Dan Abranches - Titan

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O ano de 2021 é de superação. Voltar à vida completamente normal pode ser uma miragem, mas ter um mínimo de normalidade está sendo algo recorrente com a chegada das vacinas. Esse positivismo vem sendo observado também no mundo da música nacional, o qual está tendo diversos partos no período. Um deles é Dan Abranches, que nasceu a partir do lançamento de Titan, seu disco de estreia.


O sintetizador e o baixo logo se encontram. O eletrônico e o groove criam um som crescente que, quando atinge seu pico, exala uma sonoridade de levada rap marcante. Afinal, aqui existe a intersecção do subgrave com o agudo do teclado, o beat de métrica 4x4 executado tanto pela bateria acústica de Gabriel Ruy quanto pela bateria eletrônica e uma cadência estimulante e linear do vocal. Curiosamente, a melodia que o baixo tocado tanto por Dan quanto por Leonardo Chamoun assume conforme a música vai se desenvolvendo possui a mesma métrica daquela executada por André Vasconcellos em Te Devoro, single do Djavan. No entanto, o que mais pesa em Sunday Morning é a letra. Por tratar da depressão e até mesmo do suicídio, a interpretação é delicada e possui uma série de frases impactantes. Apesar de trazer todas as ideias, sensações e pensamentos que se passam na mente de uma pessoa que sofre de depressão, a canção funciona como um impulso, um incentivo, uma luz de fortalecimento. Afinal, como Dan mesmo diz “everybody’s here to be forgiven”.


Sensualidade, maciez e veludo se encontram em uma melodia swingada e cheia de sedução. Proporcionado pela voz amena e doce de Pe Lopes esse cenário moldado é como se o ouvinte sentisse diversos perfumes cítricos e visse o bailar das cores em uma aurora boreal de movimentos sincronizados. Melodicamente, é o teclado e a bateria que são os protagonistas sonoros. Do lado do teclado, as notas seguem o veludo vocal e inserem na canção toques de blues e soul que são homonimamente acompanhados pelo groove do beat. O baixo, acompanhando sabiamente a dupla, coloca um swing mais contido, mas cujo groove conciso e preciso toma o caráter sensual tão presente em Come. Liricamente, esta é uma canção que defende a coragem e a audácia em se expor e se impor. Mostrar quem é é apenas um ponto. Come incentiva o poder da decisão em se posicionar, em não mais esconder a preferência sexual ou identidade de gênero. Se ver livre das amarras moralistas e conservadoras e parar de se boicotar é o outro principal ensinamento da canção, tal como diz o trecho “we laugh, we fuck, we fight, we hate we love. You know it's wrong! I know I wanna make you come!”.


Para dar uma suavizada depois de um lirismo tão profundo, sério e reflexivo, Dan Abranches oferece um respiro ao ouvinte. Com Before The Storm, o espectador se vê em uma espécie de transe, de torpor. Não há dor, não há raiva, não há ódio. É como uma incubadora em que todos os sentimentos negativos ficassem do lado de fora. Um interlúdio necessário.


Quase como um medley, é chegada Dark Cloud. De melodia dramática graças às notas do teclado aqui executadas por Dan e Tibery e ao significativo intervalo entre os beats, a canção recria a atmosfera de Come. Afinal, na presente faixa o eu-lírico também se encontra vivendo sintomas depressivos e sem incentivo à vida, mas aqui a causa é outra. Pelas frases de apelo como “do you know you suffocate me?” e “drama is your last name” fica claro a situação de se estar vivendo um relacionamento conflitante, abusivo e, até mesmo, platônico e ciumento. Por essas razões, além de Dark Cloud ser semelhante liricamente à Come, também o é com Cowbow, faixa de Gabeu. Do lado melódico, a presente faixa é um completo blues no que tange a estrutura instrumental. O teclado segue em uníssono o beat com levada 4x4 e a guitarra executada por Dan e Felipe Artioli traz um riff de afinação amena e macia apesar da letra de desabafo.


Pela primeira vez em Titan, a guitarra é apresentada com distorção e criando uma atmosfera levemente hard rock que, curiosamente, ainda flerta com o funk. Ao seu lado, risos zombeteiros são ouvidos na coxia instrumental inserindo uma característica de assédio moral à Fake City. Se por um lado, Dark Cloud foi um desabafo, a presente faixa funciona como um pedido de socorro. Afinal, o eu-lírico demonstra em diversas ocasiões o desagrado em conviver com falsidades, futilidades e estar imerso em ambientes dominados por interesses econômicos ante o social, detalhe que pode ser creditado a diversos centros urbanos. Porém, assim como em Come, a canção levanta a necessidade de assumir a própria identidade mesmo podendo sofrer perante a moralidade convervadoresca da sociedade. Até porque, é isso o que o eu-lírico questiona ao dizer “your mask can’t be used on the light just to keep a kind of look”. 


