Gustavo Nobio - Versocrático

NOTA DO CRÍTICO
Nota do Público 5 (8 Votos)

Depois de anunciar três singles ao longo dos meses fevereiro, maio e agosto, o cantor, compositor e rapper Gustavo Nobio anuncia Versocrático, seu primeiro EP. O material, que sucede A Contundente Arte Das Rimas, seu terceiro álbum de estúdio, apresenta as impressões do artista sobre o mundo, mas, principalmente, sobre a região metropolitana do Rio de Janeiro.


Assumindo o personagem de radialista, Gustavo Nobio aparece recepcionando o ouvinte acompanhado de uma trilha branca melancólica. Saindo desse timbre propositadamente nasal, o cantor embala em um rap de fácil digestão. Fluida e leve, a melodia proposta em Dialética Loquaz tem uma estética que é capaz de rememorar, na memória do ouvinte, aquela proporcionada por Gabriel O Pensador principalmente nas canções de seu álbum Quebra-Cabeça. Com bom groove vindo do baixo trazido pela programação de Lucas Victor Pereira do Nascimento, Nobio, com seu timbre grave e de notas fanhosas, faz de Dialética Loquaz, assim como pede o rap, uma canção repleta de rimas que, aqui, exaltam a função e a representatividade do rap como ritmo a dar voz não apenas aos sentimentos reprimidos, mas um grande meio de liberdade de expressão sobre o tudo, sobre o mundo. Certamente, Dialética Loquaz não se limita a apenas destacar a importância do rap e da cultura do hip hop. Ela é uma obra que, acima de tudo, condena e critica a manipulação televisiva e culturalmente maciça da teledramaturgia a respeito daquilo que deve ser aceito ou negado. A ausência de senso crítico é o ponto-chave dessa que é uma música de simples, mas não sutil, ritmo opinativo sobre a sociedade e sobre aquele designado a, ao menos em contrato, garantir a segurança e o respeito à população.


Mais azeda e densamente mais cabisbaixa, a nova canção que se inicia é cabisbaixa e, até mesmo, em certos aspectos, chorosa. Com uma estrutura mais musicada propriamente dita, ela apresenta versos mais maleáveis e não tão absortos na rigidez estética do rap. Ainda assim, ele segue sendo o norteador. Com um viés altamente socio-reflexivo, Mantendo A Firmeza traz um Nobio se aventurando entre falsetes e dialogando, ou melhor, pensando alto, sobre a sociedade como instrumento de hipocrisia e manipulação. Apesar de ter o gancho de discussão nesse ponto, Mantendo A Firmeza é uma canção que motiva o foco, a persistência, a autoconfiança e a capacidade de se manter lúcido e inviolável em um mundo regido por interesses das mais diferentes naturezas.


Já iniciando com um refrão onomatopeico sugerindo a canção em sintonia com o público no caso de sua performance ao vivo, No Drible Dos Reveses reintroduz aquela forte presença do sonar groovado do baixo empregada em Dialética Loquaz e é dominada por um beat marcante trazido por Danilo Minarini. De refrão contagiante, No Drible Dos Reveses é circundada por sobreposições vocais que ampliam a harmonia enquanto ressalta e destaca a dialética não tão-somente sobre a desigualdade, mas sobre a falta de amparo e, principalmente, sobre a simplicidade na forma de encontrar a felicidade. Afinal, esse é um atributo que, se o indivíduo é adornado por grandes doses de humanidade e humildade, pode ser encontrado, garantido e assumido nos momentos mais imprevisíveis.


A base rítmica é trazida, inicialmente, por uma bateria de frase linear e sequencial trazida por Bruno Brecht. Interessante notar que, logo em seu início, Antagônico se mostra a composição de estética mais bem trabalhada, até o momento, em Versocrático. Afinal, nela o ouvinte pode perceber fusões do rap já padronizado com elementos do trip hop e do chiptune. Com momentos de estridências súbitas por conta do aumento repentino do alcance vocal de Nobio, a canção apresenta singelas e rápidas falhas em sua equalização, mas não tiram o mérito de ser, assim como Mantendo A Firmeza, uma obra contagiante e de caráter radiofônico do EP. Antagônico é uma faixa que, como o próprio nome chega a sugerir, discute a falsidade e a dupla personalidade ao mesmo tempo em que tenta encontrar a verdadeira essência do indivíduo.


