100 Dogmas - Amaldiçoado Seja

NOTA DO CRÍTICO
Nota do Público 5 (2 Votos)

Poucos meses depois de se lançarem oficialmente no mercado da música nacional com A Caixa De Pandora, seu primeiro EP, o quarteto catarinense 100 Dogmas apresentou seu novo trabalho. Intitulado Amaldiçoado Seja, o material consiste no segundo extended play do grupo.


Enquanto a chuva cai do lado de fora, uma fogueira encorpada com os estalares de sua chama aquecem e iluminam o ambiente ainda enigmático pela escuridão da noite. Não há tensão ou temor, apenas a expectativa ansiosa de saber o que virá. E quando se ouve a distorção da guitarra de André Luís surgindo como rompantes de uma luz branca estridente, o ouvinte já começa a se ambientar quanto a estética compassiva. Sem demora, a bateria de Andrei Martins toma a dianteira e, sozinha, desenha as linhas rítmicas de um cenário que já evidencia suas silhuetas. Com um groove simples, mas contagiante e bem executado de maneira a instigar embrionários sinais de frenesi, o instrumento educadamente volta a ter a companhia da guitarra, momento em que impressões melódicas diversas se confundem. Intro é um interlúdio de melodia sombria que desdenha de uma mistura entre post-grunge, doom metal e mesmo o nu metal pela gravidade de seus sonares.


Nascendo gradativamente a partir do riff grave distorcido e opaco da guitarra, a faixa sem muito esforço já traz consigo uma identidade heavy metal ao estilo Black Sabbath. Com uma cadência rítmica lenta, a melodia, conforme vai amadurecendo, comunica imersões no campo do metalcore momentos antes da entrada de um timbre agudo, curto e rasgado. É Rafhael Jorge entregando texturas ásperas à melodia grave da canção. Cadenciada e de uma explosão controlada, Genética é uma canção que apresenta um indivíduo na luta pela manutenção de sua essência ante um legado de comportamentos regidos pela falsidade. Um personagem que tenta fugir da impunidade e da intolerância tentando ser apenas quem deseja ser. Nessa busca, é notável a agonia e o desespero do personagem que se combinam com a densidade de uma melodia que comunica o caos interior, que vive entre o desejo da autenticidade e a ameaça da manipulação.


Trotante, precisa e com uma mistura de gravidade e rispidez. A introdução é rápida em um compasso quase dissincrônico, como se representasse o descompasso das batidas do coração, entre a rapidez e a lentidão. É como uma excitação repentina, que faz transpirar e as pupilas dilatarem. Seguida por um rugido agudo, áspero e de continuidade breve, a melodia, antes calcada no thrash metal passa a exalar uma completa silhueta de death metal. Azeda e explosiva em sua nova roupagem estética, Ansiedade é uma canção que mistura uma ambiência ao redor dos sintomas dessa enfermidade com um viés crítico à política de classes, do rico usufruindo do pobre e do senso de personalismo relacionado ao egoísmo. De tom pessimista, Ansiedade comunica que esse tipo de comportamento é algo incurável em uma sociedade regida pelo capitalismo.


O chimbal sujo e compassado funciona como a luz do Sol banhando as trevas. Enquanto isso, a guitarra, com sua distorção igualmente suja, vem com sonares que se dividem entre a secura o prolongamento de maneira a metaforizar um alarme que indica a chegada de um confronto. Evoluindo para um verso rítmico metalizado, mas melódico, Resistência torna possível ao ouvinte, pela primeira vez, a degustação do baixo de Maycon Souza, que aqui surge em um tom grave estridente que remete à estética que Robert Trujillo adota nas canções do Metallica. Imponente e raivosa com consciência, Resistência, mesmo com sua metalização sonora que se divide entre thrash metal, doom metal e raspas de death metal, consegue ser, também, a primeira faixa de Amaldiçoado Seja com os mínimos requisitos para o agrado das massas. Ainda assim, Resistência surge como uma música que pensa um mundo perdido em sua essência humana, uma análise cabível e premonitória para aquilo que o globo vivenciaria dali a poucos meses. Curiosamente, porém, a base rítmico-melódica apresentada vem com um viés coringa, pois seria completamente cabível tanto em Ansiedade quanto na própria Resistência por trazerem generosas doses de imponência.


O metalcore volta com força no novo amanhecer. Com um compasso trotante, ele introduz uma mistura que novamente oferece o heavy metal à la Black Sabbath em sua receita. Evoluindo para uma frase enérgica, excitante e estimulante a partir da levada da bateria, a qual por vezes parece fundir conceitos de um hardcore ao modo Motörhead na melodia, a canção possui seu abre-alas feito com um rugido agudo rasgado que ecoa por todo o ambiente. Se Resistência atendia aos mínimos requisitos radiofônicos, Rancor aumenta essa porcentagem por trazer frases que, mesmo metalizadas, tenham traços ainda mais melodiosos. E assim, Rancor ainda propõe, de maneira ousada, ilustra um personagem preso em sua consciência maturada pela raiva e pelo rancor. Um indivíduo orgulhoso e cego em seu falso senso de razão, cuja obsessão é capaz de consumir até sua última gota de suor de consciência e conformação.


Um trabalho de temática melódica densa. Metalizado, mas não excessivamente trevoso e amedrontador, Amaldiçoado Seja é um EP que, em cada faixa, o 100 Dogmas apresenta indivíduos presos em sentimentos psicológicos que se enquadram na ciranda dos pecados capitais. 


Entre a angústia, o orgulho, a ansiedade e a falsidade, o EP mostra o quão a sociedade está fadada no vício de comportamentos autodestrutivos. Sem direção ou perseverança, a comunidade caminha por um terreno de desarmonia e caos social, em que a manipulação rompe com qualquer resquício de autenticidade e o rancor impede o perdão.


Em cinco faixas, o 100 Dogmas conseguiu fazer de Amaldiçoado Seja uma chacoalhada para fazer o ouvinte pensar seus atos, ainda que seu viés não tenha um caráter essencialmente socioanalítico. Mesmo assim, é inegável a proposta de pensar o social e comunitário.


Para dar embasamento a essas narrativas, o quarteto teve apoio de Luís também no exercício da mixagem. A partir dela, o ouvinte consegue degustar, de maneira cristalina, todas as influências do grupo, que resultaram em uma fusão entre heavy metal, doom metal, post-grunge, metalcore, nu metal, thrash metal, hardcore e death metal. Curioso notar, porém, que mesmo com tanta clareza na identificação dos ingredientes da receita rítmica, o baixo ficou majoritariamente apagado, sendo facilmente perceptível somente nas duas canções finais.


Fechando a análise técnica de Amaldiçoado Seja, vem a arte de capa. Assinada por Jorge, ela apresenta um crânio humano em um fundo densamente preto. É assim que o 100 Dogmas escolheu para comunicar, em imagem, o pesar, o luto perante ao rumo que a sociedade tem tomado.


Lançado em 03 de abril de 2019 de maneira independente, Amaldiçoado Seja é o pesar perante a sociedade. É como uma embrionária análise social que lamenta todo o excesso e o vício comportamental que leva a comunidade global a se definhar em torno da necessidade de grandeza que ofusca as principais lacunas emocionas comuns em todos os seres humanos: a carência e a insegurança.












Compartilhe:

Cadastre-se e recebe as novidades!

* campo obrigatório
Seja o primeiro a comentar
Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.