Mago Trio - Pão e Circo

NOTA DO CRÍTICO
Nota do Público 5 (3 Votos)

O ano de 2021 também guarda surpresas no universo fonográfico. Afinal, os grupos e projetos que nele surgem podem mudar seu formato, vir expondo diferentes gêneros e trazer em sua bagagem as mais diversas influências. Pode acontecer também de o conjunto expor uma atmosfera instrumental, como é o caso da banda pernambucana Mago Trio que se lança ao mercado com Pão e Circo, seu primeiro EP.


Som crescente. Um groove estimulante começa a dar as caras como um cavalheiro convidando a dama para uma dança. Seu charme e swing são lançados ao ar e ganha um adendo de atração quando a batida, corpulenta e sincopada, começa a permear pelo ambiente. Apesar desses ingredientes, o que se vê em sua totalidade é uma ambiência rítmica nordestina que flerta de maneira acentuada com o xaxado.  Quando a guitarra de Eduardo Albuquerque completa a sonoridade, há um despejo de um sentimento que beira a melancolia a partir de suas notas lentas e em tons baixos. Há nesse cenário, no entanto, uma dicotomia rítmica interessante, afinal, a base se movimenta sutilmente acelerada enquanto apenas a guitarra possui passos mais calculados. Com o passar do tempo, porém, Albuquerque adota distorção e o som fica docemente áspero e melodicamente aveludado. Curiosamente, há em Caldo de Cana um tom dramático que entrega uma sobrecarga de peso onipresente para esta que é uma canção majoritariamente alegre, mas que vai mostrando seu significado reflexivo aos poucos. Até que, na ponte, ele passa a se pronunciar por completo. É como uma peça de teatro em seus quatro atos.


Distorcida, grave, rasgada. A cadência e a acentuação dos movimentos sonoros presentes na faixa a enquadram com a melodia estruturada em N.I.B, single do Black Sabbath. Aqui, o baixo de Gledson Lamartine segue com groove exalante e cheio de corpulência ao passo que a afinação da guitarra transita entre o grave do heavy metal, o agridoce de um hardcore criado pelo Charlie Brown Jr. e um ambiência intermediária entre o grave e o agudo que a insere no campo do rock alternativo. Existe um ar de revolta, de indignação. É como se os instrumentos, unidos, estivessem organizando um levante para assegurar seus direitos. Pastel de Pizza é uma manifestação pacífica, mas pronta para explodir caso seja desrespeitada.


Se a faixa anterior se assemelha com N.I.B, Os Saquadores possui uma melodia introdutória que muito se assemelha com a métrica construída no despertar de War Pigs, outro single do Black Sabbath. Afinal, a guitarra entoa um swing rude, mais obscuro, porém com grandes traços melódicos. O groove da bateria de Heligeison Feitosa acaba levando a canção para um ambiente até então inexplorado no EP, pois oferece uma sonoridade fundida entre o punk e seu filho mais novo, o grunge. Até porque, existe sujeira, existe distorção e existe, inclusive, toques agressivos que não machucam, mas chocam pelo seu visual fora do padrão. Um detalhe curioso é que a ponte que liga o refrão ao solo parece ser mais empolgante em suas frases truncadas e excitantes do que o próprio solar da guitarra e a companhia consequente da explosão rítmica.


A música é a maior expressão da alma. Ela traduz sentimentos, conta histórias, promove viagens astrais, extravasa as angústias. Em Pão e Circo acontece uma história, um processo narrativo que sai de uma alegria entorpecente, passa pela transformação da descoberta do descaso e termina com uma explosão de insatisfação traduzida por uma sonoridade áspera, suja e amplamente distorcida.


Por se tratar de um trabalho instrumental, o soim obrigatoriamente teria de soar limpo, claro e equalizado, mas sem atrapalhar as emoções extravasadas pela conjuntura melódica. David Biriguy conseguiu fazer esse trabalho de uma maneira singela e respeitando a euforia de cada integrante. Ele manteve a energia, manteve a emoção. Manteve a proposta crítica.


O que mais chama a atenção com o EP é que a Mago Trio atualizou, de maneira lúdica, o conhecimento da política romana do Pão e Circo. Entreter para persuadir. Divertir para ludibriar. Em essência, eis o sistema político grego. Mas a proposta dos pernambucanos em Pão e Circo é, com o entretenimento, aqui assumindo a forma de música, proporcionar uma manifestação pacífica, mas de alcance universal. Afinal, o som, ao contrário das palavras, traduz melhor do que qualquer texto musicado, os sentimentos e as indignações.


Por último, mas não menos importante, vem a arte de capa. Feita por Soraya Feitoza, a imagem nela formada mostra sem pestanejar duas realidades: a pobreza e a insegurança. Insegurança por um trabalho digno, mas que pouco recebe de apoio governamental. Muitos julgam, mas Tiririca foi um dos poucos políticos a se atentarem à vida circense e a lutar por uma melhora, mesmo que singela, dessa classe trabalhista.


Lançado em 17 de junho de 2021 de maneira independente, Pão e Circo é a perfeita intersecção da arte e da sociedade. Da revolta e da harmonia. Da luta e da resistência. A mensagem que fica é a de que a vida realmente deveria imitar a arte.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.