Repetindo por diversas vezes uma frase de impacto que lamenta a falta de empatia, respeito e aceitação da sociedade para com aqueles que seguem um caminho fora da normalidade estipulada por um método homogeinista e conservador, Dan dá passagem para que Afronta MC insira frases aceleradas e de cadência rappeada em Fake City II. Dramática, visceral e crítica, cada palavra proferida exala indignação pela falta de liberdade de expressão e sexual em um país que se diz ser de todos. A homofobia estava adormecida, mas parece ter despertado com ainda mais força, o que proporciona o medo pelo ódio. Afinal, como diz Afronta “que apenas por ser assim do jeitinho que eu sou Alguém pode vir e a minha vida querer tirar. Tá tudo imundo!”.


A voz de Dan continua com o veludo habitual e os melismas tão imersos na temática do soul. Ao lado do violão, ele entoa um lirismo que funciona como um remédio homeopático e até mesmo espiritual em que busca se conscientizar de que os atos por ele feitos foram os certos. Mas ao mesmo tempo, esse mesmo eu-lírico vangloriado por ter a coragem de ser quem é, algo em busca ao menos pelo personagem de Come, em True To Myself ele experiencia os lados sociais negativos desses atos. Homofobia e preconceito exacerbados. Assédio físico e moral à toda prova. O verso “I'm here! I feel the pain! I pray the others will not listen to the same shit I need to hear everyday” representa o desejo e a humildade para que aqueles que estão buscando essa mesma coragem de se assumir não sofram das mesmas mazelas. Que ao menos sejam verdadeiros consigo mesmos.


Contagiante, leve e sedutora. Não é rap, hard rock ou soul. A melodia beira um pop com traços de reggaeton graças ao riff da guitarra, que aqui, diferente de Fake City, se apresenta sem distorção. Com participação protagonista do beat, que por vezes, por conta de seu peso parece até haver subgraves, Foolish aborda o estudo e a compreensão dos comportamentos sociais perante situações que saem da normalidade pré-definida que conta ainda com toques doces, aveludados, delicados e femininos de Luiza Dutra.


Melancólico-nostálgica. Essa é a definição de Nobody Loves You More. Calcada na estrutura intimista voz e violão, a canção apresenta Dan Abranches discorrendo sobre um sofrimento sentimental e amoroso. Aqui, o eu-lírico além de revisitar momentos vividos, se convence de que não foi culpado pelo rompimento e se questiona sobre qual o melhor ato a ser feito quando o amor sentido não supera as divergências. Melodicamente, esta é uma canção delicada, confortável aos ouvidos e um alento para o coração daqueles que sofrem pela dúvida sobre ‘e se não tivesse acabado’ ou ‘será que poderíamos ser somente amigos’. Esse questionamento é até mesmo respondido quando o personagem reflete “there's time to reasemble, cause we can be friends like we once were”.


O riff do violão logo traz à mente do ouvinte aquela linha icônica do violão executada por Nuno Bittencourt em More Than Words, single do Extreme. Assim como em Nobody Loves You More, Abranches insere uma interpretação visceral, mas em graus menores. Isso se deve não ao fato de o lirismo ser menos denso ou não, mas sim por conta da nítida maturidade com que o vocalista relata seu período de descobrimento, do despertar da própria identidade. É verdade que nas outras faixas isso também acontece, mas parece que em Traveler esse detalhe se mostra mais latente. Mais do que qualquer coisa, a faixa busca instigar o ouvinte a enxergar um alguém além da carcaça externa e se afeiçoar a ela pelo que realmente é, por dentro.


É difícil expor uma vivência ainda mais aquela que trouxe sofrimento. É difícil expor as dores, mesmo aquelas que fazem amadurecer. É difícil expor os sentimentos, inclusive aqueles que podem ser julgados. É difícil se assumir, principalmente em um lugar em que o preconceito existe entorpecido na sociedade. Mesmo assim, Dan Abranches se mostrou superior ao incluir cada um desses aspectos nos lirismos que preenchem as 10 faixas de Titan.


Indiscutivelmente, Titan é um disco conceitual, afinal ele transita em diferentes aspectos do ato de assumir a verdadeira identidade. E nesse sentido, Titan funciona como um incentivador, uma dose de coragem para que aqueles que vivem com medo tenham a força necessária para deixar a máscara de lado e enfrentar os julgamentos.


Mesmo com força, densidade e mesmo coragem na exploração de suas próprias experiências, Abranches adotou estruturas melódicas respeitosas que transmitissem os sentimentos nelas passados. Uma forma de defender não apenas a causa LGBTQi+, mas uma forma de mostrar que ninguém está sozinho.


E para trazer suavidade em suas interpretações líricas, o vocalista adotou um timbre aveludado e agudo que causa sensações mistas de conforto e aconchego. De certa forma, o tom usado por Abranches muito tangencia com o de Ney Matogrosso, pois ambos possuem alcances vocais agudos e raramente entoam o grave ou notas ásperas.


Essa suavidade é transferida ao ouvinte mesmo com a adoção do idioma inglês como base dos conteúdos líricos. Afinal, a dicção de Abranches é boa e compreensível, não havendo a omissão de um som vocábulo ou consonantal.


Lançado em 20 de agosto de 2021 de maneira independente, Titan é um disco autobiográfico e conceitual que, por entre linhas do pop, do rap e do soul, mostra que o ato de ser diferente perante a moral conservadora enriquece e evolui qualquer sociedade para um caminho de igualdade, respeito e empatia.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.