Renan H.O Soares - Between Heaven, Hell And Bones

NOTA DO CRÍTICO
Nota do Público 5 (1 Votos)

Possível através da arrecadação via crowdfunding, Between Heaven, Hell And Bones finalmente viu a luz do dia. Gravado em Recife (PE) no homestúdio de Marco Melo, O EP marca o primeiro lançamento de estúdio do cantor recifense Renan H.O Soares em sua carreira solo. 


Um sonar enigmático, mas que traz consigo uma noção sombria, é ouvido de forma clara pelo ouvinte como uma espécie de aviso. Evoluindo de um chiado para um agudo quase estridente, ele dá passagem para uma levada macia, mas suja, vinda da bateria de Marcelo Dias. Mantendo o viés sujo, a melodia imerge para um ambiente grave e áspero que beira um gótico ao estilo The Cure, cujo corpo é construído por um baixo de riffs bojudos, mas pontuais, de Marco Melo. Por vezes estridente, o instrumento segue quase como em uníssono o vocal grave e empostado de Renan H.O Soares, que de maneira lancinante e hipnótica, faz de Unhallowed Be Thy Name uma reflexão de certos dizeres bíblicos de maneira a pensar a cegueira na fé, a limitação humana da sociedade e a própria figura de Deus sob os pontos de vista da ingenuidade e da imaturidade pueril. Com rompantes de uma transcendentalidade curiosa, Unhallowed Be Thy Name ainda consegue misturar em sua receita notas de nu metal de maneira a deixar sua estética sonora ainda mais sombria.


A guitarra vem solitária caminhando pelo solo lamacento e denso. Dando passagem para rompantes de um uníssono melódico e ácido que ilumina com cores quentes a escuridão do ambiente, o instrumento segue como um norteador rítmico-melódico. Misturando um grunge soturno ao estilo Stone Temple Pilots com pitadas de heavy metal e rock alternativo, My Personal Hell é uma canção de estética curiosamente cativante em suas transições sombrias, ásperas e sonoras. Sendo possível também notar ligeiras influências do Nickelback em sua construção, a canção tem inclusive uma tendência para um hard rock mais obscuro que chega a flertar timidamente com o metal alternativo. É assim que My Personal Hell dialoga sobre o assombro de um passado que impede o personagem de conquistar a máxima da superação. Um personagem que se autoflagela sempre que a consciência lhe invoca o senso de culpa.


É como uma marcha fúnebre. A melodia traz um senso de torpor misturado com uma melancolia sínica, fatores perceptíveis, mas de peso enfraquecido pelo sonar abafado. Persistindo durante toda a execução, esse fator enfraquece o peso e a densidade pedidos pela releitura de The House Of Gold And Bones, single do Stone Sour. Não à toa que a mixagem executada no cover aparece como se fosse captada em uma garagem, tamanha a crueza de seu som. E a bateria é o instrumento que mais evidencia esse sabor que beira o insosso. Em contrapartida, a guitarra e o baixo conseguem recriar a precisão, o sombrio e a precisão da versão original de maneira a evidenciar seu parentesco estético com Animal I Have Become, single do Three Days Grace. O curioso é ver como Soares acertou na escolha da faixa para inserir em seu EP de estreia, afinal, ela tem um lirismo que beira o dramático, mas que narra simplesmente a busca de um indivíduo por sua própria autonomia enquanto duela com um inconsciente inconstante e intensamente instintivo.


É um EP curto, rápido e grosso. Ainda assim, Between Heaven, Hell And Bones consegue reproduzir a ânsia de Renan H.O Soares em fazer música. Afinal, o material, com suas duas faixas autorais, mostra o lado soturno, dramático, intenso, denso e ácido de um indivíduo que questiona a fé, lida com o passado e busca por um senso de independência.


É assim que Renan H.O Soares se apresenta ao mercado musical brasileiro. Se destacando por não seguir a sonora zona de conforto regional do frevo, o músico pernambucano apresenta um trabalho que, mixado e produzido por Melo, caminha entre o gótico, o nu metal, o metal alternativo, o rock alternativo, o heavy metal e o grunge com uma boa pronúncia do inglês.


Ainda que a aspereza e o potencial de intensidade sejam percebidos, a tarefa de Melo especialmente na mixagem deixou a desejar. O material é apresentado com uma finalização de som abafada e negativamente crua a ponto de esconder a densidade das melodias desenhadas.


Fechando o escopo técnico, vem a arte de capa de Between Heaven, Hell And Bones. Assinada por Lucas Rigaud, ela traz Soares ao centro da imagem em meio a um estacionamento. A partir de uma superexposição, as cores saem intensas a ponto de fazê-lo parecer uma caricatura, mas com a capacidade de dialogar sobre as noções de autoconhecimento e os caminhos certos a serem seguidos pela vida, fatores indiretamente abordados no material.


Lançado em 15 de setembro de 2023 de maneira independente, Between Heaven, Hell And Bones apresenta um indivíduo com capacidade, musicalidade e garra para crescer no ramo da música. Entre erros e acertos, o EP mostra, acima de tudo, um artista questionador de veia ácida e soturna que busca o equilíbrio entre liberdade, fé e autoconhecimento.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.