Labatú - Past Months

NOTA DO CRÍTICO
Nota do Público 5 (2 Votos)

Por si só, a banda já se mostra ser cosmopolita. Afinal, ela é o resultado da reunião de três paraibanos e uma japonesa que se encontraram em terreno paulistano. Desse resumo e após o anúncio do clipe da faixa Big Idea, o Labatú vem apresentar Past Months, seu EP de estreia.


Suave, macia, swingada. Agradavelmente melódica em seus toques adocicadamente florais, a presente canção oferta uma estrutura linearmente contagiante em sua mistura de rock alternativo com pitadas de dream pop com toques nórdicos, é possível ver que a canção caminha por terrenos provenientes do pós-punk. Provando, assim, boa versatilidade do Labatú, Big Idea traz Naomi Kikuchi como voz principal. A partir daí, o ouvinte consegue degustar mais de suas características vocais, bem como sua agudez gélida e sua delicadeza heterogênea. De estrutura curiosamente alegre e com uma sensualidade mais branda, Big Idea traz o som adocicadamente sintético do teclado como um protagonista ludibriante em seu caráter aveludado. De maneira surpreendente, é possível perceber que existe, no enredo da canção, críticas ferrenhas não apenas à escravidão perante o relógio ou mesmo ao modelo de trabalho capitalista. Existe aqui a preocupação com a saúde mental e emocional e a evidência do insensato e unilateral foco em resultados sem pensar no bem-estar dos colaboradores. Alfinetando especialmente o esquema de trabalho em agência de publicidade, Big Idea traz o cansaço da rotina, as exaustivas horas trabalhadas, o foco em resultados, a disputa de cargos, a ausência de companheirismo e parceria, bem como os atos realizados em prol de interesses futuros. Um cenário desgastante, desmotivador e estressante que faz o café e o álcool serem melhores amigos na tentativa de se manter esperto e, simultaneamente, leve.


Aveludadamente sensual em sua melodia surpreendentemente mais orgânica, a nova canção mantém Naomi na posição de vocal principal. Apoiada em sobreposições vocais e no backing vocal de Leon Guimarães, ela faz com que Show Me The Love tenha, em sua estrutura rítmico-melódica, flertes com o post-punk ao mesmo tempo em que acessa uma curiosa familiaridade estética com aquela encontrada na canção Suddenly I See, single de KT Tunstall, o que lhe confere uma leveza indie rock. Sem conseguir extraviar o torpor padrão de suas canções, o Labatú acaba inserindo, na canção, também interessantes toques de uma libido sedutora. Não é para menos que Show Me The Love é um produto que, liricamente, explora não apenas o desejo do eu-lírico em conhecer o amor no sentido de relacionamento, que é o que de fato salta aos olhos e domina a temática interpretativa de maneira geral. Afinal, a canção parece dialogar de um amor metafórico, um amor na forma de bondade, de compaixão. De humanidade. 


Um indie rock praiano e ondulantemente hipnótico é apresentado com suavidade ao ouvinte em um ambiente mais festivo, proporcionando um cenário de reunião entre amigos em uma praia sob céu noturno. Com direito à fogueira e violão, todos se encontram em volta do fogo em clima de um agradável entrosamento. Essa paisagem é proporcionada, principalmente, pela forma como a guitarra de Guimarães apresenta o seu riff, soando quase como uma melodia havaiana. Mantendo o protagonismo do groove do baixo de Davi Ribeiro, a canção continua, também, oferecendo um denso senso de torpor que contamina todo o ambiente por meio de seu indie rock hipnótico que, aqui, beira o alucinógeno. Agraciada por harmonias delicadas proporcionadas pela união entre o vocal de Guimarães e o backing vocal de Naomi, Mama’s Boy dá destaque, durante o refrão, ao sonar ácido e tremulante do mellotron, o qual fornece um curioso senso de conforto ao ouvinte. Enquanto isso, o lirismo acaba por evidenciar uma narrativa divertida e curiosa. Afinal, Mama’s Boy evidencia a relação platônica, visceral e de toques condescendentes entre o protagonista e sua irmã e mãe. Tido como uma pessoa frágil e imatura, a canção destaca a forma como o cuidado excessivo pode simbolizar um empecilho na aquisição de maturidade e malandragem para com as situações da vida. Ao mesmo tempo, ela traz questões inerentes aos preconceitos socialmente institucionalizados em relação ao relacionamento entre pessoas mais velhas. De fato, uma condescendência excessiva travestida em cuidado e atenção.


