Fael - Aqui e Agora

NOTA DO CRÍTICO
Nota do Público 5 (2 Votos)

A região sul do país está aquecida em lançamentos musicais. Além de Roseane Santos & Luciano Faccini de Curitiba (PR), e UmQuarto e Cicatrice de Florianópolis (SC), ela agora serve de berço para o porto-alegrense Fael. O cantor e compositor se anuncia no mercado fonográfico nacional com o lançamento de Aqui e Agora, seu EP de estreia.


Notas florais sobrevoam por entre as brisas carregadas de um perfume adocicadamente melancólico. Concretizado por meio da voz Fael, que pelo seu tom afinado e agridoce se assemelha ao timbre de Nando Reis, e das teclas agudo-graves do piano, esse ambiente assume caráter misto de exoterismo e pop rock com pitadas de progressivo. Apresentando um lirismo sobre a necessidade de se encontrar no mundo, o ato de desejar e de planejar. É um conteúdo sobre realizações e a busca pelo crescimento que é acompanhado por uma melodia dramático-emocional cheia de texturas proporcionadas pela linearidade da bateria de Felipe Vianna, a guitarra de riff astral e espiritual de Cezar Tortorelli. Esta é Um Bom Começo.


Um ambiente mais alegre começa a se despertar a partir de uma guitarra cujo riff recria a ambiência melódica de músicas lançadas pelo Lulu Santos na década de 1980 por haver, em seu som, uma mistura de rock alternativo e pop rock. A entrada do teclado de notas simultaneamente doces e ácidas acaba por alicerçar um terreno disco que abraça a base pop rock que se enraíza na harmonia. Com um groove swingado, o baixo acaba sendo aquele instrumento que potencializa o sabor e o compasso rítmico de Vira-Latas, uma música que, por entre metáforas, fala sobre união, cooperação, espírito cidadão e o desejo por um lugar que abrace a liberdade. Melodicamente, além do disco existem momentos em que a psicodelia fica latente na estrutura, fazendo com que Vira-Latas assuma uma ambiência tão cosmopolita e ampla que a torna uma importante candidata a single de Aqui e Agora.


É como lágrimas grossas escorrendo sobre a face. É como o vidro suado por conta da chuva fria caindo durante uma noite sem estrelas. É como um olhar vago, uma boca calada, um ouvido desatento, um toque insensível. Esse ambiente melancólico e triste construído a partir das notas graves e pausadas do piano muito remete à estrutura melódica de Beautiful, single de Christina Aguilera. Não por acaso, Fael surge com uma interpretação lírica sofrida e lamentosa cujos ares de desistência transmitem o cansaço e a desesperança que o eu-lírico sente pela falta de aceitação da sua verdadeira identidade pela sociedade. Com sintomas realistas e pessoais, Do Lado de Fora e a representação da falta de representação, apoio e igualdade sofrido por todos aqueles que assumem interesses diferentes daquele regido pela moral sócio-conservadora. Ao mesmo tempo, porém, a minimalista Do Lado de Fora ilustra a leveza proporcionada pelo ato de deixar o negacionismo de lado e assumir o que já vem ocorrendo, mas escondido pelo medo da desaprovação.


Dramática e épica, a introdução de As Flores é curta e logo é levada para o refrão, sem tempo de o ouvinte respirar ou ao menos assimilar o que está acontecendo. Em verdade, a faixa carrega nítidas influências melódicas da era Use Your Illusion vivida pelo Guns and Roses, por conta justamente do teor épico nela presente. Com forte presença do baixo e um beat repicado, a canção possui uma guitarra de riff áspero e sujo que casa com a proposta de marcha fúnebre das linhas de bateria. Uma ousadia propositadamente chocante que se enquadra com um lirismo que pode se considerar como segundo capítulo de Do Lado de Fora. Afinal, enquanto nela existe lamentação e um posicionamento de vítima, em As Flores o eu-lírico se mostra empoderado, forte, provocador e consciente de sua identidade.


