Luna Motif - Tender Weapons

NOTA DO CRÍTICO
Nota do Público 5 (1 Votos)

Mais um nome surge no circuito da música. O grupo irlandês Luna Motif, após anunciar subsequentes singles desde 2023, chega no primeiro trimestre de 2024 divulgando seu EP de estreia. Intitulado Tender Weapons, o material marca uma mudança na vida da banda, que sai do circuito underground de Dublin e agora alça voos profissionais no mundo fonográfico.


O cenário é noturno, marginal. Chuvoso. As luzes sintéticas dos postes de iluminação são os únicos pontos claros que oferecem um mínimo de alento em meio ao estado de desolamento e solidão vivenciados pelo personagem. Ainda que iludido em seu próprio íntimo sofredor, o protagonista ainda tenta encontrar forçar para se apoiar em qualquer artifício que lhe forneça uma brisa de esperança. É essa a paisagem que a guitarra aguda e ondulante de Marc McBride fornece ao ouvinte em seus sonares introdutórios imediatos. Ocasionando, portanto, em um cenário contagiantemente melancólico, o instrumento é logo acompanhado de uma bateria repicada que, nas mãos de Danny Kettle, insere a precisão rítmica que a canção pede para dar vida a esse estado de espírito entristecido. Enquanto isso, a consistência melódica recai na presença do baixo de Ross Byrne que, com seu sonar estridente, auxilia na amplitude da noção do lo-fi que se mistura em meio à atmosfera post-punk. É então que Christos Salaforis entra em cena com seu timbre agudo e levemente adocicado em seus toques ácidos que pincelam também o stoner rock no circuito melódico. Explodindo em um refrão dramaticamente visceral, Honeydawn não é só uma ode à força e a importância da natureza na vida das pessoas. É uma música que chama pela responsabilidade do ser humano na forma como se lida com e para a natureza, seus recursos naturais, sua fauna, sua flora. O respeito é o que guia a sustentação da harmonia entre os dois mundos. Se isso existir, vem o estado de gratidão em ser humano e ser agraciado pela presença dessa força onipresente que é o meio ambiente.


Seu início é ligeiramente agressivo e áspero, o que lhe permite criar uma grande distância entre a dramaturgia excessiva da canção anterior. Sob uma persona mais ríspida e de pose mais raivosa, a guitarra surge por entre cenhos bem fechados. Seus olhos se encontram fixos em algo ainda enigmático, mas sua mente já se encontra alerta. Pronta para o confronto. Curiosamente, o que se segue é uma sintonia criada entre baixo e bateria capaz de fornecer repentes de um swing consistente e encorpado à melodia. De pose imponente de forma a ser notada na forma como interpreta o presente lirismo, Salaforis não apenas entra em sincronia com o embrionário empoderamento sugerido pela melodia, mas também, aqui, evidencia de forma clara seu sotaque irlandês. Na estrutura de uma mescla entre punk e um rock alternativo ao estilo U2, algo que fica evidente no breve instrumental que divide a primeira da segunda metade, a faixa ainda consegue apresentar uma melodia que flerta com a mesma roupagem de Pense E Dance, single do Barão Vermelho. Com essa aparência, estética, Adventure Kids é uma faixa em que o Luna Motif destaca, engrandece e salienta o direito de escolha, a liberdade da opinião e a força que a juventude rebelde tem no confronto com as diretrizes, sejam elas governamentais, sociais ou até mesmo religiosas, que incutem um padrão comportamental baseado na passividade do conformismo e do não questionamento. 


De certa forma, o novo amanhecer chega a surpreender. Com uma tomada acústica desenhada pela bateria, ela sugere uma ambiência mais branda. Que permite um respiro. Baseado, então, na consistência precisa com que o instrumento constrói a base rítmica, o restante dos instrumentos acabam adquirindo certo grau superior de liberdade de ação. Enquanto a guitarra entra com um riff aveludado, mas de toques estridentes, sob uma sonoridade que flerta com o blues, o baixo, com sua saliência bojuda estrutural, acaba por fornecer uma fluidez melódica por meio de menções sensuais. Assim que as linhas líricas começam a ser preenchidas, Salaforis explora esferas de sua voz ao ponto de deixá-la no mesmo limiar do timbre de Bono, rasgado, agudo e no domínio de sua afinação. De estruturação rítmico-melódica que, conforme vai se desenvolvendo, acaba sendo saliente como um todo, Primal Forces é onde o Luna Motif se usa da figura de uma jovem para aludir à liberdade, mas também e, principalmente, à importância dos quatro elementos da natureza e como eles são capazes de reger a vida do indivíduo, seja ele pensante ou não.


