From Atomic - Love, Fate, Now & Forever

NOTA DO CRÍTICO
Nota do Público 5 (2 Votos)

Faltando pouco para tropeçar e iniciar 2023, o power trio português From Atomic decide anunciar Love, Fate, Now & Forever, seu segundo disco de estúdio e mais recente material discográfico. Material sucede Deliverance e é o segundo material cheio da banda de Coimbra.


É como observar a paisagem noturna se tornando diurna a partir de um time lapse, uma ponte no enredo de uma trama cinematográfica. A sonoridade que desperta traz um suspense denso e uma ambiência urbana latente que remonta as ruas de grandes centros dos anos 70 e 80. Com o agudo consistente da guitarra de Alberto Ferraz sendo soprado ao vento e o groove bojudo, mas conciso, do baixo de Sofia Leonor dando precisão à base rítmica, uma melancolia embebida em uma mistura equilibrada de post-punk, rock alternativo e indie rock se faz imergir. Com uma interpretação lírica sofrida e um timbre que remete àquele carnudo, grave e choroso de Dolores O’Riordan, Sofia começa a inserir um enredo introspectivo e dramático que dá ao quadro de Strangers uma paleta de cores repleta de tons gélidos e opacos. Interessante notar que, nesse processo, mesmo que simples, as linhas da bateria de Samuel Nejati são capazes de traduzir o senso reprimido e introvertido do lirismo de Strangers, uma canção cuja trama envolve o espectro do relacionamento e uma disputa inconsciente em saber qual é o lado que mais oferece equilíbrio na harmonia do convívio. Em verdade, a canção é como um processo de autoconhecimento em que ambas as partes percebem suas peculiaridades e refletem se tal relação é saudável ou tóxica.


É como cristais refletindo a claridade do exterior em um ambiente escuro, inóspito e desconfortavelmente úmido. Enquanto o som agudo e tilintante do sintetizador causa essa impressão no evidenciar do novo cenário, a linearidade levemente áspera do baixo vai introduzindo notas de suspense à melodia ainda em maturação. De inebriante torpor, é interessante notar que, nas entranhas estruturais, existe uma noção motivacional que oferece lampejos de esperança em uma espécie de limbo confortavelmente deprimente. E nesse aspecto é como se houvesse um looping narrativo que dá a explicação para aquelas percepções iniciais de luz na escuridão. O vaivém do agudo bojudo da guitarra representa, em Quiet, a entrada de luz e motivação na emoção de um indivíduo dominado pela tristeza hipnoticamente reconfortante. 


Saindo da tristeza visceral entorpecente, a guitarra levemente áspera já apresenta, nas primeiras silhuetas melódicas, curiosos tons que mesclam loucura e cinismo. Trazendo uma ambiência setentista por meio dos embriagantes sonares do sintetizador, a canção consegue oferecer traços racionais ao seu enredo por meio das texturas mais palpáveis oferecidas pelo compasso do chocalho unido à linha da bateria. Conseguindo oferecer ainda lampejos de uma desconfortável e entorpecente agonia, Crawl tem na voz encorpada e levemente grave de Toni Fortuna o elemento que entrega texturas mais ásperas à melodia de senso hipnótico. É assim que Crawl se mostra como o efeito da sociedade na essência do indivíduo, fomentando o orgulho e desvencilhando o ser de sua pureza. 


Uma mistura acalorada de The Smiths, David Bowie, Billy Idol e inclusive Sex Pistols pode ser notada no novo amanhecer. Com uma levada em 4x4 de aroma sensual e radiofônico, a new wave se funde com o rock alternativo em Higher Love, uma canção macia e contagiante que se afasta de maneira até mesmo bruta da melancolia lancinante que dominou até então o escopo de Love, Fate, Now & Forever. É curioso que, para comprovar essa espécie de amadurecimento lírico, Higher Love oferece um enredo que dialoga sobre a superação e a elevação do espírito por meio do acesso ao amor. Porém, apesar de parecer ter cunho religioso, a canção simplesmente inspira a autoconfiança e o autoconhecimento de maneira a estimular o ouvinte a ser quem é, sem medo de eventuais intolerâncias.


Continuando com o caráter sensual estipulado em Higher Love, o presente cenário apresenta um senso de sedução propriamente dito superior ao apresentado na faixa anterior. Trazendo a guitarra uivante, um ingrediente que já se mostrou padrão tanto da sonoridade do From Atomic quanto do álbum, existe um feliz frescor que abraça a melodia setentista de I’m In Love With A German Film Star. Com a participação do falsete aveludado de Tracy Vandal no backing vocal dando respaldo e mais liberdade de atuação para Sofia, a faixa se apresenta como um diálogo sobre o glamour e a negação da fama, mas que, na sua intimidade, evidencia a aspiração pelo senso de liberdade ofertado pelo showbiz.


Suspense e acidez se fundem em uma atmosfera sci-fi proporcionada pelo sonar do sintetizador. Curiosamente, é como se o ouvinte se visse em uma bolha cuja audição é opaca e o torpor é incontrolável. Sendo essas as sensações e impressões oferecidas pela maturação da melodia, Go é uma canção cuja interpretação lírica de Sofia já sugere um senso de conformação necessário, mas não desejado. Uma canção que, pela primeira vez em Love, Fate, Now & Forever, existe o diálogo do amor como algo mais sincero, mais original e, se for possível dizer, mais biográfico. O término do relacionamento, a decepção e a dor de uma despedida turbulenta podem muito bem ser sentidos pelo ouvinte, que se compadece pela experiência vivida pelo eu-lírico.


