Pedro Palma - Distopia

NOTA DO CRÍTICO
Nota do Público 5 (1 Votos)

Um novo nome surge em burburinhos na cena musical paulista. Agora se aventurando em carreira solo, o cantor e compositor Pedro Palma se lança em um ambiente introspectivo, algo que rendeu a composição, concepção, produção e lançamento de Distopia, seu EP de estreia.


No comando de Matheus Reis do Prado, uma guitarra áspera dá o despertar de um ambiente que já ilustra silhuetas que se misturam entre o indie rock e o rock alternativo. Um relâmpago bojudo e encorpado produzido pelo rompante do baixo de Jeferson Elias entra logo em seguida no contexto, lhe entregando corpo e swing. Tomando um caminho que a leva para uma maturação rítmica de forma a remeter a estética do The Offspring, a sonoridade assume ares pop punks contagiantes e explosivos. É então que um timbre agridoce invade o cenário completando a conjuntura melódica. Pedro Palma, durante o verso minimalista que tem no baixo grave o responsável por guiar a sonoridade, começa a ilustrar ao ouvinte a figura do personagem-lírico que guia todo o enredo da canção, que fala, com tom autobiográfico nas entrelinhas, de alguém movido pela incerteza. Mote nada mais é que a descrição de um interlocutor no caminho do processo do autoconhecimento, alguém que, enfim, deixa extravasar sua essência de maneira a se sentir livre e vivo. O mote do personagem é a força interior, mas essa conclusão não impede que Palma não questione o ouvinte sobre quais são as suas motivações. “O que te faz levantar? Por que precisa lutar? Qual é o seu caminhar? O que te motiva?”, ele questiona no intuito a instigar o espectador a descobrir tais respostas sobre si mesmo.


O som da distorção ligada da guitarra vem como feixes de luz solar surgindo por detrás das montanhas trazendo o amanhecer. Ao lado do punch da bateria de Lucas Teixeira, o instrumento auxilia na criação de uma introdução melancólica regida pela linearidade do baixo na coxia rítmica. Conseguindo ser contagiante em suas lágrimas, a canção flui para um verso calcado na métrica baixo-bateria, momento em que a guitarra oferece apenas alguns pitacos, de maneira a criar um compasso estimulante em seu minimalismo. Tomando o corpo de uma espécie de autoanálise capaz de construir uma proximidade latente com o ouvinte, Segue O Gado dialoga sobre o efeito massivo da rotina sobre a autoestima do indivíduo. Flertando levemente com o reggae, a canção possui um groove latente enquanto auxilia o espectador a refletir, assim como em Mote, sobre qual é a fonte de motivação. A perda da essência em prol do dia-a-dia, das idas e vindas do trabalho, às vezes faz a pessoa se esquecer dos sonhos e daquilo que um dia a fez sorrir. “Não dá mais”, se rende o personagem. Segue O Gado é simplesmente o grito de basta da autodesvalorização e da perda da luz que antes regia aquele que um dia foi um sonhador, um entusiasta e um planejador do futuro e da vida.


Se Segue O Gado tinha uma brisa melancólica, a presente introdução traz o ingrediente como principal elemento na construção melódica. Puxada por uma guitarra introspectiva e cabisbaixa, a sonoridade é como um cenário imagético em que uma criança, ajoelhada no colchão da própria cama, observa, apoiada na janela embaçada e com os olhos marejados, a chuva caindo do lado de fora inserindo texturas ao pretume da noite. Tais lágrimas, às vezes tímidas, às vezes descontroladas, deixam o seio da face constantemente úmido enquanto o horizonte enigmático se confunde com imagens mentais refletidas pelo rápido vaivém das memórias. É assim que A Janela se evidencia ao ouvinte. Introspectiva, reflexiva e com aromas generosos de tristeza, a canção é preenchida por um rompante melódico que representa a angústia vivenciada pelo personagem. Afinal, em A Janela o interlocutor se percebe perdido, sem motivação e imerso na agonia do medo, da insegurança. A Janela é uma canção dramática repleta de rimas que representam a necessidade gritante de um abraço reconfortante, acalentador e protetor. De algo que faça o personagem se sentir importante, querido. Tudo ocorrido a partir de uma grande transformação na vida do sujeito, um evento que o tirou da zona de conforto e o fez notar a real essência do pensar daqueles que o cercam. A decepção anda ao lado do medo, mas a força para superar é a principal busca de A Janela, uma busca feita com unhas e dentes por alguém que simplesmente quer se sentir acolhido.


Saindo da dramaticidade sangrenta de A Janela, o ouvinte mergulha em um ambiente mais leve e contagiante. Na base da estrutura 4x4 em uma melodia 4x4, a faixa-título se comunica diretamente com A Janela no sentido de que enquanto em uma há a necessidade de acolhimento a partir de uma decisão difícil, na segunda existe uma visão madura e até mesmo corajosa sobre a sociedade na qual o personagem está inserido. É aí que existem críticas ao conservadorismo, à homogeneização social como sinônimo à impunidade e à intolerância. Ainda assim, a faixa-título é um produto que vende empoderamento, resistência e força. Uma canção que mostra que aqueles que vivem uma mesma situação não estão sozinhos e que, a partir da união, é possível destruir a ideia de alienação do diferente. Com críticas visíveis à postura do atual presidente, a canção é um protesto. Um grito de basta.


É o caos. É o medo. É o novo. É o cansaço. Distopia é um EP forte e autobiográfico que dialoga sobre as sensações e as experiências daqueles que percebem que sua verdadeira essência não condiz com o padrão social da comunidade a que está inserido, da ideia de homogeneização vendida pelo conservadorismo.


Conseguindo ser delicado, visceral e ao mesmo tempo forte e combatente, o EP é um grito de basta de ​Pedro Palma à impunidade, à construção consciente, por parte da intolerância, do anonimato daquele que destoa da normalidade aceitável. Daquele que mancha a falsa ideia de pureza social.


Misturando indie rock, pop rock, rock alternativo e pop punk, Distopia consegue trazer canções de lirismos fortes sem perder o caráter do contágio e da atração. Com ele, o ouvinte se sente entretido, mas ao mesmo tempo convidado a refletir sobre suas próprias questões motivacionais. Unir tais diálogos foi, inclusive, um grande feito de Felipe Martins e Pedro Henrique Marques Robes, que se sintonizaram à energia do trabalho e conseguiram sintetizar todas as emoções em um caminho melódico de lucidez e comoção.


Por fim, a arte de capa vem para somar a ideia de choque. Assinada entre Dhyogo Oliveira e Felipe Rufino, ela traz um fundo preto acompanhado do rosto de Palma em evidência. O tom do cabelo e as manchas em preto que preenchem a pele da face sugerem a ideia de sujeira, de marginalização, algo rotineiramente vivenciados por aqueles que estão fora do padrão social. 


Lançado em 23 de setembro de 2022 via Bolo de Rolo, Distopia é um EP que grita e sofre as represálias sociais. No entanto, ele é também um trabalho que zomba a ideia de que o ser diferente é uma contravenção, algo moralmente punível. Em síntese, Distopia é o caos interior rumo à autoaceitação, ao autoconhecimento e ao empoderamento.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.