Uma voz de timbre intermediário, levemente nasal, é ouvida naquilo que parece ser um discurso difundido via radiodifusão. Acompanhado de chiados que lhe garantem uma ambiência temporal passada, ele logo é percebido como uma espécie de monólogo discursivo dito por John F. Kennedy a respeito de livre escolha e da preocupação acerca da integridade política estadunidense. Servindo, então, como introdução, essa fala roteirizada dá passagem para um baixo estridente a ponto de inserir o stoner rock à receita melódica, enquanto a bateria vai desenhando a percussão sob uma noção de fluidez elevada. Quando combinados com a guitarra, os instrumentos surtem na construção de um grau de tensão e imponência notáveis. Ainda assim, o torpor, presente como um personagem onipresente, se posiciona como um artifício para aliviar as tensões do presente. Não à toa que, em Firestorm, o lirismo destaca a manipulação política e o consequente hipnotismo em relação ao conformismo, o que, de certa forma, tangencia com o enredo de Adventure Kids. Em suma, a presente faixa põe na mesa de discussão a vigilância, a insegurança em relação à soberania de uma nação e a consequente fantochização de uma sociedade inteira. 


Aqui não existe punk ou mesmo o rock alternativo. A presente introdução traz o puro stoner rock: estridente e no limiar do ácido. Tendo no baixo o principal responsável por criar tal estética, a introdução se posiciona de forma marcante e sedutora conforme a bateria, por entre seus golpes firmes nos tons, se sintoniza com os suspiros da guitarra. Com essa estruturação, Salaforis entra com uma estética vocal que muito se assemelha àquela usada por Alex Kapranos em Take Me Out, single do Franz Ferdinand. Ainda assim, o que surpreende em War On The Street é seu turning point melódico-narrativo, o qual leva a sonoridade a um ambiente metalizado e sombrio, mas ainda com as tradicionais pitadas lo-fis em seu desenvolvimento. Bebendo da fonte de um heavy metal à la Black Sabbath, War On The Street é uma canção tocante que, ambientada em um cenário bélico, assume as vestes dos homens na linha de frente de batalha defendendo o direito pela liberdade. O direito de ser e estar. De ir e vir. Como uma faixa que oferece a dualidade entre esperança e caos, ela exorta a pobreza e a insignificância espiritual que certos governos têm em relação à independência de seus próprios povos. Roubar a liberdade é roubar a essência do indivíduo. E sem a essência, não há vida. Eis então a mensagem por trás de War On The Street: a manutenção dos direitos como forma de garantir a vida onde e como ela deve ser vivida.


Não é apenas um material social, que presa pelo bem-estar do indivíduo e do coletivo. Não é apenas um produto altruísta de repentes utópicos. Não. Tender Weapons é um material que escancara as delicadas feridas político-sociais de um povo ainda engatinhando em relação aos conhecimentos de seus próprios direitos.


Imponente e inquietante, o EP é um produto que discute, principalmente, a noção de liberdade e, a partir daí, tenta desconstruir o véu do conformismo desenhado propositadamente pela manipulação política. Mas engana-se quem pensa que o propósito é o de incitar um levante. O intuito do Luna Motif é criar consciência de como as pessoas são tratadas pelos governantes de suas próprias nações. De mostrar que é possível exercer a liberdade da autenticidade de sua independência de ser e estar.


Contudo, outro ponto marcante explorado em Tender Weapons é aquele relacionado com o meio ambiente. A natureza e a forma como a sociedade lida para com ela é um grande assunto entorno dos enredos do EP. E aqui, o questionamento da forma como se enxerga e se lida com os recursos naturais, além da maneira como os elementos da natureza agem na vida das pessoas, são outra fonte de discussão acaloradamente reflexiva.


Para dar voz a esses enredos questionadores, analíticos e reflexivos, o Luna Motif se aliou a Sean Quinn. Com tal respaldo, o grupo conseguiu dar ao EP a vida necessária para que o enredo melódico soasse como deveria. Assim, o ouvinte consegue, claramente, identificar o punk, o post-punk, o rock alternativo, o lo-fi e o stoner rock como ingredientes a preencher a paleta de texturas do Tender Weapons.


Encerrando o escopo técnico do EP vem a arte de capa. Assinada por Rose Toolen, ela consiste no close daquilo que parece ser um globo ocular de tonalidade mel. Tal imagem não apenas representa a vida, a transparência, os anseios e a esperança. O olhar é onde se é possível identificar os lapsos emocionais mais profundos que um indivíduo pode deixar escapar. E pelo que o material aborda, tal fotografia entra em perfeita sintonia com o senso de liberdade e imponência.


Lançado em 17 de março de 2024 de maneira independente, Tender Weapons é um EP que ensina o ouvinte a ser questionador e a se desprender do hipnotismo conformista disseminado pela camada política. De outro lado, é um material que ensina o espectador a ser mais analítico e humano em relação à vida e respeitoso em relação. Um produto sobre liberdade, gratidão e respeito.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.