Lo Fi e Days of Hate - The Magnificent Regressive Band

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Uma carona. Foi em 2015 que Rogério Aguiar, guitarrista do Lo Fi, serviu como motorista do duo Days of Hate no traslado aeroporto – São Caos Festival, evento feito na cidade de São Carlos (SP). Esse foi o estopim para o nascimento de The Magnificent Regressive Band, álbum conjunto entre Lo Fi e Days of Hate.


É como a Lua ressurgindo por trás de nuvens carregadas perambulando pelo céu de uma noite escura. A guitarra em riff distorcido, bebendo de uma estética heavy metal obscurantista tal como a do Black Sabbath observada principalmente em seu início de carreira, caminha por entre o lodo como um cão de garras arriadas. Esse cão acaba por ganhar um companheiro em sua matilha. É Samuel Sales que já mostra dominância com seus grunhidos ásperos e ocos, os quais imprimem, em Cactus Gypsy Theme Song of Desperation and Joy, referências ao noise rock. Aumentando esse ar universalista de lenda, há uma brutalidade excedente na sonoridade que é trazida por um duplo punch empregado pelas baterias de Cesar Chiozzo e Marcelo Bastos.


Os grunhidos ganham ambientação de gritos desesperados. Esse sentimento é contagiante e acaba passando para a bateria, a qual desenvolve um groove descontrolado, acelerado e descompassado. Parece punk, parece grunge. Mas a verdade é que a introdução já mostra uma sujeira sonora que não cabe em tais rótulos, afinal aqui o fator melodia parece ter sido extinto. De repente, é como se o ouvinte entrasse no olho do furacão. A loucura anti-melodia continua ali, ao redor, mas, como ponto central, está um riff cheio de swing macio tal como pede o hard rock. Esse swing, acompanhado harmonicamente pelas linhas groovadas do baixo de Rogério Aguiar, acaba dando passagem para um verso de base blues. Sincopado e atraente, ele possui, ainda, influências sutis do country blues sulista dos Estados Unidos. Curiosamente, esse mesmo riff de guitarra que domina a dianteira melódica da segunda estrofe de Southern Nights possui muito parentesco com aquele riff empregado por Frejat em Cuidado, single de sua autoria.


É verdade que os primeiros instantes de Elvis From Hell fazem parecer que a faixa será majoritariamente melódica. Porém, nos segundos seguintes um som ensurdecedor se forma. Adiante, esse barulho vai sendo lapidado até se tornar audível, momento em que se percebe que, ritmicamente, houve uma imersão no universo punk rock estadunidense dos anos 70. Mais especificamente, o primeiro e único verso da faixa é todo modelado com um som obtido na escola dos Ramones.


A influência ramônica continua e ainda mais firme, pois é notada desde o começo. Como o próprio som dos Ramones, Ice Age (The Second Coming) é uma faixa que transita pela tênue fronteira entre o punk rock e o pop punk. Por essa razão, há na música uma forte contribuição do power trio Lo Fi no que tange a imersão nesse subgênero do rock. É curioso, ainda, como o timbre e a dicção do cantor se parecem com o jeito de cantar de Joe Ramone.


Uma guitarra de riff zombeteiro e desafinado entra em cena. Os grunhidos ásperos e ululantes tal como o screamo pede retornam trazendo consigo um groove de bateria pesado e sujo. Trazendo gritos de ordem, o vocal de Thiago Roxo sobrevoa um cenário caótico formado por uma sonoridade que bebe de fontes como screamo, noise rock e espirros de psicodelia. Essa é Low Down Shacking Chill.


A bateria dá a deixa. Gritos rasgados e desesperados novamente buscam espaço. Quando o primeiro verso se inicia, se percebe um grande parentesco melódico desse trecho com aquele empregado durante toda a extensão de You’re Crazy, single do Guns and Roses. De outro lado, a cadência vocal aqui construída se assemelha com aquela empregada por Scott Weiland em Let It Roll, single do Velvet Revolver. Porém, a partir das linhas do baixo, a música entra em um turning point. Um novo ambiente é vislumbrado. Uma psicodelia mista entre progressivo e blues ao estilo de Time, single do Pink Floyd acaba se firmando no horizonte. Visto isso, Mr. Harvey Makes More Sense Now é aquela faixa de ritmo complexo que começa noise, evolui para o punk rock e transita pelo post-grunge, pela psicodelia e pelo blues.


Puro barulho. Ensurdecedor e anti-melódico. Gritos agudos desafinados, grunhidos ocos, bateria de groove truncado e sem compasso. Isso é The Very Incarnation Of The Blues, interlúdio que serve de passagem para The Immortal Real Music, outro interlúdio que fecha a dobradinha de faixas seguidas com assinatura única e exclusiva do Days of Hate. Pura loucura musicada.


Melódico. Não fosse a distorção, seria puro veludo. O interessante aqui é que, somente com a afinação e a forma como a sonoridade da guitarra se movimenta, o ouvinte traz à mente a harmonia existente em Hide, single do Creed. Apesar de a bateria e a guitarra se mostrarem fora de sincronia em alguns momentos, a conjuntura traz uma mescla de progressivo, post-grunge ao estilo Pearl Jam, e sim, o blues como base. Women And Whiskey Taught Me How To Pray é uma jam extasiante.


Um suspense com sobrevoo de stoner rock. O domínio da sonoridade heavy metal trazido pela guitarra faz um looping narrativo que traz à tona novamente Cactus Gypsy Theme Song of Desperation and Joy. Eis que Cesar Chiozzo entra com uma bateria de frases caóticas trazendo o noise à cena central criando uma dicotomia com o riff linear da guitarra. Esta é The Wind, The Sea And Some Colors With The Swamp Jesus And A Reverend.


The Magnificent Regressive Band retrata uma união inusitada, diga-se de passagem. Days of Hate e Lo Fi, apesar das imensas diferenças rítmicas mostraram que é possível uma coexistência saudável em um mesmo ambiente graças ao único laço em comum, o rock. Foi o gênero em si, através de suas inúmeras ramificações, que tornou possível essa cooperação.


E o álbum captou bem essa coexistência amistosa. Afinal, em muitas faixas o punk rock se une ao noise em uma divisão periódica igualitária. Cada banda teve seu espaço para expor suas vertentes sonoras em cada uma das 10 faixas do disco, mesmo que, claro, alguns subgêneros se sobressaiam ante outros.


O mais interessante é que nessa bagunça o ouvinte consegue ver, no som construído, a influência de nomes notórios no mundo da música. De Black Sabbath a Guns and Roses. De Velvet Revolver a Pearl Jam. De Ramones a Creed. Uma completa miscigenação que faz com que, apesar de tudo, The Magnificent Regressive Band seja um disco amplo e até complexo.


Tudo isso foi bem captado na arte de capa, inclusive. Feito por Lobo Ramirez, ela exala simplicidade, mas a partir do retrato dos cinco integrantes percebe-se bem o que é essa união de Lo Fi com Days of Hate. É a bagunça e a organização. O improviso com o metódico.


Lançado em 12 de maio de 2021 via Abraxas Records, The Magnificent Regressive Band é a dicotomia sonorizada. Caos e ordem. Melodia e barulho. Agressão e sutileza. Groove e aspereza. É como terra e ar, água e fogo. O disco é a pura prova de que sim, os opostos se atraem.



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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.