Pelados - Foi Mal

NOTA DO CRÍTICO
Nota do Público 5 (2 Votos)

Quando já se é possível ver a fronteira que divide 2022 de 2023, o quinteto paulistano Pelados decide anunciar seu segundo disco de estúdio. Intitulado Foi Mal, o material é o quinto produto lançado pelo grupo, que conta com outros três singles.


O lo-fi é o gênero que puxa o alvorecer de O Sgt. Peppers Foi Decapitado com seu chiado característico e proposital enquanto uma harmonia valsante de vozes se evidencia em um uníssono balbuciante e dramático. Quando o espectador já se parecia não esperar novidades, Vicente Tassara entra com um vocal agridoce aveludado cuja afinação deixa a canção ainda mais melódica ao mesmo tempo que faz do interlúdio um produto melancolicamente aconchegante.


Uma voz feminina e grave surge com um comando, como se criasse uma atmosfera caseira e de garagem. É Manu Julian dando passagem para que Luiz comece a desenhar linhas melódicas estridentes e ácidas a partir do teclado, um exercício que acaba criando uma ambiência setentista marcante desde os primeiros instantes da canção. Misturando new wave e synth-pop, Mesmasmesmasmesmas traz Manu com um vocal mais rouco enquanto dialoga, de maneira enjoada, impaciente e entediante, da mesmice da rotina. Ao mesmo tempo, entre a crítica à mesmice de forma a se considerar algo heterogêneo a esse conservadorismo rotineiro, se decepciona ao ser abandonada por aquele por quem nutre uma paixão. Esse sentimento de decepção é bem representado pelo sofredor-debochado solo de guitarra de Tassara.


Com timbre semelhante àquele de Fernanda Takai, Manu  logo entra em cena acompanhada de uma melodia desajeitada em sua agitação alternativo-groovada. Com protagonismo do bojudo swingar do baixo de Helena Cruz, Vampirinhos Do Amor dialoga sobre a necessidade de ter por perto pessoas que inspiram bem-estar, ao menos na aparência. Afinal, no fundo, Vampirinhos Do Amor discute a baixa autoestima e a insegurança de maneira atordoante.


Tendo a bateria de Theo Ceccato como o elemento que constrói o ritmo e a cadência da canção, a discussão acerca da timidez recai, assim como foi nas canções anteriores, sob o ponto de vista juvenil. Mantendo o contágio no mesmo nível e com a adesão da guitarra como artifício que entrega textura, Julho de 2015 traz a companhia do vocal agudo de Laura Lavieri nesse devaneio que permeia também as noções de autoconfiança associadas à necessidade de extravasar tais limitações.


Um curto e indecifrável monólogo puxa uma melodia azeda, cambaleante e até mesmo entorpecente. Com uma batida 4x4 incorporando o pop à melodia, a fusão entre sintetizador e guitarra cria um compasso contagiante e de estética bastante radiofônica à A Linha Tênue Entre Gostar E Não Gostar, uma música cuja construção lírica é feita de maneira a prender a atenção do ouvinte. Guiada pelas linhas lineares do baixo durante os versos, a canção tem um quê de sensualidade a partir da interpretação de Manu, que se mostra decidida e cansada de uma relação exaustiva que aparenta estar estagnada em uma grande mesmice, o que, inclusive, flerta de alguma forma com o conteúdo de Mesmasmesmasmesmas. Um single, no mínimo, intrigante de Foi Mal.


Uma bateria eletrônica entra acelerada em seu groove e acompanhada do baixo na criação de uma esfera rítmica bojuda. Engraçado que, nessa aparente bagunça, o ouvinte consegue identificar funk, MPB e até mesmo rap nessa construção dissonante da melodia. É nesse ínterim que Manu expressa seu interesse por tudo aquilo que é fora do padrão ou que é considerado em excesso. O descompromisso, a ingenuidade, a futilidade, a imaturidade e inclusive a mimadez são ingredientes que dominam e exalam por todos os poros de Nunca Sozinha, Sempre Mal Acompanhada


Um canto vocálico quase angelical permeia a atmosfera antes da entrada de um sonar levemente estridente vindo da programação. Acompanhada de um groove curiosamente sensual, levemente funkeado e provocante, essa sonoridade serve de base para Medo De Ficar Pelado!!! outro interlúdio de Foi Mal. Cômico em sua interpretação debochada e imatura, a faixa é composta por repetições de seu nome de maneira quase incompreensível pela interpretação embriagada de tais pronúncias.


Entrando em uma sonoridade mais macia e de estética mais comercial, Foda Que Ela Era Linda apresenta o lado mais mainstream do Pelados. A partir do indie pop ensolarado e macio, o quinteto oferece a primeira canção propriamente romântica de Foi Mal. Mesmo sem grande desenvoltura lírica, no entanto, a canção consegue ser contagiante em sua estética alternativa noventista e sua linearidade embriagante. De certa forma, é até possível identificar semelhanças estéticas entre Foda Que Ela Era Linda e Alive, single do Empire Of The Sun, o que coloca a presente faixa com uma leve inclinação para o synth-pop.


