Nathan Dies - Instinto

NOTA DO CRÍTICO
Nota do Público 5 (1 Votos)

Não, não é apenas o Evil Politicians ou o Scrupulous que estão se lançando oficialmente no mercado fonográfico nacional em 2021. Afinal, o músico e produtor musical Nathan Dies também se anuncia no setor musical. E o responsável por fazer esse feito acontecer é Instinto, álbum de estreia de Dies.


A levada e a sonoridade são da MPB, mas a afinação das notas do violão leva o ouvinte para um ambiente de uma alegria longínqua e de uma sensação de torpor extasiante. Quando o Dies entra em cena, um susto toma conta do espectador. Afinal, o timbre do cantor é de um misto entre rouquidão e agudez que torna sua voz com uma ressonância agridoce que muito se assemelha ao tom de Chico Chico e, consequentemente, ao de Cássia Eller. Em meio a um baixo de linhas bojudas e guitarra cuja sonoridade exercida por Fernando Tavares oferece toques de embriaguez, Gracinha é uma música que mistura MPB, psicodelia e indie na estruturação melódica. Já seu lirismo é inocente e relata a dicotomia social em um recorte infantil a partir do recreio escolar. O interesse pelo namoro, pelas drogas, o amadurecimento precoce – ou o desejo dele – fazem com que uma criança que acompanha a mentalidade de sua própria idade pareça anormal. 


As ondulações sonoras feitas pelos instrumentos criam a sensação de estar ouvindo música embaixo d’água. Com forte presença do baixo e um beat de linha repetitiva, Cho é uma canção cujo lirismo divaga sobre o amor e sobre o reconhecimento do valor das coisas simples, algo que Chorão tanto difundiu em Tamo Aí Na Atividade, single do Charlie Brown Jr.


Assim como em Gracinha, as linhas introdutórias do violão imergem o ouvinte no campo da MPB. Porém, a conjuntura de elementos como o violão, o baixo e o groove da bateria de Gui Fuentes dão um ar de cangaço cujo aroma do solo do sertão nordestino sobrevoa com maestria o ambiente. Mas essa não é a única questão sensorial de Raio. Afinal, quando ocorre a entrada do vocal suave e reconfortante de Kely Pinheiro, a canção ganha uma doçura latente que se amplifica nos duetos com Nathan Dies, quem insere um lirismo que cria analogias astrológicas com a questão do autoconhecimento. Propositalmente ou não, a inserção do cello cria uma noção de dramaticidade que engrandece a melodia de Raio, uma canção macia que beira o angelical mesmo trazendo a busca do eu-lírico pela interpretação de suas próprias nuances comportamentais.


Um ambiente tenebroso, escuro e com piso escorregadiamente inseguro. É como um cenário de apresentação de vilões das animações Disney. Afinal, o som grave do cello cria um ambiente em que o medo pondera, a insegurança caminha como um personagem onipresente e as pupilas do ouvinte se dilatam em sinal de atenção a qualquer ingrediente novo que seja colocado no caminho. Com um vocal delicado e levemente sensual, Dies narra a entrega, o prazer, o amor entre duas mulheres em meio a uma melodia regada em sonoridades até então inéditas em Instinto, como o tom corpulento da tuba de Eric Dana que preenche, na companhia do coro formado por Miranda Fontana, Gaby Cotter e João Pedro Boi, o ambiente da faixa-título. Com elementos percussivos que, trazidos por Thomas Debelian dão uma energia latina à melodia, a faixa possui caráter instrumental encerrado com os toques agudos do trompete de Lachie Day. Liricamente sobre aceitação e até mesmo empoderamento, detalhes que se dividem em duas estrofes que narram o relacionamento entre mulheres e entre homens, a música transita entre os ambientes do samba e do indie com delicadeza. É fato, porém, que o autoconhecimento, a heterogeneidade e a pluralidade da sociedade são o ponto central dessa composição que é um expoente da igualdade.


