamente com o viés energético dos lirismos. Esse feito foi o que possibilitou a captura da atenção do ouvinte, além da percepção de originalidade e audácia por parte do Wildstreet por misturar o visceral com o mercadológico.


Fechando o escopo técnico, vem a arte de capa. Assinada por Andrew Trembley, ela é repleta de tons roxeadamente místicos ao passo que destaca um carro antigo e um indivíduo armado sentado em sua extremidade. Repleta de menções de relâmpagos, trovões e até mesmo ao cogumelo atômico, a obra, justamente por esses detalhes, já consegue comunicar que o trabalho é não só intenso, como também explosivo.


Lançado em 26 de abril de 2024 via Golden Robot Records, IV não é só um EP intenso. Ele é denso, tenso, intimista, visceral e autobiográfico. Ao mesmo tempo, porém, é libidinoso, ardente, provocante. Romântico. Sensível. É o perfeito processo de autoconhecimento que leva o indivíduo a perceber as suas dualidades de personalidade: o profundo e o sensitivo.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.