Móbile Drink - Móbile Drink

NOTA DO CRÍTICO
Nota do Público 5 (1 Votos)

Não havia planos para o lançamento de outro material cheio, mas o tempo fez que isso acontecesse. Saindo cinco anos após (a)morfina, seu último trabalho, o autointitulado novo EP do quarteto carioca Móbile Drink foi gravado no Estúdio Túnel e segue a liberação de dois singles realizada entre 2020 e 2021. 


Depois que um golpe uníssono entre a estridência da bateria de Bruno Valadão e o encorpado baixo de Felipe Pinheiro dão o despertar imediato, um som cru, de essência espontânea e com um toque de sujeira de garagem penetra no ambiente como uma espécie de fusão entre torpor ácido e swing a partir de um frenesi propositadamente desengonçado da guitarra de Alex Ketzer. Quando o primeiro verso enfim se anuncia com a entrada do vocal mole e de embrionário veludo de Ronan Valadão, Veneno Chumbo não esconde a influência de nomes como Cazuza, Barão Vermelho e até mesmo do Heart em sua melodia áspera e suja. Trazendo um solo de guitarra acelerado, cheio de sobe e desce de escala melódica e com um misto de leveza californiana e agressividade, Veneno Chumbo é a relação com a solidão lancinante associada à falta de fé.


A guitarra surge com um teor melódico embebido na acidez de uma distorção embrionária enquanto a bateria insere uma cadência sincopada e repicada de forma a fortalecer o som oco de seus tons e surdo, o que proporciona a criação de um ritmo curiosamente intrigante. Leve, swingada e com protagonismo do baixo entregando corpo à base rítmica, Pela Cidade, por conta do movimento e afinação da guitarra, pode trazer à mente do ouvinte uma ligeira semelhança estética com a melodia de Times Like This, single do Foo Fighters, algo que se dissipa ao passo que a presente canção se matura como um produto hard rock. Uma música livre, de um personagem perdido em um senso desmedido de insaciedade. Um indivíduo de veia urbana, que sabe as malícias da cidade, que se relaciona com o tempo e se coloca à disposição do acaso. Pela Cidade é como a personificação de um andarilho cuja vida vai ganhando suas próprias silhuetas ao passo que o destino oferece as escolhas que moldarão uma vida.


Com um heavy metal de mistura entre Iron Maiden e Ozzy Osbourne, a melodia apresenta, a em meio a perigosas esquinas sensuais, uma base rítmico-melódica embebida no soturno e no sombrio. Não à toa que É O Rio traz em sua receita detalhes de doom metal a partir da densidade grave e momentos de propositada lentidão melódica para dar peso a uma narrativa que retrata a cidade do Rio de Janeiro. Sem pudor, timidez ou qualquer obstáculo de censura, a Móbile Drink se usa da arte da música para, em É o Rio, criticar a impunidade policial, a corrupção, a falta de ordem e a cultura capitalista e a falsidade manipulatória religiosa. Uma cidade dissecada até sua mais profunda tripa. Visceral, ardente e latejante. Uma realidade que muitos veem, mas poucos conseguem realmente enxergar e assumir sua existência.


Cru, sujo, sensual. O EP autointitulado da Móbile Drink demorou para chegar, mas mesmo com sua curta duração, conseguiu mostrar presença, precisão e uma certa maturidade melódica. Podendo dizer que se apropria de um viés mais politizado e crítico, o material traz consciência de mundo e uma necessidade de escancarar aquilo que é inconscientemente ofuscado pela cegueira coletiva.


Drogas, manipulação religiosa, impunidade policial, a lei do mais forte em um mundo capitalista. Esses são os assuntos que dominam os três capítulos que formam Móbile Drink. Todos abraçados por uma conjuntura melódica que, bem fundidas e equalizadas pelo engenheiro de mixagem Marco Esteves, transita entre o heavy metal, o doom metal, o hard rock e pitadas de glam rock. 


Com o profissional, o EP manteve sua essência de garagem e crueza, mas também mostrou a musicalidade do quarteto, que fez dos enredos uma espécie de poesia que mistura conceitos marxistas e existencialistas. Tal feito mostra, inclusive, uma empreitada ao campo da sensibilidade, mesmo que o Extended Play tenha soado mais denso e pesado que seu antecessor, (a)morfina.


Fechando o escopo técnico do EP vem a arte de capa. Assinada por R. Valadão, ela apresenta a imagem de um bueiro sob a luz infravermelha. É como se, apenas com uma imagem, o Móbile Drink dissesse que o material a ser ouvido envolve a sujeira e os grandes podres de uma cidade e um país vendidos como maravilhas incontestáveis.


Lançado em 06 de julho de 2023 de maneira independente, Móbile Drink é o escancarar da verdadeira face de uma cidade maravilhosa. É o rompimento da cegueira coletiva. O desbunde, a urgência, a agonia. A necessidade de ver o mundo sob a ótica da realidade ante a hipnótica censura político-religiosa. É o Rio, é o Brasil. É a verdade de um país mal-administrado que vive às custas de um dinheiro inundado em corrupção.










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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.