Romulo Carvalho - Bem-Vindo Ao Fim

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Nunca é tarde para começar. Esse pode ser um mote que segue com firmeza a vida de Romulo Carvalho, cantor catarinense que, ao juntar músicas compostas durante sua adolescência com outras feitas nos dias atuais, fez nascer, no segundo tempo de 2021, um EP. Intitulada Bem-Vindo Ao Fim, a obra simboliza o início da carreira profissional do artista.


Um despertar melancólico-nostálgico tal como um entardecer ensolarado de tonalidades levemente rosadas banhadas pelo som do vaivém das ondas do mar abraça o ouvinte a partir de respiros de uma guitarra linear. A acompanhando está uma voz agridoce que carrega uma doçura macia e contagiante. É Romulo Carvalho trazendo, com seu timbre semelhante ao de Fabiano Cambota, um enredo lírico que corresponde à união da melancolia e nostalgia presente na melodia ao apresentar um conteúdo que aborda o fim do relacionamento. Nesse ambiente, os golpes da bateria de Ruan Rogê Mueller carregam e imprimem toques dramáticos à narrativa, aumentando a sensibilidade harmônico-melódica e atingindo, inclusive, as lembranças emotivas do ouvinte. Ficar com as lembranças boas e se desfazer das ruins é a maneira de armazenar o carinho, o respeito e a admiração por alguém que já não faz mais parte do dia a dia. Na base de um rock alternativo de grande sutileza, a faixa-título ganha uma crescente com a entrada do groove encorpado do baixo de Lucas Oz no pré-refrão e leva o ouvinte para um refrão de estrutura que, ao mesmo tempo em que é recheada de nostalgia, traz consigo uma roupagem enérgica cuja sonoridade lembra tanto a aquela construída pelo Pedra Letícia quanto pelo Abraskadabra, pois traz consigo flertes de um pop punk californiano.


É como o amanhecer de um calor ameno. É como o conforto de um abraço maternal. É como o sorriso correspondente a um bom bia. A maciez existente na introdução de Dose Limitada é tamanha que o ouvinte se vê embalado pela delicadeza sonora criada a partir da singela união da guitarra com o baixo. Curiosamente, a canção evolui de maneira semelhante à faixa-título, pois vem acompanhada de uma dramaticidade trazida pela precisão da bateria que, aqui, é somatizada a partir da dupla de guitarras formada por Carvalho e Diego Espíndola. Além disso, Dose Limitada vem com um diálogo sobre honestidade e sinceridade sentimental, mas o principal ponto aqui apresentado é o encontro do autoconhecimento para favorecer uma convivência harmônica que, se não em casal, que proporcione a evolução pessoal daquele que por ventura se encontra indeciso. 


Se nas canções anteriores existem toques de dramaticidade, em Guardei esse ingrediente é parte indispensável da receita melódica. Trazido pelas notas aveludadas e quase fúnebres do teclado de João Ullrich, ela possui uma base rítmica que muito se assemelha àquela de Let It Be, single do The Beatles. O que mais chama a atenção em Guardei é a sensibilidade lírico-harmônico-melódica que molda a arquitetura sonora desta que é indubitavelmente a balada-single mais potente de Bem-Vindo Ao Fim. Isso porque Carvalho caminha por trilhas delicadas que, mais do que autoconhecimento, fala sobre o efeito de sentimentos depreciativos e traz, ainda, menções indiretas ao conceito de vidas passadas trazido por religiões como espiritismo, umbanda e cardecismo. Guardei é uma beleza delicadamente doce que encanta e emociona.


