Cyanide Summer - Honour

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Com diversos singles lançados desde 2018, ano em que completou um ano de existência, a Cyanide Summer enfim anuncia seu disco de estreia. Intitulado Honour, o álbum é um documento que reúne todas as faixas já lançadas pelo grupo com a adesão de uma música inédita.


O riff da guitarra é rouco e algo. A bateria vem com um princípio de aceleração que promete certa dose enérgica para uma canção apresentada sob uma batida contagiante. Quando Peralta manipula as baquetas de maneira a fazê-las regerem uma sonoridade linear e acelerada por meio de seguidos golpes na caixa, a canção tem, enfim, seu verdadeiro despertar. Sujo, distorcido, mas sob uma cadência pop, A Chance To Bleed já comunica influências com nomes como Misfits e até mesmo o Green Day em sua primeira fase devido ao aspecto mais áspero com que a melodia se pronuncia. Conforme a guitarra solo de Corsi executa notas agudas que sobrevoam a camada mais superficial da sonoridade da faixa, a guitarra base segue com o riff sujo e linear acompanhado pela batida 4x4 da bateria. De certa forma, a segunda parte da introdução proporciona ainda uma semelhança melódica com o refrão de O Universo A Nosso Favor, single conjunto do Charlie Brown Jr. e For Fun. Por conta disso é que, quando a estrutura deságua no primeiro verso e apesar da manutenção da batida pop, é capaz de se perceber um sutil flerte com a roupagem hardcore mesmo assumindo o preceito de que o que salta aos ouvidos seja uma construção rítmica influenciada pelo Blink-182. Inegável é a presença marcante e quase estridente do baixo de Re Prado assumindo a função de guia racional da melodia enquanto uma voz de timbre suave, mas aqui pronunciado com notas rasgadas ao final das palavras, assume a parte mais superficial do aspecto sonoro de A Chance To Bleed. É Ade imprimindo um lirismo de forte mensagem sobre pertencimento de maneira a fazer a metáfora do sangrar como um sentido de viver, um lirismo que estimula e energiza o comportamento de decisão e imponência. Uma música de estrutura simples, mas com ampla capacidade de excitação. Um inegável single de Honour.


Como o amanhecer de um dia de Sol e céu azul, cuja brisa traz uma energia reparadora e positiva, as linhas do baixo introduzidas solitárias na introdução constrói um ambiente regido por uma espécie de positivismo contagiante. Enérgico, provocante e acelerado, o mesmo groove vai recebe, repentinamente, acompanhantes que amplificam a excitação. Bateria e guitarra aparecem juntas em uma sincronia linear, mas cuja sensação de adrenalina emanada é crescente. Explodindo em uma melodia macia e curiosamente melancólica, a faixa-título vai apresentando uma digestão ainda mais comercial do que aquela oferecida em A Chance To Bleed. Dando justificativa a essa conclusão está o refrão cuja estrutura lírico-melódica é contagiante, animada, excitante e, principalmente, chiclete de maneira a fazer com que o ouvinte fique ouvindo incontáveis vezes, no inconsciente, os versos “ooh there is honour among us” e “ooh we don’t wanna make a fuss”. É na faixa-título também que Ade se posiciona com um vocal mais elétrico e na qual o baixo é o elemento indicador da roupagem estridente típica do conglomerado rítmico do punk.


Apesar de soar rápida e agressiva, a melodia introdutória possui um movimento rítmico que lembra a estrutura criada em 867-5309/Jenny, single do Tommy Tutone. Apesar disso, o que salta aos ouvidos em As Fake As You é uma roupagem inteiramente grunge que lembra a sonoridade criada principalmente pelo Pearl Jam em Gigaton, seu mais recente álbum de estúdio. De vocal rasgado e nitidamente selvagem, Ade se posiciona com uma interpretação lírica mista de deboche e provocação em que destrincha sobre falsidade fundida ao senso obsessivo de personalismo. Enquanto isso, a canção vai eclodindo em um refrão de melodia surpreendentemente mais macia que quebra, mesmo que por alguns instantes, a hegemonia da agressividade presente na faixa.


As guitarras, ao lado do beat da bateria, criam logo no primeiro instante uma melodia enérgica e indiscutivelmente excitante. Quando o baixo entra na base, ocorre uma amplificação considerável da adrenalina dessa sonoridade ainda embrionária que explode, enfim, em um instrumental melódico, mas acelerado e distorcido. Destroy It, em essência, possui uma estrutura rítmica majoritariamente linear, mas cujo lirismo estimula o sentimento de empoderamento no ouvinte.


A postura sonora é do punk no que concerne a forma como os instrumentos se movimentam. Contudo, a melodia que dessa sincronia se forma traz em si uma essência blues que contrapõe o peso das canções anteriores, mesmo aquelas que, por ventura, se evidenciam mais amenas que outras. É interessante notar q    ue a linearidade cavalgante da união dos instrumentos de corda com a bateria proporciona uma assimilação com a melodia de músicas compostas por bandas de campos opostos do aspecto punk. A primeira e mais próxima é ¡Viva La Gloria!, single do Green Day. A outra, que é explicada apenas pela curiosa maciez, é Whiskey In The Jar, single do Metallica. De toda a forma, uma vez que é elaborada sobre um instrumental linear, contagiante e cujo lirismo é calcado em poucas estrofes, Trash The Words acaba assumindo a posição de balada de Honour a partir de sua roupagem blues punk. Contudo, apesar de curto o seu lirismo é o mais político de todo álbum por criticar o extremismo, o autoritarismo e uma excessiva postura egomaníaca assumida por vários dirigentes de nações ao redor do mundo, sendo Bolsonaro um exemplo claro disso.


