Jova - Casa Caída

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Com carreira iniciada oficialmente em 2020 com o anúncio do EP de estreia Músicas Para Ouvir Perdido Na Floresta, o cantor da Baixada Fluminense Diego Jovanholi, mais conhecido como Jova, após uma sucessiva divulgação de singles, enfim anuncia seu novo trabalho. Intitulado Casa Caída, este é o quarto EP da trajetória musical do artista.


É como um feitiço, uma brisa colorida que vem do horizonte e encanta pela sua beleza. Um sobrevoo de vento que traz consigo uma capacidade hipnótica e até mesmo manipulatória a partir de suas notas agudo-gélidas trazidas pelo sintetizador de Gustavo Schirmer. Com a entrada de uma bateria de groove seco, o sensitivo começa a ganhar contornos de racionalidade enquanto a guitarra vai oferecendo, com seu riff entorpecido e macio, um tom melancólico inebriante. Evoluindo para uma embrionária paisagem ensolarada, a melodia começa a assumir ares mais maduros da new wave que dão embasamento para a entrada de uma voz, cujo timbre ameno, singelo e levemente agridoce, vai desfilando um aroma floral. É Jova que, com seu tom sutilmente metálico, faz de Velho uma canção de intenso groove a partir dos rompantes bojudos do baixo e que dialoga sobre a relação com o passado, com as memórias, com um gatilho de sofrimento frequentemente evitado. O desabafo, o enfrentamento, o evidenciar de frases, sentimentos e palavras reprimidas e nunca antes ditas, o que pode ter gerado remorso. Velho é a soltura da dor, da culpa e do próprio remorso.


Enquanto a melancolia era apenas um dos ingredientes a compor a receita de Velho, na faixa-título, ela é o fator sensitivo protagonista. Trazida por uma guitarra de riff levemente grave e sofrido, ela possibilita a criação de um cenário cinza e chuvoso. Quando a agudez da guitarra se sobressai ante o caminhar cabisbaixo do baixo, é possível ver feixes de luz rompendo as nuvens que dão vasão a uma chuva de caldas finas como um véu. Com uma base dançante a partir da reinserção da new wave na paleta rítmica, a canção toma ares curiosamente motivacionais e construtivistas enquanto Jova assume um vocal encorpado e aberto que faz lembrar aquele de Florence Welch. Com toques de lounge music, a faixa-título é um devaneio de inconstância e instabilidade emocional que evidencia o conflito do autoconhecimento. Ainda guardando a relação com as memórias, assunto já abordado em Velho, a presente composição oferece um árduo caminho rumo à maturidade do sentir. A faixa-título é simplesmente o despimento da dor, a purificação da alma, mas também a percepção de que o imperfeito faz parte do caminho da plenitude.


Com uma ambiência dançante fresca e menos dolorida, os beats assumem um protagonismo evidente não apenas na receita rítmica, mas também melódica desse novo cenário. Mantendo a lounge music no escopo sonoro, Novo Dia possui, curiosamente, uma semelhança estilística com o sonar dominante de Ainda Gosto Dela, single do Skank. Com mais presença da guitarra, que aqui acaba inserindo frases contagiantes e mornas do soft rock, Novo Dia é um produto conotativamente entorpecido de caráter que flerta com o transcendental enquanto o personagem lírico reflete como o intenso peso da solidão o tirou a perspectiva de enxergar o mundo com olhos vivazes. É como se ele enfim percebesse que o sofrer é o pior aliado para alguém que busca algum tipo de alento na vida.


O veludo do fender rhodes reinsere a melancolia na receita sensitiva de Casa Caída. Enquanto batuques bem espaçados vão informando a cadência rítmica, uma voz grave, adocicada e sincronicamente gélida entra em cena. É Lyya dando suporte a Jova no enredo de Vacilei, uma música de fundo romântico que dialoga com a culpa, o arrependimento e a vontade de retar os laços afetivos. Apesar de seu fundamento romântico, Vacilei simplesmente estimula e comunica o ouvinte a viver a vida, a não perder tempo com comportamentos esnobes e se atirar para as experiências.


Misturando o indie rock com trip-hop, o sintetizador aveludado e agudo comunica uma notável sincronia com o groove sincopado da bateria, o sobrevoo azedo da guitarra de Jova e o baixo de linhas sisudas e densamente graves que servem de base para os versos de ar. A partir de uma embriagante noção psicodélica introduzida pelo wurlitzer, em Drácula Ferrado E Mal Pago existe uma interpretação inquietante e quase esquizofrênica de alguém que, assim como ocorreu em Novo Dia, convive com a solidão. Um personagem em busca de pertencimento, acolhimento e que lida com um estado de ócio atordoantemente incômodo.


Ao se ater ao título, muitas ideias vem à cabeça sobre o que de fato se trataria o presente EP. Casa Caída é a representação de uma pessoa cujo estado emocional e alicerce sentimental estão desmontados, mas escondido por uma enganosa noção de controle. É o processo do autoconhecimento que faz com que o personagem lírico tenha sua essência moldada como se fosse do zero. É a educação do viver.


Não à toa que esse viés conflitante é abordado em todas as suas canções. Por meio delas, Jova dialoga sobre sofrimento, solidão, dores, autoconhecimento e ausência de pertencimento, emoções que fazem adormecer o brilho pela vida e despertar um senso de melancolia lancinante e enganosamente reconfortante.


Nesse contexto, Jova se aliou a Nico Braganholo para criar uma espécie de experiência melódico-sensorial incontestável. A partir da mixagem feita pelo profissional, o ouvinte pode caminhar por diferentes ambientes que vão da new wave e transitam pela lounge music, soft rock, indie rock, trip-hop e base psicodélica. Assim, o espectador consegue, inclusive, entender os diálogos com o tempo e a memória tão conflitantes presentes no material.


Já a produção de Schirmer fez de Casa Caída um enredo linear embebido em melancolia cujos principais alicerces são o autoconhecimento, o amadurecimento e a percepção da necessidade de se sentir pertencente e, principalmente, incluído. É assim que se apresenta o personagem lírico: intensamente perdido na imersão do seu próprio inconsciente.


Fechando o escopo técnico, vem a arte de capa. Assinada por Artur Rocha, ela traz uma obra simples e autoexplicativa. O interessante nisso é perceber que os traços do desenho comunicam a ingenuidade e a imaturidade que transcendem do personagem. De teor até mesmo infantilizado, a obra evidencia um dos principais desafios do eu-lírico durante todo o EP, que é lidar com a memória, com o passado.


Lançado em 14 de abril de 2023 via Pomar, Casa Caída é a representação da angústia de um indivíduo em perceber as origens de seus sentimentos conflitantes e predatórios. É o dialogar com o passado e com a própria essência de um personagem que, enfim, cria consciência de sua própria fragilidade.












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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.