Seu despertar é deliciosamente convidativo. Com uma energia branda, harmônica e, principalmente, receptiva, ela já traz a textura tilintante e opaca do agogô de Edu Raddi mostrando ao ouvinte a construção de uma ambiência nativa. Soando como um princípio de xote ou mesmo baixão, essa estruturação rítmica logo se evidencia como uma expoente da música ijexá.
Ainda que o xote se apresente como uma espécie de base rítmica, o violão é capaz de construir um senso de tranquilidade e leveza tamanho que chega a até fornecer embrionários sensos de torpor no ouvinte. E o saxofone, que entra com seu sopro delicadamente aveludado momentos depois, acaba cooperando com essa atmosfera que vai do aconchego a um interessante e bem-vindo despertar de pertencimento.
Com a presença do pau-de-chuva para dar uma noção ainda mais nativa à ambiência rítmico-melódica, a canção, por meio de um vocalista de timbre suavemente grave, ganha um charme extra por conta de sua pronúncias com língua presa. Deixando, portanto, a atmosfera mais doce e até mesmo gentil, Pedro Canuto dá a liberdade para que o ouvinte perceba, também, a contribuição do baixo de Bê Queiroz que, com linhas no limiar da estridência, dá toques de um azedume interessante à atmosfera.
Viemos Pra Abalar é uma música que, ainda, surpreende os ouvintes desavisados por oferecer momentos de uma narrativa lírico-rítmica-melódica calcada tanto no ska e no hardcore quanto na MPB, a tornando uma obra difícil de se rotular de forma unilateral. Dessa forma, a canção é marcada não apenas por um regionalismo amplo, mas por trazer menções religiosas africanas em meio a uma atmosfera democrática que recebe todo e qualquer ouvinte de braços abertos a partir de um lirismo espirituoso que apresenta uma imagem caricata do O Grito.