Franc Moody - Into The Ether

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Retomando a produção de um novo material, atividade deixada em hiato desde 2021 com o EP duplo House Of FM, o duo inglês Franc Moody enfim anuncia seu novo álbum. Intitulado Into The Ether, o produto dá sequência ao aclamado Dream In Colour, disco de estúdio anunciado em 2020.


É  como observar o nascer do Sol por detrás das colinas que envolvem um oasis. A programação de Samuel Robert funciona não apenas como uma educada saudação de boas-vindas, mas também atua como uma demonstração do que o ouvinte pode esperar. Seu sonar, que acaba imitando a icônica vibração do wurlitzer, logo é acompanhada por um baixo que, dominado por Jonathan Moody, coloca corpo, compasso e swing nessa introdução que beira a psicodelia funkeada. Ganhando mais cadência a partir da entrada da batida reggae da bateria desenhada pela programação, cores e paisagens da house music começam a se maturar gradativamente aos olhos do ouvinte. Eis então que o elemento lírico, aquele que completa o escopo melódico, enfim assume seu posto. De timbre mediano e levemente agridoce, Ned Wyndham acaba por inserir melismas que comunicam uma sutil influência de Elton John em seu estilo de canto. Preenchida por sobreposições vocais que ampliam sua harmonia, a faixa-título relata uma espécie de viagem alucinógena ocasionada pela falta de oxigênio. No entanto, existe também o viés de que ela convida o espectador para a vida e para a simples tarefa de vivê-la.


Mais acelerada e lembrando a sonoridade de Hey Ya!, single do OutKast, o que lhe confere uma característica funk soul intrigante. Acompanhada das notas adocicadamente ácidas do teclado, essa base rítmica cadenciada dá passagem para um enredo lírico respaldado por sobreposições vocais vocálicas que dão uma harmonia gélida à canção. Com um refrão contagiante e entorpecido, Mass Appeal fala sobre a ostentação. Porém, essa é apenas a ponta de seu lirismo. Afinal, a música tem, como principal intuito, criticar a influência da mídia naquilo que as massas devem se interessar, comprar e consumir. É um rechaço à cultura de marionetes daqueles que acompanham não apenas o showbis, mas também tudo aquilo que é propagandeado, seja na televisão, no cinema ou até mesmo nos streamings.


Com groove sincopado e cadenciado vindo do baixo e uma levada de bateria que mistura elementos de funk e R&B, a canção apresenta uma introdução repleta de swing e um frescor entorpecente. Novamente regida por sobreposições vocais, a presente faixa mistura falsetes e um timbre falado enquanto Wyndham dialoga sobre um estado latente de torpor. I’m In A Funk traz um personagem perdido em sua emoção depreciativa e melancólica, alguém que não lida bem com o passado ou que nem mesmo o superou. É por isso que, de maneira suave, mas de nítido desespero agoniante, que o interlocutor precisa de uma pessoa que o ajude a sair dessa zona de conforto sofrida e vença a dor do ontem.


Dramático e melancólico, o presente amanhecer é puxado por uma sinfonia linear de violinos que é rompida pontualmente por um trovejar áspero proveniente da distorção da guitarra. Com a entrada do vocal, Raining In LA (Intro) acaba assumindo uma estrutura melódica que muito se assemelha àquela de Pumped Up Kicks, single do Foster The People. Com auxílio da agudez estridente do teclado, é como se o ouvinte pudesse ver, escorrendo pela face do personagem, tímidas lágrimas que vão banhando a pele de seu rosto. Apesar de curta, a canção traz uma espécie de nostalgia do lar, o medo do incerto e a insegurança que as transformações podem oferecer.


Levando o ouvinte para um novo horizonte, mas homogêneo ao seu, Raining In LA (Intro) é como uma espécie de interlúdio para Raining In LA, um material dançante cuja melodia é calcada em uma lounge music funkeada. Confirmando as impressões obtidas em sua antecessora, a presenta faixa ilustra as decepções na luta pela conquista dos sonhos idealizados. Nesse ínterim, ela representa, inclusive, os lapsos inconscientes da saudade do lar e dos pensamentos de que essa empreitada não deveria ser tomada. Parecendo dialogar com a vida como sinônimo de futuro,  Raining In LA é simplesmente a superação da tristeza, do arrependimento, da insegurança, da baixa autoconfiança e da baixa autoestima. É um produto que ensina a ter perseverança e a certeza de que, com suar, insistência e obstinação, qualquer objetivo pode ser alcançado. É como a continuação até mesmo de I’m In A Funk.


A sinfonia de oito violinistas cria uma sensação inspiradora e ao mesmo tempo esperançosa. Dando passagem para  Wyndham, que aqui se coloca com um vocal limpo, agudo e de leves drives que o assemelha sutilmente ao timbre de Bono, a melodia que se cria constrói uma ambiência típica de contos de fada. Como uma valsa, a sonoridade caminha como se estivesse dançando suave e deslisante pelo espaço oferecido pela canção, um produto que, assim como os demais, tem no baixo o ingrediente a introduzir o groove e o corpo rítmico. Sensual, The 7 tem um lirismo de cunho gospel que ilustra a procura pela fé, por uma figura divina e onipresente que simbolize a proteção, o incentivo e, principalmente, o apoio. De certa forma, ela, assim como a dupla Raining In LA (Intro) e Raining In LA, conversa com I’m In A Funk, pois aquele personagem antes perdido agora se mostra em processo de amadurecimento e fortalecimento psicológico.


