NOTA DO CRÍTICO
Um novo nome surge no cenário musical nacional no início do fim do primeiro trimestre do ano. Vindo de Campinas (SP), o duo Arcas se lança no mercado da música global com seu EP de estreia. Intitulado Princípio Da Incerteza, o material vem logo após o anúncio de dois de seus singles.
Seu despertar é animado, alegre e contagiante. Com a guitarra de Lucas Duarte, que desenha um riff agudo capaz de se sobressair perante a melodia introdutória, a canção consegue transpirar um clima de preguiça tal qual quando se está de férias e de pernas para o ar. A levada da bateria de Cesar Eguchi entra em sintonia com essa maciez despreocupada, enquanto auxilia na construção de um frescor que traz consigo a leveza e a inexistência de preocupação. Não necessariamente que existe um quê praiano sendo extraído da sonoridade, pois o que o mar e a areia trazem é a simples desconexão de tudo aquilo que tira o indivíduo do êxtase do bem-estar. E essas qualidades estão bem sintetizadas em Caixilhos. De corpo estridente fornecido pelo groove do baixo na base rítmica, a canção traz uma adorável mistura entre indie rock e soft rock, enquanto Raul Cescato, com seu timbre grave, vai inserindo uma nova textura em meio a embriagante maciez da sonoridade. O curioso é que, apesar dessa ambiência contagiantemente leve e alegre, Caixilhos é uma música que apresenta um indivíduo frustrado com a vida e consigo. Que tem o ideal de recomeçar, mas aparentemente não tem coragem para tal ato. Com dificuldade de observar as oportunidades postas de lado, esse mesmo personagem se rende ao destino como meio de deixar a vida acontecer, ainda que se mantenha na sina de compreender aquilo que não aconteceu.
Ao fundo, o barulho do mar surge como um silêncio natural, o som do nada. Um zumbido que acalma, mas que também embriaga. Junto a ele, Cescato transforma a ambiência introdutória em um típico frescor praiano, cujo embrionário toque do reggae faz com que a canção transpire uma familiaridade estética com músicas de autoria tanto do Chimarruts quanto do Natiruts. Contagiante em sua brandura de um Sol poente em uma tarde de verão, À Deriva tem uma surpreendente crescente harmônica, quando o trompete e o trombone de Luís Fernando do Nascimento entram para dar mais acidez e mais calor à melodia. Ainda assim, existe uma melancolia latente na essência da composição que nem mesmo os metais conseguiram ofuscar. Uma melancolia que simboliza o sentimento norteador do cerne do personagem lírico. Um alguém perdido na vida, sem direção. Um alguém que, assim como aquele de Caixilhos, é frustrado pelos planos não concretizados, mas que se mantém firme na estrada da vida. Afinal, nas palavras do próprio protagonista, “a vida é cheia de aventuras que você não sabe onde vai chegar”.
O Sol é reenergizante no horizonte com seu amanhecer místico e de tonalidades crepusculares. Não há mormaço, apenas o contágio do nascer do dia com seu clima fresco e motivador. Com pouco, a melodia introdutória favorece esse cenário imagético, enquanto um pop praiano começa a dominar o escopo melódico. De bateria com levada mais precisa e compassada, o ritmo passa a ser mais marcante em sua estrutura, enquanto sua aparente rigidez surge apenas como um artifício para colocar toques a mais de consciência no contexto de requintes transcendentais e embriagantes. Com um mergulho ácido flertante com o stoner rock, Perseverar tem versos melódicos dramáticos e outros que apresentam uma quebra rítmica que levanta sua narrativa. Isso acontece quando, na ponte, Rike, vindo da banda NDK como convidado, insere o rap no diálogo, fornecendo uma fluidez mais urbana, mas também mais ritmada e curiosamente convidativa. Perseverar parece, inicialmente, se tratar de uma desavença amorosa e, portanto, de um personagem em busca da superação das dores do coração. Porém, em verdade, a canção, como seu próprio nome sugere, traz um contexto amplo em que o perseverar vale para todas as vivências da arte da vida. Para isso, o Arcas ensina o ouvinte a ter equilíbrio emocional para, enfim, conseguir manter o foco no processo rotineiro do dia após dia, de ter resiliência, disposição, autoconfiança, empoderamento, fé. Disciplina. A inteligência de saber o que assimilar e o que descartar. A sabedoria de identificar aqueles que querem motivar e os que querem boicotar. Perseverar é uma aula sobre como levar a vida. Uma obra que, pelo seu contexto lírico-melódico, alcança incontestavelmente o título de melhor e mais importante canção de Princípio Da Incerteza.
É verdade que o material é curto. Afinal, ele tem pouco mais de 13 minutos de duração. Contudo, nessa fração temporal, o Arcas, por meio de Princípio Da Incerteza, trouxe uma junção de três diálogos que transitam entre o torpor, a melancolia, a alegria manipulativa e a perseverança. Por isso que seu material de estreia pode ser simbolizado como um motivador na confiança da sabedoria do destino.
Com melodias e harmonias bem trabalhadas, o EP conseguiu fazer com que o ouvinte transitasse entre o indie rock, o pop, o reggae e o soft rock, mas, sensorialmente, entre a maciez, o drama e a equalização energética. E esse feito se deve também, principalmente, pelo trabalho de Alexandre Chapola, que se encarregou pelos trabalhos de mixagem e produção.
Por meio do profissional, a sonoridade se tornou madura, limpa, clara. Compreensível para todos os ouvidos. Os timbres usados para dar vida aos diálogos se apresentaram completamente audíveis até mesmo nas divisões líricas e o baixo, instrumento que nem sempre é percebido, sempre esteve lá, marcante e indispensável na construção do corpo de cada um dos capítulos.
Fechando o escopo técnico vem a arte de capa. Também de autoria de Duarte, ela traz a fotografia dos dois integrantes posicionados em diferentes lados de uma janela, fornecendo uma referência direta ao abre-alas de Princípio Da Incerteza. Quase como se abusasse no tom negativo das cores, a imagem é como se passado e futuro se conversassem a partir da transparência do vidro da ventana. Explorando também na velocidade da captação de luz, essa mesma interpretação ganha força ao serem observadas sobreposições visuais dos músicos, sugerindo, de maneira concreta, a ideia de transição temporal.
Lançado em 03 de março de 2024 de maneira independente, Princípio Da Incerteza é um EP curto, mas forte em suas mensagens. Um material que, por meio de melodias leves, swingadas e contagiantes, convida e força o ouvinte a entender que não existe manual de como viver e a aceitar o destino. Mesmo que ocorram situações desagradáveis que conseguem fazer o equilíbrio emocional titubear, a principal mensagem deixada pelo EP é, assim como versa Cescato: não deixar ser derrubado.