Voltando à energia vivaz que inunda canções como A Chance To Bleed e As Fake As You, a versão Cyanide Summer para Sometimes I Don’t Know, single do The Hellacopters, segue representando bem as influências melódicas nítidas de um soturno ao estilo Black Sabbath. Contudo, o grupo paulistano ousou no sentido mais estrito da palavra ao misturar à melodia punk-boogie-woogie da versão original pitadas generosas de ska punk nos versos de ar, momento em que o protagonismo recai obrigatoriamente sobre os sonares do trompete e do alto saxofone impressos por Fernando Sirino e Walter Egea, respectivamente. Por outro lado, é possível notar que tal interpretação para a canção acabou obtendo uma finalização mais equalizada de maneira a retirar certo tempero ríspido presente na original. De toda a forma, a nova roupagem é enérgica e ousadamente contagiante.


Apesar de ter sido inserido na adaptação de Sometimes I Don’t Know, o ska punk assume o protagonismo absoluto logo na introdução da faixa que dá sequência ao cover do The Hellacopters. Agressividade misturada com swing, a canção apresenta um aroma muito familiar que remete às melodias estruturadas nas canções de nomes como Os Paralamas do Sucesso e vem com uma maciez contagiante que é surpreendentemente preenchida por um lirismo calcado inteiramente no idioma português. Trazendo um enredo que estimula a fuga dos problemas e a possibilidade de mergulhar em uma aventura em busca da leveza e tranquilidade, Viajar traz em si grande semelhança rítmica com Toda A Forma De Poder, single do Biquini Cavadão, e um refrão animado, contagiante e chiclete. Curiosamente ou não, o fato de a canção ser interpretada em português faz dela um produto ainda mais original e de qualidade superior àquela das outras canções por soar nitidamente mais natural. Essa conjuntura de elementos faz de Viajar um produto ainda mais importante para Honour do que A Chance To Bleed.


É difícil ouvir o som introdutório emitido pelas guitarras e não se lembrar do riff icônico executado por Dave Murray em The Number Of The Beast, single do Iron Maiden. Ao mesmo tempo, a afinação das guitarras de Corsi faz com que o ouvinte ouça em seu subconsciente a sonoridade trazida por Alfred Koffler no refrão de Stop This Madness, single do Pink Cream 69. Melódica, enérgica e excitante, Dose De Realidade é uma música que mistura de maneira igualitária hard rock, pop punk, hardcore e ska de maneira a estruturar uma melodia agressiva e contagiante ao mesmo tempo. Com um solo de guitarra melódico capaz de realçar toda ampla gama de sabores existentes na sonoridade a partir de um swing sutilmente áspero, Dose De Realidade é uma música que fala sobre legado, mas ao mesmo tempo sobre a relação com o tempo e sobre a forma como se vive a vida. Oferecendo ainda uma semelhança rítmica com Welcome To Paradise, single do Green Day, no pré-refrão, Dose De Realidade fala, principalmente, sobre ter perseverança na vida e nunca se deixar abalar pelos imprevistos do destino. É como diz a própria Ade, “é preciso se erguer e caminhar!”.


É difícil de se observar uma banda brasileira mergulhar no universo amplo do punk ou mesmo tentar reverberar a sonoridade embrionário desse subgênero do rock. Felizmente, tal feito foi conseguido pelo Cyanide Summer em Honour, um disco enérgico, contagiante e que abraçou experimentações inusitadas que possibilitaram a criação de uma sonoridade original.


Afinal, não há apenas o punk em sua forma crua. Afinal, majoritariamente o disco soa como um produto de base pop punk abraçado pela agressividade e atitude punk. Ainda assim, não é difícil de ouvir pinceladas de grunge, hardcore ou mesmo de ska punk na melodia. Fora desse espectro, o Cyanide Summer ainda abrilhantou o trabalho com faixas estruturadas com blues e hard rock.


O que mais chama atenção em Honour, porém, é a questão da linguagem. Apesar de ser elaborado massivamente com lirismos interpretados na língua inglesa e por, entre as oito faixas que preenchem esse âmbito haverem títulos que merecem atenção, como A Chance To Bleed, As Fake As You e a faixa-título, são as interpretadas em português que soam mais naturais.


No que tange Viajar, ela vem com a amplitude rítmica do ska punk curiosamente colocada como trilha sonora de um lirismo leve. Já Dose De Realidade é talvez a canção com mais experimentação rítmica de Honour, pois em sua receita estão hard rock, heavy metal, pop punk, hardcore e ska. Do lado lírico, ela é uma faixa que busca excitar o ouvinte pela vida, lhe dando um caráter estimulante latente.


Do aspecto técnico, ao mesmo tempo que obteve uma finalização coesa entre crueza e leveza, a mixagem conseguiu estabelecer um som que denota de forma clara a influência punk sofrida pelo Cyanide Summer. Abraçando isso está a produção, que conseguiu capturar a energia e a sincronia existente entre os integrantes de maneira a obter um trabalho de som original.


Já na parte visual, a arte de capa de Honour traz em si uma imagem grotesca que se encaixa perfeitamente na textura punk. Feita pela Banca, a ilustração é recheada de cores em tons entorpecidos que abraçam uma imagem fúnebre que representa um indivíduo que deu a vida em nome de sua função, o que, aqui, funciona como uma boa metáfora para o conceito de honra.


Lançado em 04 de março de 2022 via Canil Records, Honour é um disco que abraça todo o espectro punk ao mesmo tempo em que não se limita exclusivamente a ele. Um disco contagiante e melódico cujas ambiências contagiantes conseguem se posicionar como a perfeita sonorização do asfalto paulistano.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.