Saindo da tensão extravasada em As Flores, vem uma calmaria encantadoramente cativante. É Samba Para Miguel, que por meio de sua introdução minimalista baseada em um riff macio e aveludado do violão, abraça calorosamente o ouvinte. Esse mesmo violão carrega uma mistura de melodias por contemplar ao mesmo tempo o folk, o MPB e traços bem singelos de reggaeton em suas linhas rítmicas. Quando o primeiro verso enfim se inicia, Samba Para Miguel acaba assumindo a estrutura do samba e traz um lirismo que enfatiza, assim como nas faixas anteriores, a questão da aceitação. O que muda é, de fato, a ótica sobre o assunto. Afinal, aqui ela exala leveza mesmo com o eu-lírico se mostrando forte e decidido.


O início da faixa-título, mesmo que por rápidos instantes, se assemelha à introdução de We All Die Young, single da banda fictícia Steel Dragon, por conta do som agudo-exotérico crescente. Em verdade, esse exoterismo, ao lado da guitarra de notas simples, espaçadas e medianas, funciona como um abraço caloroso e reconfortante. De vocal aveludado e sutilmente gutural, aqui Fael acaba por apresentar um timbre que se assemelha àquele impresso por Lucas Silveira nas faixas do Fresno. É com essa técnica que a letra da faixa-título ganha o ouvinte. Afinal, aqui o assunto é o processo do descobrimento, do ato da reflexão, do pensar e do autoentedimento.


Grave, linear, preciso e cheio de suspense é o baixo que puxa a introdução de Hoje É Sempre Ontem. Dramática, introspectiva e de toques sutilmente reflexivos, a faixa discute a falsidade e a corrupção tanto em âmbito político quanto social. Além disso, existe um duro olhar sobre um comportamento social normalizado, mas anormal, que é o julgamento.


É fácil perceber que Fael mira a grandeza harmônico-melódica em cada uma das sete faixas de Aqui e Agora. Afinal, existe uma união do classicismo com a modernidade, do minimalista com o grandioso, do intimista e do expansivo. São detalhes que muito dizem, inclusive, dos sentimentos de alguém que vive entre a insegurança e explosiva autoconfiança.


Esses mesmos sentimentos estão latentes nas músicas, as quais, além de terem um caráter biográfico, dão representatividade e criam um elo entre o eu-lírico e o público no que tange a aceitação, o descobrimento e o enfrentamento social. São assuntos delicados, mas que foram cuidadosamente abordados por Fael.


Por essas razões, Aqui e Agora possui características líricas muito semelhantes a AGROPOC, álbum de Gabeu. Afinal, tanto um quanto o outro expõe sofrimento, desafio, conflito interno e superação, claro que sob óticas melódicas diferentes. Até porque, em Aqui e Agora o disco divide espaço com o folk, o pop rock, a MPB, o samba, o reggaeton, o progressivo e a psicodelia.


No quesito meramente visual, a arte de capa também ilustra bem a dicotomia do sofrimento e do empoderamento. Feita à base de sobreposições de obras visuais, ela é regada por uma cor vermelha forte que comunica o perigo e a desarmonia. Porém, no centro existe um contorno branco que denota uma flor ainda a desabrochar, simbolizando a beleza e, metaforicamente, um futuro de tranquilidade. Afinal, é isso o que é buscado em Aqui e Agora: a liberdade de ser quem se é.


Lançado em 17 de setembro de 2021 de maneira independente, Aqui e Agora é um EP de lirismo intenso e de melodia ampla. Cada nota, cada timbre, cada beat carrega de maneira sensorial tudo o que o eu-lírico quer dizer antes mesmo de o cantor se pronunciar. Um produto que recria o ditado ‘uma imagem vale mais que mil palavras’ para ‘um som vale mais que mil expressões’.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.