Ébrio - Expirar

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Com cinco anos de idade, o quinteto brasiliense Ébrio enfim anuncia seu primeiro material. Intitulado Expirar, o EP de estreia conta com letras totalmente em português, além de ter suas faixas disponíveis nas diversas plataformas de streaming com distribuição da Ditto Music.


Bem ao fundo, como se fosse um ressoar vindo de um horizonte distante, a guitarra surge já em um tom áspero com leves pitadas de azedume. Também com sutis sinais de estridência, ela tem sua ressonância calada como se sugada por um aspirador. Milésimos de segundo mais tarde, ela se percebe em um uníssono melodramático que recebe seu último elemento. Renan Kaly, com seu timbre grave e suspirante capaz de lembrar aquele de Gustavo Bertoni, insere na canção já em uma ebulição considerável uma sensualidade despropositada, enquanto uma mistura de stoner rock e hardcore melódico vai se firmando. Lancinante e soturna, Burnout possui uma sonoridade bem equalizada, fazendo com que, durante a iniciação de sua segunda estrofe, até mesmo os pitacos do baixo de Ian Max seja ouvido com nitidez, entregando uma base sorrateira. Com sutis semelhanças com a estética melódica de A Cura, single do CPM 22, Burnout fala sobre uma necessidade ensandecida de inclusão e pertencimento, questões que consomem a essência do indivíduo, lhe tirando todo o brilho. É assim que se encontra a confusão ética entre a busca por aceitação e a consequente falsidade para atingir tal objetivo.


Com o mesmo efeito de Burnout, a guitarra surge ao fundo, bem distante, como um sopro. Sua acidez é, aqui, mais pronunciada, ao ponto que, quando em dupla, faz Taylor Drumond e Felipe Santos insiram um stoner rock ainda mais latente em relação aquele da faixa anterior. Na presente canção, ainda, a bateria de Victor Gurgel aparece mais precisa e mais sisuda, construindo uma base rítmica mais rígida, mas não de difícil degustação. Com ligeiras notas sujas e de azedume, Inverso mantém uma curiosa linearidade melódica até sua explosão melodramática, repetindo e reforçando a receita da música de abertura de Expirar. Sob um vocal mais limpo, Kaly traz um enredo melancólico-nostálgico, cujo personagem vive a dor do coração, a dor do luto. É o conviver com uma superação dolorosa de uma vivência amorosa não prosseguida.


A surpresa vem logo no começo. Não há som ao fundo. O que vem é direto um punch sonoro com protagonismo de um bojudo corpo de leve estridência vindo do baixo. Misturando detalhes do stoner rock com o rock e o metal alternativos, Longânime tem uma veia sombria e dramática que, com toques sorrateiramente dilacerantes, dialoga sobre amadurecimento. Não só isso. A faixa também fala do medo perante a incerteza do amanhã e a antítese entre a vontade de crescimento e a querência de permanecer na rotina, sendo aqui a exibição da insegurança da independência.


A escuridão amedronta e assusta, mas é ela que abriga um indivíduo em visível confusão mental. Essa confusão nada mais é do que o reviver de experiências movidos por um senso de culpa e na consequente busca cega por erros cometidos. E essa escuridão que a abraça é a própria ausência de sanidade, uma experiência movida pela falta de uma censura benéfica capaz de interceder futuros trágicos. Alguém? é como um simples recado de que tudo o que se fala tem um peso e uma consequência na vida daqueles que o ouvem. É a busca pelo equilíbrio entre o que deve e o que não deve ser dito. 


Sombrio, dilacerante e melodramático. Como um material de estreia, Expirar é um material que já comunica uma identidade sonora bem definida e bem construída. Por meio de suas quatro faixas, o EP mostrou que o Ébrio é um quinteto que possui uma veia soturna, lancinante e obscura.


Tratando de temas frequentemente encontrados no cotidiano, como necessidade de inclusão, luto amoroso, a insegurança do amadurecimento e a assumição de uma consciência de que as palavras têm vida, e que, por isso, podem ferir o outro tanto quanto um embate físico.


Para dar voz a esses questionamentos temáticos, o Ébrio se aliou a Ricardo Ponte no exercício da mixagem. Com o profissional, Expirar não soou apenas maduro, mas soou com uma linearidade auditiva estranhamente bem equalizada. Afinal, por meio dela o ouvinte, além de conseguir captar a energia melódica e identificar a contribuição individual dos instrumentos, percebe a existência do stoner rock, do rock e metal alternativos.


Fechando o escopo técnico, vem a arte de capa. Assinada por Kaly e Pedro Lenehr, ela traz um indivíduo de costas, cuja vestimenta dá a ideia de se tratar de um malfeitor. De caráter urbano, ela ainda exorta uma essência psicodélica que consegue confundir o ouvinte entre o que é e o que não é real. Um delírio que casa bem, inclusive, com o significado da palavra ‘ébrio’.


Lançado em 20 de novembro de 2023 de maneira independente, Expirar é um EP sombrio, dilacerante, soturno e dramático que trata do cotidiano sob um ponto de vista lancinante. A superação, a dor, a insegurança e a maturidade são questões presentes na vida de todos, e seus enfrentamentos são resultados individuais que cada pessoa deve encontrar à sua maneira.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.