Curiosamente sexy, provocante e intrigante, o baixo entra em cena como um personagem saindo de fininho de uma cena comprometedora. Nesse meio tempo, a suavidade swingada de um embrionário reggae na companhia da contagem do tempo pelo som do metrônomo são uma maciez estonteante à melodia. Repercutindo a ousadia do Pelados em trazer lirismos sem filtro e descompensados, Coquinha Gelada After Sex vem com um enredo de interpretação cômica que traz um casal dividido entre aquele que quer experimentar coisas novas e o outro que entra na loucura apenas para agradar. Sem escrachamento libidinoso, é possível dizer que Coquinha Gelada After Sex é a tentativa de fazer algo radiofônico, o que acaba se tornando uma espécie de single lado b especialmente por uma súbita familiaridade com a sonoridade de American Boy, single de Estelle.


O horizonte é cinza. Sem cor, brilho ou mesmo humor. O drama domina cada esquina do cenário de maneira estranhamente hipnótica. Trazendo um senso de maturidade em uma roupagem cuja experimentação sensorial melancólica foge do padrão provocante e debochado do Pelados, Música De Término, em seu refrão que flerta com a estrutura melódica do ápice de Tanto Faz, single do Jota Quest, tem em si uma mensagem de superação. A maturidade de deixar o passado e dar vasão à nova página do livro da própria história dá à personagem um senso de autoconfiança necessário para seguir a vida sem se ferir com as memórias de eventos anteriores.


O agudo do ukulelê é o único som majoritário. Em sua melodia macia e linear, ele desperta uma sensação de paz e tranquilidade no decorrer da instrumental Ser Solteiro É Legal, outro interlúdio de Foi Mal. Interessante como apenas com as linhas desse único instrumento o ouvinte consegue, diante de sua lente visual imagética, se perceber sentado na beira de um morro em um entardecer recebendo todo o frescor da brisa do mar agraciada por um nostálgico e confortavelmente entorpecente pôr do Sol. Um súbito tranquilizar que abraça com carinho os corações felizes em sua própria solidão.


Gritos ovacionais. Falatórios incompreensíveis. Introspectiva e intimista, a melodia parece criar uma atmosfera de monólogo enquanto Manu dá a ideia de dialogar com a própria consciência. O abafado instrumental dá a noção de som de garagem, mas não sujo. Somente a crueza é o ingrediente mote da canção. O incômodo da multidão vindo da protagonista dá a ideia de enoclofobia, o que incita no ouvinte até mesmo a falsa sensação de falta de ar. Yo La Tengo Na Casa Do Mancha tem na bateria levemente desesperada o protagonista rítmico nesse diálogo sobre a imprevisibilidade, destino e liberdade emocional que soa como uma desastrosa investida amorosa.


Com um compasso contagiante desenhado somente pelo ácido da programação, a canção mergulha em uma interessante melodia synth-pop ondulante e mareante que acompanha Manu e Ceccato em um enredo sobre mudanças, sobre amadurecimento e a quebra de sincronia de um casal. É assim que a faixa-título dá às personagens a possibilidade de sentir a dor e de se deixar levar pelo sofrimento do rompimento.


É a voz e a representação da faze juvenil. A pré-adolescência e a adolescência perfeitamente representadas em um material que soa debochado em seu descompromisso despreocupado. Foi Mal é uma cômica desculpa consciente pelo senso de imaturidade que exala abundantemente das dissonâncias propositais criadas pelo Pelados.


Tal como o processo de autoconhecimento e amadurecimento, o álbum traz 13 capítulos que dialogam sobre experiências emocionais cujas melodias representam a confusão de personalidades dentro de um indivíduo em processo de amadurecimento. As dores do término, a insatisfação em relação à sociedade e à rotina, a percepção daquilo que desperta prazer. É tudo o que auxilia na transformação da pessoa.


E nesse diálogo, o Pelados mistura bem as sonoridades ácidas e dançantes do synth-pop dos anos 70 com MPB, funk, lo-fi, new wave e uma ambiência alternativa que por muitas vezes soa dissonante. Embriagante, nauseante e entorpecente, as sonoridades de Foi Mal trazem um equilíbrio que, com o auxílio da mixagem de Luiz Martins, evidenciam as referências do quinteto. 


Soando como uma fusão de Los Hermanos, Supercombo, Pato Fu e Banda do Mar, esta última evidenciada principalmente pelos duetos valsantes entre os integrantes, o álbum é simplesmente a atração causada pelo criação descompassada, intensa e experimentalista que se vende como uma sonoridade pop de referências setentistas e noventistas.


Fechando o escopo técnico, vem a arte de capa. Assinada entre Manu e Gabriela Bernal, a capa traz um ar que mistura grunge e post punk em uma tomada que soa como uma espécie de luto. Um luto pelas decepções que as personagens causam aos outros e que são extremamente bem representadas com um título nada comprometedor: ‘foi mal’.


Lançado em 11 de novembro de 2022 via Matraca Records, Foi Mal é a melodia da inconstância da adolescência, ou melhor dizendo, do processo de amadurecimento. É a proposta de uma embrionária anti-melodia que representa a instabilidade emocional e a formação da essência do indivíduo através das experiências da vida.



















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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.