Iandé - Sou Teimoso

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É nos últimos instantes de 2022 que um novo nome surge no circuito musical brasileiro de forma oficial. Vindo de Paraty, o quinteto caiçara Iandé enfim se apresenta com Sou Teimoso, seu EP de estreia.


Trazendo a fusão vanguardista entre o pancadão carioca e a bossa nova de forma a criar uma canção de melodia e ritmos inovadores. É interessante notar que, mesmo com um ânimo visivelmente mais tímido, mas ainda existente, a sonoridade traz consigo uma energia dramática e de suspense que chama a atenção do ouvinte pela experimentação de sentimentos que instigam a defesa pelo bem comunitário que é a natureza. É assim que Música Da Mata, com seu xote arrastado e agitado, critica, rechaça e até mesmo protesta, de modo pacífico, contra o desmatamento ilegal. 


Mais animada e swingada, a canção já começa com a movimentação convidativa do samba recriando uma atmosfera carioca dos anos 90. Tendo a flauta como protagonista no emprego de texturas e sabores, a música traz uma desenvoltura mais afiada de Cesinha na construção do compasso rítmico. Com narrativa penetrante, Frasco De Juízo faz com que o ouvinte nem ao menos queira parar de prestar atenção no enredo. Contada por Marcello Ribeiro de maneira a estimular a curiosidade, Frasco De Juízo narra o desentendimento, a separação, a perda da sincronia entre duas pessoas. O interessante é que, nesse processo, o Iandé montou Frasco De Juízo de forma que as duas partes, inclusive o da mulher, interpretado por Analu Caldas, explicam seus lados da história. Um samba triste e reflexivo sobre superação.


Com a alegria floral e contagiante do frevo pernambucano, é possível sentir o sorriso nascer instintivamente na face do ouvinte. Com um compasso amplamente sedutor e convidativo, cujo protagonismo recai inquestionavelmente sobre a valsa entre o agudo floral do flautim de Bebeto e o bojudo soprar do saxofone alto de Jerome Charlemagne, Gênero Dos Anjos esconde, entre seu ritmo de alegria estonteante, uma mensagem social sobre liberdade, aceitação das diferenças e, principalmente, a harmonia como sinônimo de tolerância.  


O violão 7 cordas de Cauê Dok surge no horizonte como tímidos e espreguiçantes raios de Sol, um Sol que, sem demora, esboça um sorriso alegre, convidativo e contagiante que faz o mar se animar, as ondas começarem a movimentar as águas salgadas, e a areia se aquecer para receber os banhistas para mais um dia de curtição. Cooperando para esse clima de descontração, a melodia assume aromas florais e sabores adocicadamente aconchegantes por meio do flautim e da flauta que, junto do compasso amaciado da bateria de Cesinha, funde a bossa nova à MPB com boa versatilidade. Quase como uma vanguarda sertanejo-nordestina misturada com o frescor do mar, notas tímidas de xote podem ser percebidas enquanto a voz suave de agridoce e anasalada de Ribeiro entra em cena entregando ainda mais maciez à canção. Quando ele recebe a companhia de Analu e seu timbre aveludado e rouco, a canção acaba tomando contornos de uma tranquilizante que flertam com o formato de cantiga infantil. Em verdade, Pé Na Areia é uma canção que, sem esforço e de maneira curiosa, consegue marejar os olhos do ouvinte a partir de sua simplicidade e beleza harmônicas que servem para dar a trilha sonora de um enredo que também presa e defende a pureza, a simplicidade e a ingenuidade de ser criança. E o ser criança aqui não necessariamente entra no sentido literal, mas pode ser interpretado como uma metáfora para o aproveitamento máximo das coisas singelas e dos momentos que, de tão simples e corriqueiros, passam despercebidos. O mergulho no mar e sentir o pé na areia são apenas situações no ato de ir à praia, mas as sensações que eles oferecem são, por si só, pequenos prazeres que nem sempre têm seus valores devidamente apreciados. É por isso que Pé Na Areia é uma canção forte em sua leveza, um grande produto de Sou Teimoso.


A MPB volta floral e com força no presente amanhecer primaveiresco. Com samba no pé, a faixa-título traz um enredo divertido e contagiante que apresenta um personagem embebido em um comportamento teimoso, mas de maneira que soa como sinônimo de perseverança e foco. Agraciada por um bem-vindo repente macio-estridente vindo do saxofone, a faixa-título brinca com a ideia de que o teimoso é sempre aquele que é do contra às preferências do senso comum enquanto é agraciada por um swingado, alegre e sambado solo de saxofone que dá ainda mais sensualidade e maciez à canção. Curioso notar, ainda, como o enredo lírico da canção parece ser uma continuação daquele de Gênero Dos Anjos, afinal, em ambas as canções a teimosia acaba recaindo sobre um senso de autoestima e confiança invejáveis.


Dizer que o Iandé é a vanguarda da MPB pode parecer cliché, mas não é. Diferente de nomes como Tori, Dingo e Cajupitanga, o quinteto paratiense não fundiu, em Sou Teimoso, apenas gêneros nordestinos com o classicismo artístico nacional da bossa nova. No EP ele trouxe frescor, diversão e protesto em medidas milimetricamente equilibradas sem interferir em sua essência.


E Sou Teimoso é um EP que já nasce interessante. Seu parto é dramático e tenso com um lirismo afiado e protestante contra o desmatamento, único momento em que o Iandé se posiciona de maneira política, pode se dizer, no EP. Mas além de Música Da Mata, que traz em si o senso de adoração e preservação da natureza, o EP ainda é agraciado com  Gênero Dos Anjos, um produto que funde liberdade, tolerância e respeito de maneira cativante.


Essas duas faixas já dão a Iandé uma visão social madura e consciente. Porém, Sou Teimoso não é apenas reflexão. Ele é também diversão. E é exatamente isso o que Frasco De Juízo e a faixa-título trazem ao espectador: contágio, alegria e a fuga dos problemas por alguns minutos.


Deixar de dizer que Sou Teimoso emociona com suas melodias florais seria um desserviço. Afinal, o que Pé Na Areia consegue fazer, poucas canções fazem: emocionar com pouco. O EP é simplesmente o sinônimo de harmonia, uma harmonia que vem da química dos integrantes, da verdade de suas letras e da musicalidade que o quinteto mostra ter.


Produzido por Dok, o EP mostra um caminho lírico-melódico que mistura entretenimento e reflexão. Evidencia a maturidade e ousadia rítmicas na mesma medida. Oferece um som bem equalizador e limpo, o que deixa fácil ao ouvinte a tarefa de degustar a MPB, a bossa nova, o frevo, o xote, o samba, o sertanejo e até mesmo o pancadão carioca.


Fechando o escopo técnico do EP, vem a arte de capa. Assinada por Helena Alba, ela não traz brilhantismo. Apenas o quinteto em foco na sua cidade natal. Ainda assim, é interessante como a composição das cores e o próprio cenário conseguem promover um misto de paz e tranquilidade, sensações inclusive muito presentes nas cinco canções do trabalho.


Lançado em 07 de dezembro de 2022 de maneira independente, Sou Teimoso é a definição denotativa da palavra harmonia. Com tamanha suavidade, o quinteto faz muito sem demonstrar esforço. Afinal, o EP apresenta ao Brasil o Iandé, um grupo musical sem medo de experimentação e de humildade que transcende os limites do som.













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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.