Desde seu despertar, Love Song se mostra ser a balada melancólica de Instinto. Com suas notas em tons baixos empregando uma tristeza encantadoramente macia, a música possui instrumental de linhas que transitam entre a psicodelia e o indie de tal maneira que se combinam com o vocal ligeiramente ácido de Dies, o qual se assemelha levemente com ao timbre de Luke Pritchard, vocalista do The Kooks


É como se o ouvinte entrasse no sono rem e iniciasse o ato de sonhar, a viagem noturna pelo inconsciente. É assim, uma maneira à la Tim Burton, que California tem seu despertar. Ainda mais forte do que em Love Song, a presente faixa possui métrica indie indiscutível que se mistura com lampejos de new wave. Suave, delicada e macia, ela apresenta um lirismo que traz a história de um eu-lírico que retorna da California, um local símbolo da liberdade, da igualdade e do existencialismo. Ao mesmo tempo, o enredo discute se o personagem conseguiria se readaptar a outro perfil de sociedade, cujo conservadorismo domina a moral e os costumes. Porém, o narrador tem a resposta na ponta da língua ao dizer “If we concentrate will see it’s too late to love the way they love in California”.


O soul domina a melodia. As notas aveludadas do teclado se unem ao groove acentuado do baixo. Curiosamente, a cadencia vocal trazida por Dies muito tem em comum com aquela ritmada por Alex Turner em Fluorescent Adolescent, single do Arctic Monkeys. Dayquilled é a faixa-single de Instinto pela sua melodia pop radiofônica que exala veludo tanto no instrumental quanto no timbre de voz de Nathan Dies.


A sonoridade chip tune se faz audível, mas como um personagem onipresente que caminha pela coxia melódica de Call Me Back, outra música que, assim como Dayquilled, tem forte apelo pop. De cadência vocal acelerada, quase rappeada, a canção ainda traz grande participação do baixo que, com suas notas certeiras, pontuais e precisas, dá, junto ao beat, a alma rítmica da canção. Call Me Back, por sinal, é liricamente mais uma canção expoente do empoderamento e da liberdade, aqui tangendo o direito de ir e vir e o direito à escolha.


Instinto é um trabalho melodicamente sensorial. O tato, o olfato e a audição são os sentidos que mais se aguçam por entre suas oito faixas. Com instrumentais complexos, o ouvinte é convidado a percorrer ambientes que discutem sexualidade, pluralidade e aceitação.


Por essas razões, o trabalho de estreia de Nathan Dies, assim como Quase Nada e Rolê Pelo Bueiro, serve principalmente para dar apoio, força e voz à comunidade LGBTQi+ a partir de seu lirismo consciente e plural. Para dar ainda mais conta desse papel, Dies fez uma boa divisão ritmo-melódica no álbum.


De Gracinha até a faixa-título, Instinto caminhou por gêneros musicais que vão desde o indie, ao rock alternativo, ao samba, à psicodelia, à MPB e até mesmo à new wave. De Love Song em diante, além do idioma mudar para o inglês, o estilo musical que domina o caderno de partitura dos músicos é o pop.


Para se conquistar a atração do público desejado, não apenas o vocal deve sair afinado e audível, mas o instrumental também deve se mostrar equalizado, harmônico e, de fato, equilibrado. Além de nitidamente haver química entre os músicos, o trabalho de Pedro Kayat foi afiado ao conseguir deixar o ambiente oferecer todas as sensações propostas sem mexer ou interferir na dinâmica rítmica.


Como sempre, porém, é a arte de capa o primeiro aspecto a conquistar o ouvinte. E o trabalho conjunto entre Elisa Jouin e Nathan Diesendruk facilmente consegue o feito. Afinal, suas cores são tão suaves que quase beiram o tom pastel e a fotografia representa o medo e o receio do ato de assumir a identidade, a vontade, a sexualidade. Ao mesmo tempo que a primeira impressão é a do medo, insegurança e receio, conforme vai se ouvindo Instinto, mais força e confiança o público vai adquirindo através das letras.


Lançado em 06 de agosto de 2021 via Rockambole, Instinto é um disco sobre confiança, sobre amor próprio, sobre aceitação, sobre liberdade. A ousadia em ser quem é desmascara a face preconceituosa de uma sociedade calcada no conservadorismo e na homogeneidade de seus cidadãos. A pluralidade enriquece qualquer população, assim como Instinto enriquece o mercado fonográfico nacional com sua mensagem de respeito e igualdade.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.