Chiados introduzem o lo-fi. Junto a ele, a acidez se apresenta por algo ainda indecifrável, mas que já incita o suspense. Com um embrionário synth-pop, a canção vai se maturando como um produto de estrutura minimalista cujo lirismo soa como um personagem onipresente. É como se a consciência tivesse voz e postura, pois em Control, ela é o protagonista agindo sobre o coadjuvante, uma figura perdida em sua intensidade, seu labirinto emocional e sua incômoda falta de autoconhecimento. A inconstância surge, aqui, como inimiga do equilíbrio e algo prejudicial para o bem-estar do antagonista.


Um ambiente inesperadamente confortável e sentimental começa a surgir. Talvez pela melodia ou talvez pela interpretação de Sofia, o fato é que o ouvinte de alguma forma se sente tocado pela canção. Como o veludo balançando pela valsa suave do vento, como a garoa fina caindo em um gramado agraciado por feixes de luz solar ou o simples observar do nascer do Sol atrás das colinas, Without You é uma canção inegavelmente sensorial que dialoga sobre a existência da beleza mesmo quando o mundo parece não ter mais brilho. É sobre fé, sobre confiança. É onde a perseverança fala com a voz do coração. Ao mesmo tempo, Without You tem um aroma fortemente romântico que traz a presença do outro como sinônimo de bem-estar e, inclusive, traz a força desse sentimento como algo capaz de criar uma sinergia emocional inquebrável.


Com uma levada mais animada e contagiante puxada por um embrionário pop punk estruturado pela guitarra e bateria e, posteriormente, reforçado pela precisão linear do baixo, um drama setentista acaba fundindo new wave e rock alternativo também na receita melódica. Com uma postura mais rock n’ roll que flerta com aquela do The Runaways, Walk Back traz uma crueza rítmica enquanto traz um diálogo misto de perdão, superação, desejo por mudanças e vivacidade. De forma mais direta, a faixa parece revisitar o senso de intensidade e até mesmo selvageria não apenas do rock, mas de uma sociedade inquietante que representou o nascimento de uma importante cultura pop dos anos 70 e 80.


Hipnótica, sensual, embriagante e entorpecente, a melodia do novo cenário traz a essência setentista mais forte de todo Love, Fate, Now & Forever. Com uma embrionária ambiência de danceteria regada a ácido, Overload traz a mesma estrutura de Higher Love em que a companhia de Tracy dá mais embasamento e precisão ao lirismo com sua participação nos backings. Dançante e nauseante, a faixa relata pura e simplesmente o momento em que o indivíduo tem a clareza de quem é. É o instante em que o personagem tem noção de suas próprias características, o que gera medo e insegurança. Afinal, o processo de autoconhecimento é desafiador e imprevisível nas emoções que explora.


É o cintilar das folhas a partir da brisa do vento. É o abrir dos olhos sob uma claridade reconfortante. É o cheiro das flores banhando o ambiente. Com um conforto inquietante, a melodia funciona como o despertar de uma emoção enigmática que faz com que as lágrimas escorram sem motivo aparente. Macia e na base de um rock alternativo ao estilo do Snow Patrol, I Fall é, assim como Overload, outra importante interpretação do From Atomic do processo de autoconhecimento.


Delicado, sensível e melódico. Maduro, emotivo e cru. O que Love, Fate, Now & Forever oferece é mais do que simplesmente um olhar para a essência do indivíduo ou uma reflexão sobre si. Ele sugere um inquietante e por vezes desconfortável caminhar pelo autoconhecimento a partir de experiências rítmicas que levam o ouvinte a dialogar com o amor, com a dor, com a raiva, com o desejo e com a intensidade.


Mergulhado em uma ambiência setentista, o álbum acaba se vendendo como um produto que funde muitas sonoridades que protagonizaram em tal época. O rock alternativo, o synth-pop, o post-punk, o lo-fi e até mesmo temáticas futuristas do sci-fi e indie rock se encontram nessa miscelânea melódica proporcionada pelo From Atomic.


E nesse processo, João Rui teve função mais do que necessária na fusão de todas essas influências rítmicas que sucederam na obtenção de um som cru e original que defendeu a essência do power trio. Curioso notar que, apesar de portuguesa, a banda traz consigo uma identidade rítmica nórdica que paira por países como Alemanha e Holanda e que, consequentemente, foge do sangue euro-latino de Portugal até mesmo no idioma adotado nas canções.


Isso faz parecer algo comum das bandas vindas de Coimbra. Tal contestação é embasada pela sonoridade vinda do também power trio The Twist Connection. Conterrâneo ao From Atomic, o trio também caminha por cenários rítmicos que fogem do latim sanguíneo português.


Encerrando o escopo técnico de Love, Fate, Now & Forever, vem a arte de capa. Assinada por Fortuna, ela traz uma imagem aérea de uma estrada rodeada por mata temperada. Sob efeito de negativo fotográfico, ela comunica uma mescla de fluidez e rigidez, mas também linearidade e fluxo. É a descrição da vida e das emoções que ela desperta no indivíduo. Como a arte também traz a ideia de rachadura e rompimento, a vida é também o amadurecimento e a superação. Tudo muito bem trazido entre os 11 capítulos do álbum.


Lançado em 25 de novembro de 2022 via Lux Records e Before Sunrise Records, Love, Fate, Now & Forever é o diálogo com o amadurecimento e o autoconhecimento. É a representação da inconstância da vida e suas emoções dicotômicas. Com delicadeza deleitada sobre uma harmonia nórdica, o álbum sugere uma respeitosa introspecção para entender qual a identidade que define o indivíduo, uma tarefa que, nem sempre, é agradável.


















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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.