Iniciando sozinho, destacando seu vocal anasalado, Nobio logo transforma Que Horas São? / V.P.R.N. em uma faixa que, mais que Dialética Loquaz, se familiariza generosa e abrangentemente com a estética rítmico-melódica das obras de Gabriel O Pensador. Tendo na reprodução do sonar tilintante do triângulo o principal elemento a comunicar seu movimento, a canção é contagiante também pelas aveludadas teclas do teclado, como pela contribuição sintética do caxixi. Também agraciada por sobreposições vocais ampliando as noções de harmonia, Que Horas São? / V.P.R.N. traz o Carnaval como um curioso, repentino e necessário torpor para com os sofrimentos e as dificuldades da rotina. Mais do que isso, a faixa é o relato do dia-a-dia de uma pessoa comum, que trabalha seis dias por semana para garantir o sustento e se ver livre de dívidas e processos envolvendo baixa em sua própria cadeia monetária. E a Ponte Rio-Niterói e o palco dessa ida e vinda entre trabalho e lar, responsabilidade e lazer, tensão e tranquilidade. Necessidade e alento. 


Com pouco mais de 24 minutos de duração, Versocrático consegue expor seu viés sócio-reflexivo cheio de fortes opiniões. Opiniões essas não apenas sobre a vida e sobre o regime burocrático que a circunda, mas sobre a hipocrisia disseminada como algo normal e natural de uma comunidade refém do próprio senso de responsabilidade.


Como um material rimado, o EP consegue facilmente trazer o ouvinte para si e inseri-lo como um indivíduo participante e atuante das discussões propostas. Não é difícil se perceber, portanto, formulando opiniões através dos diálogos monológicos desenhados por Gustavo Nobio


Como um grande feito do rapper, Versocrático consegue ser enfático, mas não agressivo. Incisivo, mas não autoritário. É um produto que, mesmo sem explorar a extrassensorialidade, consegue fazer o ouvinte sentir o calor ardido de um Sol de verão em meio às ruas de grandes centros urbanos fluminenses. É possível se ver de pé em um ônibus a caminho do trabalho e, inclusive, sentir a responsabilidade das contas chegando e da angústia de não ter como as pagar.


É assim que Gustavo Nobio propõe o pensar sobre a rotina, sobre as pessoas e sobre o governo que molda esse dia-a-dia. Para que isso funcione da melhor forma, o rapper se aliou a Paulo Xytake, Leandro “LD” Souza e Brecht para a função de mixagem do material. Foi assim que o EP exalou com destreza sua essência rap, mas também soube caminhar sobre os terrenos do trip hop e do chiptune.


O único ponto a se destacar é que, em Antagônico, houve um desequilíbrio súbito de equalização em determinado momento que Nobio estende seu alcance vocal. Mesmo assim, isso não chega a ser um elemento demasiadamente prejudicial à conjuntura estética do EP.


Fechando o escopo técnico, vem a arte de capa. Feita pelo próprio Nobio, ela exala a simplicidade e o improviso ao apresentar o busto do cantor em total evidência, Esses são fatores que, inclusive, permeiam cada uma das cinco faixas do material na tentativa de incitar a plenitude no indivíduo. 


Lançado em 18 de setembro de 2023 de maneira independente, Versocrático é um EP que pensa a rotina do brasileiro e representa o indivíduo comum, suas aflições, anseios e receios. É um trabalho que, apesar de educado, oferece opiniões fortes sobre a sociedade e seu modo de vida, além de, com todo o esforço possível, tentar disseminar a capacidade de encontrar a felicidade naquilo que existe de mais simples.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.