Gorillaz - Meanwhile

NOTA DO CRÍTICO
Nota do Público 4 (2 Votos)

Pouco menos de um ano após lançar Song Machine, Season One: Strange Timez, seu sétimo disco de estúdio, o Gorillaz retorna para concorrer a colocações expressivas nas listas da Billboard, Rolling Stone e Spotify com seu primeiro EP. Intitulado Meanwhile, o trabalho marca, inclusive, o retorno do grupo aos palcos após o isolamento imposto pela pandemia da Covid-19.


O sintetizador, com seu som entorpecente e aveludado, introduz o ouvinte à faixa de abertura. Sem muito esclarecimento do cenário que a música poderia oferecer, bruscamente o ouvinte é levado para um ritmo calcado no rap e de sonoridade grave, oferecendo uma atmosfera até mesmo sinistra. Isso é cooperado com a voz grave de Jelani Blackman, quem invade a cena e insere um lirismo que, antes de tudo, repudia o ódio para, enfim, enaltecer o carnaval de Notting Hill, a dança, a interação, as cores e, porque não, a vida. E acompanhando esse lirismo rappeado, um beat linear executado por Remi Kabaka Jr. dá uma cadência acentuada e sedutora à canção. Porém, o que assume a função de enaltecedor de sabor na faixa título são as linhas dramáticas do violoncelo de Isabelle Dunn que casam com o sobrevoo crescente dos violinos de Nina Foster, Oli Lagford e Sarah Tuke. Criando uma atmosfera lúdica ao estilo Tim Burton, os notas crescentes e agudas do teclado levam o ouvinte para a ponte da canção, momento em que 2-D  enfim assume o microfone. Para aqueles que esperavam frases em ritmo reggae cantadas por Barrington Levy, pode se dizer que a expectativa não foi atendida. Afinal, o cantor emprestou os vocais apenas como um eco de palavras cantadas por Blackman ou 2-D.


O instrumental é completo. 2-D, NoodlesMurdoc Niccals e Russel Robbs trazem, respectivamente, a guitarra base, solo, o baixo e a bateria acústica para Jimmy Jimmy. Apesar da surpreendente levada reggae e, consequentemente, jingada, trazida pelo riff da guitarra base e o groove encorpado do baixo, a canção é como um irmão mais novo de Jesus Of Suburbia, single do Green Day. Afinal, o parentesco lírico entre as duas faixas é bastante evidente. Ambas as canções contam a história de um personagem suburbano em busca de sucesso e que, ao mesmo tempo em que se encontra no entorno de amigos, vive em conflito perante o mundo das drogas, da depressão e da pressão. Porém, a maior semelhança está, de fato, no nome da faixa. Para o Gorillaz, o personagem se chama Jimmy Jimmy e para o Green Day, se chama Saint Jimmy. Com vocais rappeados, 2-D traz ao ouvinte questionamentos impactantes como “why is bein' loved so appealin'?” e, na companhia de AJ Tracey, critica a pobreza e a desigualdade de Notting Hill. Uma história épica que, apenas pelo enredo lírico, não há dúvidas de que é a principal faixa de Meanwhile.


Assim como em Jimmy Jimmy, o ritmo que pauta a melodia em Dèjá-vu é o reggae, mas aqui com ritmo mais presente por conta da também participação do teclado de Jesse Hackett e Mike Smith acompanhando homogeneamente a melodia. É como se o ouvinte conseguisse se sentir na Jamaica sem nunca necessariamente ter estado lá, afinal, o groove do baixo de Seye Adelekan e a levada swingada da bateria de Femi Koleoso criam uma completa atmosfera festiva e alegre com ares tropicais fortes. Ao mesmo tempo, pode ser notada na sonoridade da canção influências africanas nos meslismas da convidada Alicai Harley. Com toques melódicos do ska emaranhados por entre o reggae, Dèjá-vu é uma música cujo lirismo aborda questões sobre se manter tenso e preso às amarras da moralidade social representada num medo aparente de mostrar a verdadeira identidade. Ao mesmo tempo, a canção traz entre os personagens uma figura que se diz vir do futuro, a qual ao dizer “I like the future (I can do a lot of things nobody else can)” deixa brechas interpretativas que indicam um período no tempo em que a liberdade de expressão é total. Eis que se tem um sinal de que a canção serve, inclusive, como um protesto prol comunidade LGBTQi+ por, justamente, defender a liberdade.


Meanwhile é, antes de mais nada, um EP surpreendente. O primeiro motivo para tal é que, no trabalho, o Gorillaz saiu completamente da sua zona de conforto eletrônica e imergiu no campo jamaicano por abordar fora o ska, o reggae e sua derivação dub. Além disso, existem menções à música africana na melodia lírica, o que torna o extended play diferente dos demais lançamentos do grupo.


Outra razão é o lirismo que preenche as três canções. Jimmy Jimmy é uma faixa épica apesar da duração mediana. Além de crítica à pobreza e à desigualdade social, as faixas título e Dèjá-vu defendem, com suas peculiaridades rítmicas, a liberdade de expressão e exortam o carnaval como sendo um ambiente em que a aceitação é um mote.


A terceira, mas não menos importante razão que explica o fato de Meanwhile ser surpreendente é o convite para que músicos além da fronteira real britânica participassem do projeto. E talvez por isso, a voz de 2-D parecesse um tempero extra com seu sotaque inglês afiado ao invés de ser parte da base melódica.


É claro que a melodia se completa quando a finalização produção-mixagem é efetuada em harmonia. E isso aconteceu com a clara química existente entre a produção mista entre Gorillaz e Kabaka Jr. e a mixagem de Matt Buttcher e Stephen Sedgwick surtiu em bons frutos. Afinal, o EP soa leve e ao mesmo tempo denso.


Lançado em 26 de agosto de 2021 via Parlophone Records, Meanwhile é um EP fora da caixa. É festivo, mas ao mesmo tempo crítico. É swingado e ao mesmo tempo rappeado. É uma completa miscigenação rítmica tal como pede a exortação pela alegria do carnaval de Notting Hill.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.