Na base da lounge music, o novo horizonte é dançante e flerta, inclusive, com um synth-pop ao estilo Eurythmics. Contagiante principalmente pelo falsete vocálico colocado por Wyndham em sobrevoos pontuais durante a introdução, a canção só não possui uma melodia estritamente linear por conta das frestas de luz lançadas por um rápido, seco e agudo sonar da guitarra. “Don’t try to run” e “can you feel it?” são versos proclamados por uma voz grave, sensual e provocante que cria uma espécie de expectativa desmedida em descobrir o que a presente canção tem a oferecer. Here Comes The Drop, apesar de ser a canção mais longa de Into The Ether, tem um lirismo enxuto que parece simplesmente estimular o ouvinte a se entregar à imprevisibilidade do destino.


Sensual, swingado, macio, provocativo e atraente. O sonar introdutório consegue misturar estruturas do R&B com pitadas sutis do soul, o que cria um compasso que, além de estritamente melódico, tem um groove simples, mas afiado. Contendo o lirismo mais bem desenvolvido do álbum, Suspended Animation consegue flertar com a roupagem do pop moderno enquanto dialoga sobre orgulho, tempo e superação. A negação dos problemas e obstáculos de vida é outro tópico importante abordado nesta canção de caráter demasiadamente sexy.


Hipnótico, mareante e levemente entorpecida, a introdução tem como protagonismo o swingar agudo e sutil da guitarra. Alegre, contagiante e atraente, Cherry tem um ingrediente que, até o momento, nenhuma outra canção de Into The Ether foi capaz de alcançar com maestria: o apelo popular. Tal detalhe não faz da faixa um produto prostituído do Franc Moody e, sim, demonstra o perfeito equilíbrio entre a estética radiofônica e a essência do duo. Cherry é uma canção que parece dialogar sobre a conquista, o charme e a provocação, mas que ao mesmo tempo parece ter, nessas características, a vaidade como ponto central. Tal como a cereja do bolo, aquilo que fecha algo muito bom, essa nova fruta do desejo simboliza a conquista dos objetivos e dos desejos abraçados pelo medo e a insegurança durante a fase de I’m In A Funk


Tal como uma música ambiente amornando os ouvidos e os corpos dos presentes em um grande salão, a melodia introdutória vai educando o ouvinte para algo que já promete ser swingado e contagiante. Misturando elementos do hip hop à já padrão lounge music, a canção tem nas sobreposições vocais e no próprio canto de Wyndham  o elemento que corresponde ao toque da diferença e da pimenta na melodia. Como de costume, ela tem presença, tem corpo e tem groove, mas tal como foi em The 7, existe por meio das vozes algo que remete ao gospel. Something’s Got Me acaba conversando diretamente com I’m In A Funk, a dobradinha Raining In LA e Cherry. É verdade que o maior parentesco está em Cherry, afinal, ambas as canções têm um ponto de vista positivo sobre a realidade, o cenário do objetivo alcançado.


O afrobeat é a novidade na base melódica da introdução. Com um compasso percussivo atraente e sedutor, o amanhecer da faixa também é agraciado por sonares que parecem imitar instrumentos de sopro na ideia literal de representar o amanhecer. Cheia de groove e fluindo para uma atmosfera dançante, In Transit tem como principal legado a mensagem de que somos nós os responsáveis pelos nossos próprios destinos. Nós buscamos, nós lutamos e nós conquistamos. “Keep moving on”, é a principal frase de impacto da canção que, ao lado do curto verso “find yourself”, informa que, quando se tem autoconhecimento e existe uma compreensão de si mesmo, se manter em movimento na busca pelos objetivos se torna uma tarefa mais fácil.


Dançante. Mas não apenas isso. Divertido, mas não tão somente. Into The Ether é um disco maduro que mostra a possibilidade de fundir culturas. Os gêneros urbanos aqui se fundem com a cultura negra, marginal e popular ao mesmo tempo em que funciona como um elo entre passado e presente. 


Muito além de fútil, a nova empreitada do Franc Moody de fato é contagiante, dançante e atraente. Porém, atrás de todo esse caráter melódico, existem questões delicadas que são abordadas por entre seus 11 capítulos. Inseguranças, medos, decepções. Autoconhecimento, romance e pertencimento. Fé e autoconfiança. 


Tudo isso se mistura com a maestria de composição da dupla inglesa, a qual conseguiu, com auxílio da mixagem de Steve Sedgwick, fundir funk, house music, lounge music, gospel, R&B, pop, synth-pop, soul e até mesmo gospel e o afrobeat. O profissional conseguiu manter a essência do Franc Moody ao mesmo tempo em que construiu um som limpo, plural e que fosse capaz, inclusive, de demonstrar algumas influências.


Produzido pela própria dupla com auxílio de Sam Knowles, Into The Ether trilhou o mesmo caminho de seu antecessor, com a diferença de ter ainda mais frescor e swing. Além disso, existe nele um caráter introspectivo notavelmente superior àquele de Dream In Colour, o que possibilita uma maior comoção do público.


Lançado em 02 de setembro de 2022 via Juicebox Recordings, Into The Ether é o oxigênio que o cenário musical precisava para se reinventar. Suas fusões musicais funcionam como a quebra de paradigmas. Com ele, o branco fala com o preto, que fala com o urbano, que fala com o passado e se encontram todos no presente. E esse presente é da dança, do swing, do groove e, principalmente, da autoanálise.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.