Sua sensualidade é mais amigável, mais feliz. Mais alegre. Sem aquele barroquismo entorpecido das canções anteriores, a presente faixa traz uma maciez que tenta romper com o marasmo amofinado fornecendo ligeiros requintes de raios solares capazes de acalorar o cenário. Mergulhando, a partir da levada da bateria de Luís Pio, em uma base rítmica jazz, a música já começa com uma melodia aveludada sugerida pela sincronia entre o coro vocálico e a base doce e ácida trazida pelo teclado. Contudo, o mais interessante em My Old Friend é que, mais que um sabor nostálgico, ela vem com um contagiante clima de reencontro. Destacando os falsetes gélidos de Guimarães, a canção tem a capacidade de transformar aquela impressão inicial para algo introspectivo, melancólico e entristecido. Afinal, a verdade é que My Old Friend evidencia a forma mais visceral da nostalgia de tempos regados pela leveza, pelo descompromisso. Pela pureza de uma vida permissiva quanto à irresponsabilidade e ao máximo ócio. Consequentemente, ela destaca como a vida de trabalho, escravizada pelo relógio e por uma rotina carniceira conseguem mastigar toda aquele ímpeto de liberdade, suavidade e candura que um dia moldaram a essência desse personagem em notável crise emocional.


É interessante como as melodias conseguem transportar o ouvinte para ambientes imagéticos apenas pela sua sensibilidade. E no novo contexto, o indivíduo é levado para o topo de uma colina. Com os pés no limite de sua borda, é possível sentir a brisa do vento fazer valsar o cabelo e tremular o corpo, enquanto os olhos ficam vidrados no além-mar banhado por um céu cinza e chuvoso. Acordado em sua plena consciência no acesso ao inconsciente, o personagem se vê entorpecido em uma espécie de devaneio maravilhosamente fantasioso. Enquanto o som do hammond moldou, com acidez, a base sonora, a guitarra, com seu riff agudo e sutilmente tremulante, junto à bateria, cria uma espécie de textura confortável capaz de amorfinar o sofrimento. E nesse ínterim, é curioso ver como o baixo, em suas linhas groovadas e bojudamente consistentes, funciona como elemento de lucidez em meio a essa alucinação autoimposta. Com requintes de um tipo de new wave nórdico, Montevideo talvez seja a canção mais significativamente autobiográfica e honesta de Past Months até então. Afinal, é difícil se dissecar e compreender as causas do desconforto. E ainda mais complicado é perceber que a razão para tal é uma carência de algo que vem do berço, da origem. Daquele lugar chamado lar. Em Montevideo, portanto, o Labatú não apenas compreende, mas é capaz de externizar, verbalmente, os efeitos da saudade de casa em um indivíduo na ânsia de provar sua independência e sua capacidade de se autossustentar. Ainda que residindo em um lugar de belas paisagens e de uma comunidade hospitaleira, o que vem do coração não é facilmente calado. Talvez, nem o álcool do vinho mais puro seja capaz de fazer esquecer, de fato, daquela lacuna emocional aberta dentro do peito urrando pela aliviante atmosfera familiar que acalma não só os ânimos, mas, principalmente, a mente.


