Jamie Miller - The Things I Left Unsaid

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Ele surge dois meses depois do último lançamento. The Things I Left Unsaid, o quarto EP da carreira do inglês Jamie Miller, foi gravado entre as locações do estúdio de Adam Yaron e o NRG Studios, localizados em Los Angeles e North Hollywood, ambos nos Estados Unidos.


Entre chiados e um sonar curiosamente esotérico, uma voz aguda e levemente aveludada surge em uma mensagem de voz deixando um recado motivacional, de orgulho e de fortalecimento. Ao se encerrar, o áudio dá passagem para que notas graves e gélidas do piano sejam proferidas de maneira espaçada, fornecendo um crescente senso de dramaticidade ao cenário de cunho melancólico. Entre melismas que introduzem raspas de R&B na canção, uma voz agridoce surge em uma cadência midtempo. É Jamie Miller experimentando falsetes roucos enquanto dá o ingrediente sofrido e intenso a Intro, uma faixa de lirismo drástico em que o personagem verbaliza não saber como ser feliz. Por meio de maus hábitos e uma necessidade cortante de superação, o indivíduo se vê na realidade da autoanulação em prol do outro que não correspondeu com reciprocidade. O cansaço do fingimento se une à busca do amor-próprio. E o encontro das verdadeiras necessidades do ‘eu’ é o cerne de Intro.


O ímpeto cabisbaixo, choroso e melodramático segue no novo horizonte. Na companhia daquele mesmo artifício sensitivo fornecido pelo piano, a canção, em meio à lancinante interpretação de Miller, possui rompantes harmônicos a partir de um coro grandioso que faz das dores sufocantes e desesperadas do personagem uma verdade inteiramente canibal, mas não mais forte que a vontade da superação. O trunfo de No Matter What reside justamente no fato de ela ser uma obra motivacional, em um produto que se aproxima da realidade do ouvinte e quebra a barreira artista-audiência. Como uma música que trada da depressão incentivada pelo medo e pela insegurança, ela comunica, em forte e bom tom, que mesmo nos momentos mais doloridos, ninguém está sozinho. O amor incondicional, a persistência e o companheirismo sempre romperão a fortaleza da solidão.


É como observar o mundo de dentro de uma bolha de acrílico. Entre passado e presente, a paisagem do lado de fora vai exibindo vivências, situações e diálogos como um inconsciente maximizado. Assim, a saudade domina todos os poros do ouvinte enquanto o personagem de Empty Room grita, esperneia e chora as lembranças de um passado grandioso e os planos de um amanhã inexistente. As falas não ditas, os desejos não materializados. O arrependimento, a culpa. Empty Room é o sintoma da memória acometendo um indivíduo embebido em desolamento e na dor de um coração partido.


Sob uma roupagem ligeiramente mais animada por conta da inserção do sonar da guitarra, a canção ganha um ambiente levemente ensolarado. Agora inserindo o indie rock em meio ao pop melodramático e lacrimal, Miller faz de Rooting For You, uma faixa com sutis fusões de rock alternativo, um interessante ponto de vista sobre o término de relacionamento. Funcionando, portanto, como uma espécie de continuação de Empty Room, em Rooting For You, Miller dialoga sobre o sentimento de menosprezo associado ao senso de falta de valorização. Ainda que seja adornada por um refrão alegremente chiclete, a canção fala de decepção, de uma forma de traição de essência, mas também da beleza da resiliência, da superioridade e da capacidade de ser compersivo.


É chuvosa, mas também transcendental. De cunho tão dramático quanto aqueles de No Matter What e, em menor grau, Intro, Maybe Next Time vai reafirmando e arregimentando o minimalismo melódico de The Things I Left Unsaid, enquanto segue com o diálogo imbuído no sofrimento propagado pela quebra da convivência de um relacionamento. Tendo as sensações de incompetência, da decepção, da culpa e da saudade, todas misturadas em um caldeirão de ebulição única. Maybe Next Time é a vontade de não repetir os mesmos erros, de se superar e de, ao menos para o próprio inconsciente, se perceber melhor e mais forte.


Macia, repetitiva e hipnótica, a melodia linear causa uma maciez sintética que conforta o ouvinte. Ainda que dramática, Only Place recria o feito de Rooting For You e proporciona uma curiosa antítese lírico melódica, pois em meio ao sofrimento, existe o cativante. Curiosa e surpreendentemente, porém, em Only Place o ouvinte não encontra um Jamie Miller se punindo ou encontrando respostas dentro de si para causar um alento quanto à possibilidade de um retorno amoroso futuro. Aqui, Miller se percebe fortalecido, consciente e certo de suas vontades. Não à toa que parte dele o ato do término. Um ato motivado pelo cansaço perante um comportamento tóxico vindo da outra pessoa. Por isso, Only Place é a música mais significativa do álbum.


Apesar de ter alcançado a marca dos 26 anos, Jamie Miller faz, de The Things I Left Unsaid, um EP de extravaso de todas as suas emoções ebulidas a partir das experiências de relacionamento. Um trabalho em que exorta a culpa, a decepção, o desolamento, a raiva e a depressão em um mesmo caldeirão na busca por autovalorização.


Não à toa que, entre as seis músicas que compõem o presente trabalho, é inquestionável que as mais significativas são No Matter What e Only Place. Afinal, enquanto na primeira o cantor se encontra na mais profunda tristeza da rejeição, na segunda é ele quem dita as regras a partir do cansaço da sensação do menosprezo e da ausência de reciprocidade.


Ainda que em uma estrutura sintética minimalista, Miller consegue trazer uma curiosa gama de ritmos ao seu EP de base teen. Com o apoio de Matthew Huber, The Things I Left Unsaid transita entre o indie rock, o rock alternativo e o pop de maneira a criar desde ambientes chorosamente intimistas para outros alegres e de um Sol nascente. 


Sintetizando toda essa angústia, estiveram os produtores Colin Foote, Alex Borel e Adam Yaron. Os profissionais, tais como bons diretores, captaram a essência sofrida de coração partido do EP e fizeram com que cada canção se conversasse de alguma forma, fosse pela energia, fosse pelo próprio lirismo.


Lançado em 04 de outubro de 2023 via BMG, The Things I Left Unsaid é a busca de um indivíduo apaixonado pela autovalorização e autorrespeito. Um indivíduo intenso, apaixonado e dolorosamente desesperado por ter seu coração aceito por outro alguém que saiba aceitar, aproveitar e retribuir todo o carinho e amor que dele podem ser retirados.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.