Tito Carlos Trio - Tito Carlos Trio 1

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Durante a pandemia, a capital fluminense, entre tantos desgostos, pôde ter um respiro de beleza ao presenciar a formação de outro componente musical representante do rock. O Tito Carlos Trio é o novo projeto do músico carioca Marcos Muller e teve seu nascimento confirmado com Tito Carlos Trio 1, seu álbum de estreia.


Uma maciez estonteantemente contagiante paira pelo ambiente. A batida em 4x4 e a tranquilidade sinérgica com que os instrumentos se movimentam cria uma sonoridade serena, mas agraciada por rompantes de swing reggaeados trazidos pela guitarra de Marcos Muller que conseguem introduzir uma alegria sincera. Flertando com o pop rock e, curiosamente, criando uma similaridade melódica com I Was Wrong, single do Social Distortion, a partir da sincronia das guitarras no final das frases rítmicas, Não Vou Sorrir é uma música romântica com traços cômicos tímidos. Trazendo brisas de dependência na figura do outro e insegurança, Não Vou Sorrir ainda consegue ser carregado de uma energia nostálgica cativante.


Um groove tercinado construído pelo instante de solar da bateria de Marcelo Callado dá o amanhecer do novo cenário. Com corpo e maturidade já evidentes graças aos rompantes bojudos do baixo de Gustavo Benjão acompanhando a guitarra, o swing continua sendo um ingrediente presente e marcante na sonoridade. Tornando possível uma degustação mais profunda do timbre de Muller, o ouvinte o percebe ser suave, agridoce e identifica a língua presa como um traço que confere ao lirismo autenticidade interpretativa. Como um pop rock-reggae praiano capaz de trazer o frescor do mar, Amor tem um fundo romântico no que tange a motivação do destino, do foco no caminhar. Porém, a canção mostra um personagem simplesmente com amor à vida que dá confiança ao acaso para descobrir o que a vida tem para lhe oferecer.


Com um ritmo levemente mais melancólico construído sob a base do indie rock, a canção surpreende ao trazer um primeiro verso desenhado sob a estética do samba. Com leveza melódica e sutileza lírica, Sem Direção, como o próprio nome sugere, mostra um personagem perdido, mas com vontade e gana de encontrar um novo caminho para seguir. Um personagem sedento pela sensação de acolhimento fomentada pela noção de pertencimento a um lugar ainda a ser encontrado. Um movimento que, inclusive, o auxiliará a conhecer mais de si mesmo.


Trazendo um indie rock levemente mais acelerado em relação àquele de Sem Direção, a presente canção consegue, curiosamente, apresentar uma estética rítmica capaz de conter, a partir dos golpes secos no chimbal durante a transição da introdução para o primeiro verso, súbitos parentescos com a melodia de Redundant, single do Green Day. Agraciada por sonoridades ácidas vindas do órgão e pinceladas durante o refrão, Baile é uma música que configura o humor como ingredientes que moldam o padrão sonoro do Tito Carlos Trio e, consequentemente, de Tito Carlos Trio 1. Leve e contagiante, Baile tem um aroma jovial e consegue unir remorso e nostalgia em um enredo cômico sobre duas pessoas que se cruzam por sobrarem em um baile. A vontade do reencontro é capaz de reascender aquela primeira paixão adolescente sentida pelo ouvinte, algo que aproxima o espectador da canção e cria quase que como um laço de intimidade entre o personagem lírico e o ouvinte. Um grande feito de Baile.


O swing amaciado e refrescante já padrão do Tito Carlos Trio retorna com suavidade e malemolência na introdução que sonoriza o entardecer de um dia de verão. Curiosamente, existem traços melancólicos latentes nas frases proferidas pelos instrumentos, os quais, em contato com o guia lírico, formam uma sincronia que mistura reflexão e tristeza. Conseguindo criar a mesma energia sofrida de I Am The Highway, single do Audioslave, 2020 fala do medo, da incerteza e da angústia de tempos impotentes. A dança e a festa levantadas durante o refrão são apenas artifícios para fazer a mente se desligar do sofrimento e do iminente fim que se aproxima.


Contagiante a partir da sutileza da valsa da guitarra. Encorpada e presente por conta das frases bem pronunciadas do baixo. Flertando de maneira extremamente sutil com o fado, Não Sei Se Sou Capaz é uma canção que dialoga sobre o fim do relacionamento, a superação de uns e o sofrimento de outros. Cheia de uma nostalgia melancólica, Não Sei Se Sou Capaz, assim como Não Vou Sorrir, traz consigo um personagem abraçado por um forte senso de insegurança em uma melodia que consegue flertar levemente com a sonoridade construída em Castaway, single do Green Day.


Contagiante, amena e ao mesmo tempo alegre, Um Bandido tem o protagonismo do baixo na criação do peso rítmico, o qual, surpreendentemente, flui para uma harmônica e atraente melancolia ao atingir o refrão. Trazendo uma brisa de semelhança com o compasso sonoro de Crazy Little Thing Called Love, single do Queen, Um Bandido tem um enredo penetrante que dialoga sobre intensidade na superfície e de pertencimento nas profundezas líricas. É sobre alguém buscando, inclusive, o sentido da vida. Um Bandido consegue ser a canção mais interessante e atraente de Tito Carlos Trio 1.


Misturando indie rock com pitadas de new wave de maneira a flertar com as melodias das canções Boys Don’t Cry, do The Cure, e Open Your Eyes, do Snow Patrol, Loucos De Pedra tem um caráter propositadamente dissonante em sua sobreposição vocal enquanto dialoga sobre o tempo, sobre ciúmes. Sobre a fuga da realidade como tentativa de fugir de si. Curioso notar que, em alguns momentos, o Tito Carlos Trio parece fazer alusão ao consumo de crack, o que fortalece ainda mais a interpretação da necessidade da fuga do presente.


Não tem o que enrolar. Tito Carlos Trio 1 é um trabalho swingado, extremamente macio e contagiante. Sereno, atraente e penetrante, o álbum traz, sem medo, diversas referências e influências musicais dos integrantes do trio, o que culminou na construção de uma sonoridade retro-criativa de notável interesse.


Dialogando sobre insegurança, medos, tristezas, impotência e pertencimento, tudo em torno de enredos românticos, o Tito Carlos Trio consegue convidar o ouvinte a olhar para si e buscar entender suas próprias lacunas emocionais. O curioso é que esse processo acontece perante enredos lírico-melódicos harmônicos que, muitas vezes, tem um lado cômico sutil.


Tendo agora, ao lado de Muller, Claudio Werneck no baixo, e Robson Riva na bateria, o Tito Carlos Trio terá um trabalho maior para recriar as ambiências rítmicas construídas por Benjão e Callado. Afinal, por meio deles o Tito Carlos Trio 1 se solidificou através da mistura entre samba, indie rock, new wave, pop rock e reggae. Ainda assim, essa não será uma tarefa difícil.


Trazendo uma arte de capa que remete à formação de uma banda de jazz da década de 1930, vertente retrô que é fortalecida pela mistura de cores preta e roxa, o Tito Carlos Trio 1 teve produção assinada por Benjão, o que auxiliou na obtenção de autenticidade e sincronia lírico-melódica.


Lançado em 30 de setembro de 2022 via Pomar, Tito Carlos Trio 1 é a saudade do passado e o frescor do presente. É um disco que mistura melancolia e alegria. Reflexão e diversão. Romance e introspecção. Um trabalho cuja maciez envolve e o enredo prende até a última frase.













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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.