A praia está em um estado inóspito. Sua areia sobrevoa livremente sob a valsa do vento em um entardecer de outono conforme, no horizonte, o Sol vai se pondo lentamente no além-mar. A maré, por sua vez, tal como se regida pela calmaria da solidão reconfortante, se movimenta mansa e delicada. Por meio de uma guitarra de riff ligeiramente nauseante em sua afinação quase hipnótica, esse é o cenário imagético que o ouvinte constrói no seu subconsciente. Junto de chiados propositais que inserem pitadas nítidas de lo-fi, o instrumento vai desenhando uma melodia inicial macia até que, acompanhando de maneira sincrônica tal textura, o restante dos instrumentos entra em suas contribuições individuais criando uma totalidade sinergicamente entorpecente. O teclado, a partir do sonar do hammond, insere um dulçor ácido na base melódica junto ao baixo, que com suas linhas encorpadas e groovadas, cria um corpo bojudo à canção. Com esse respaldo melódico, a bateria vem tranquila, serena e com uma levada agradavelmente fluida, desenhando uma cadência rítmica confortavelmente digestiva. Assim, Guimarães se vê imbuído de uma confiança para que consiga mergulhar em uma interpretação lírica suavemente sensual e introspectiva por meio de seu timbre cuidadosamente rouco e sussurrante. Ainda que aparente um estado de profunda morfina, Late Again surpreende por ter versos melódicos de harmonia latente que demonstra saliência, consistência e toques de libido em uma espécie de mistura de progressivo, hard rock e indie rock. Ainda assim, é inevitável que Late Again, com seu enredo lírico que demonstra o poder do contágio do excesso, da intensidade e da ausência de limites. Tudo metaforizado por um cenário festeiro sem hora de encerramento. O curioso, porém, nesse processo, é que o Labatú apresenta o conflito entre o id e o ego quando o personagem lírico se vê no meio da consciência da necessidade de ir embora e da insanidade do cenário confraternizante. É como a demonstração de um psiquê frágil que necessita da máxima experiência para atingir seu êxtase de bem-estar.


Ele é um EP que se vende pela sua maciez, pelo intenso torpor e pelos grooves salientes. Um extended play que apresenta uma banda dissecando não apenas o seu inconsciente, mas pondo à prova sua lucidez e sua capacidade de compreender as próprias emoções. Mais do que um produto de autoconhecimento, Past Months é a consagração do trajeto da vida e o que ele, na forma do destino, faz com a essência de cada personagem planetário.


Delicado, sensitivo e equilibrado em suas nuances melódicas, o EP surpreende por fazer o ouvinte conseguir degustar, individual e coletivamente, a contribuição de cada instrumento na construção do escopo rítmico-melódico. Demonstrando ser um bom feito de Rafael Thémes no exercício da mixagem, essa qualidade fez com que Past Months soasse maduro em sua essência experimental.


Não se atendo a apenas um único gênero, consciente, ou, inconscientemente, o Labatú rompeu a fronteira unilateral do indie rock. Afinal, com o EP, o grupo transitou, com grande versatilidade, pelos terrenos da new wave, do pós-punk, do hard rock, pitadas de progressivo, lo-fi e até mesmo de dream pop e jazz. 


Muito além do contexto sonoro, Past Months também chama a atenção pelos temas líricos abordados pelo Labatú. Do espectro introspectivo ao mais social, o EP explora a saudade em suas máximas esferas, bem como a maturidade e a relação trabalhista capitalista nichada na área da comunicação.


Portanto, Past Months é onde o Labatú se vê livre para que seus integrantes façam, individualmente, seus próprios processos introspectivos autoanalíticos e reflexivos. E é aí que o ouvinte pode encontrar representatividade também em relação às suas angústias e às suas inseguranças. 


Fechando o escopo técnico, vem a arte de capa. Assinada por Carol Gamboa, a obra tem uma gama ampla de significâncias. Ela pode transparecer como a metáfora de cada integrante abraçada por uma força maior, como se os indivíduos estivessem sempre sendo assistidos por uma força cósmica. Por outro lado, ela pode destacar somente o lado cósmico e transcendental a ponto de comunicar, por meio dos elementos cuidadosamente dispostos pelas suas cinco camadas arredondadas, a fluidez e a continuidade da vida, mesmo perante os seus altos e baixos. 


Lançado em 04 de junho de 2024 via Trópico Música, Past Months é um EP pessoal de caráter melódico embriagantemente cósmico em sua máxima entorpecência. Macio, sensual e experimental, o EP é onde o Labatú explora o seu inconsciente na busca da compreensão de suas próprias emoções provenientes de suas vivências individuais.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.