Uma cor nova é avistada trazendo uma ambiência diferenciada. O amanhecer da gaita de boca de André Silva traz um swing adocicado de um folk melódico contagiante. É interessante notar que, desde os primeiros versos letrados, Uniforme Azul traz um parentesco lírico-melódico com aquele existente em All Star, single de Nando Reis interpretado por Cássia Eller. Minimalista, a melodia embalada pela maciez do violão acompanha um enredo de mensagens nostálgicas por apresentar um eu-lírico que recorda momentos áureos de uma ingenuidade infantil contagiante e cujo carinho sentimental é perceptível pelo ouvinte. De outro lado, a canção desfruta de um refrão enérgico com direito à união da guitarra distorcida e um solo de gaita de engrandece a atmosfera melódica. Não existe discussão que, ao lado de Guardei, Uniforme Azul tem tudo para também ser uma faixa representativa de Bem-Vindo Ao Fim.


A maciez segue com firmeza na introdução assim como uma estrutura contagiante que, aqui, vem nos moldes de um pop rock que mistura elementos do rock alternativo em que é notável a sinergia das guitarras. De uma doçura estonteante, Até O Fim oferece um lirismo que aborda diferentes abordagens do viver. Para alguns, pode representar o amadurecimento. Para outros, o viver consciente. Mas o que fica registrado é que, por mais que a vida possa oferecer espinhos e flores na mesma medida, o enfrentamento das eventualidades negativas serve para fortalecer e preparar as pessoas para ter um destino repleto de confiança e até mesmo imponência.


Uma roupagem amenamente dramática e macia é trazida pela dupla teclado-baixo. Os dedilhares de um violão singelo entregam uma cadência que amplifica a sensibilidade do ouvinte, já bem aflorada em virtude de canções como Guardei, Uniforme Azul e Até O Fim. A versão acústica da faixa-título traz uma levada mais singela que é dominada pelo compasso oferecido pela bateria assumida por Jones Raupp.


É incrível a sensibilidade e a capacidade que Romulo Carvalho tem em compor canções melódicas, macias e contagiantes sem serem enjoativamente radiofônicas. Afinal, Bem-Vindo Ao Fim é um EP que, indiscutivelmente, é repleto de singles. Alguns claramente possuem um maior apelo popular proporcionado ou pela melodia ou pelo lirismo, mas o fato é que todas as faixas do EP tem caráter de single.


Com influências notáveis de The Beatles, Titãs e Nando Reis, o EP caminha suavemente pelos espectros do pop rock, do rock alternativo, do folk e do pop punk de maneira a atrair, contagiar e comover o ouvinte. Isso porque Bem-Vindo Ao Fim é aquele trabalho que observa capítulos da vida com leveza e um carinho nostálgico que são amplamente sensitivos pelo ouvinte.


Repleto de rimas e uma ambiência recheada de uma nostalgia melancólica, o EP tem consigo um tempero extra que enaltece os outros ingredientes sonoros. Ele consiste no próprio timbre de Carvalho. Rasgado e levemente rouco ele consegue quebrar o excesso de doçura ao mesmo tempo em que consegue manter a sensibilidade melódica.


O trabalho de capturar influências, posturas e sensibilidades de maneira a proporcionar uma sonoridade original foi bem executado por Davi Carturani. Responsável pela produção e mixagem de Bem-Vindo Ao Fim, Carturani conseguiu fazer o EP soar de maneira profissional e homogênea porque, além de sua clara capacidade, estava nitidamente na mesma sintonia sensitiva de Carvalho e dos outros músicos recrutados para o Extended Play.


Da parte visual, Bem-Vindo Ao Fim não apresenta malabarismos artísticos. Feita entre Carvalho e Gui Becker, ela traz o cantor em vestes pretas modernas em um cenário de tonalidade bege craquelada que sugere o desgaste. Com feição leve e pacífica, Carvalho dá chance para uma interpretação de satisfação pelo caminho percorrido, sugerindo que o fim é um momento do encontro com a gratidão.


Lançado em 03 de dezembro de 2021 de maneira independente, Bem-Vindo Ao Fim é um EP de melodias extremamente belas e de uma sensibilidade doce emocionante. É um trabalho que mostra muito do potencial de Romulo Carvalho como compositor e, principalmente, como letrista.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.