Anônimos Anônimos - Baita Astral

NOTA DO CRÍTICO
Nota do Público 5 (1 Votos)

São dois anos de existência, o que significa ser filho da pandemia. Nesse ínterim, o trio paulistano Anônimos Anônimos anuncia ao mercado fonográfico nacional seu produto de estreia. Intitulado Baita Astral, o EP foi produzido a partir de raros momentos de reunião possíveis entre as baixas ondas de proliferação da Covid-19 em 2021.


Um suspense inebriante acompanha o ouvinte a partir de um sonar agudo e linear que paira pela introdução. Incertezas, expectativas e dúvidas circulam o ambiente com uma frequência quase desordenada até que, entre os deslizares das cordas, a guitarra produz um riff grave, curto e melancólico que curiosamente captura o ouvinte pelo seu teor introspectivo. Ao fundo, a bateria vem aumentando sua presença e pressão de maneira gradativa até que a melodia atinge seu ponto de ebulição ao exalar uma sonoridade cadenciada, azeda e explosiva. No primeiro refrão, um excesso de pressão proposital, estridente e potente vem do baixo de Roberto Bezerra como um chamado para que o ouvinte se atenha àquilo que Particelli tem a dizer. E em Esse Cara Não Sou Eu, o Anônimos Anônimos avalia o errôneo conceito socialmente empregado à palavra perfeição. Virilidade, força, beleza. A deuzificação do indivíduo. Porém, com sabedoria e consciência, o trio escancara a verdade de que, mesmo aqueles que, nos olhos de muitos, levam uma vida invejável, sofrem de seus próprios demônios negativistas. Mais do que dizer que a perfeição não é sinônimo de felicidade, Esse Cara Não Sou Eu, faixa mais delicada de Baita Astral, desmistifica a ideia de que o sofrimento tem presas preferidas. A depressão posta em protagonismo é uma enfermidade que não escolhe dia, hora nem classe social. Ela chega sem aviso e abraça sempre quem menos a espera. Uma análise social dramática que transpira desespero e angústia.


Como o nascer do Sol de iluminação acelerada vinda do horizonte, a sonoridade tem seu despertar. Puxada por um vocal rasgado e levemente grave de Flávio Particelli, a música já comunica uma mistura de maciez, excitação e melodia. Reconfortante como o amornar do Sol em uma tarde de inverno, Só Se Morre Uma Vez consegue trazer crueza, um som de garagem e transmitir um curioso senso de autoestima que exala da sincronia ainda imatura, mas cheia de vontade dos integrantes. Trazendo uma mistura interessante de Bayside Kings e Dead Fish, Só Se Morre Uma Vez  é a pura alegria da gratidão em estar vivo que dialoga sobre medo, sobre insegurança e sobre a perseverança em continuar construindo o caminho do próprio destino. Com auxílio da levada 4x4 da bateria de Marcelo Sabino, Só Se Morre Uma Vez consegue tirar o ouvinte do chão e fazê-lo esquecer, durante seus pouco mais de dois minutos, os problemas que acompanham a rotina. Um perfeito escapismo que aproxima banda e ouvinte.


Com uma levada hardcore puxada pela sincronia entre bateria e baixo, o ouvinte já se vê quase na obrigação de balançar a cabeça e fazer o headbanging. Aqui o curioso fica a cargo da forma como Particelli interpreta o conteúdo lírico, uma forma capaz de sonorizar estritamente o que a palavra quer dizer. Crescendo a partir de rompantes ásperos, Tô Bem Não escorrega para um refrão contagiante, rápido e de versos-chiclete que dialogam sobre o estresse, sobre o peso da rotina e sobre a rapidez com que o tempo passa, Tô Bem Não não é apenas um convite para a formação da Mosh, mas também uma canção que representa todos aqueles que levam uma vida assolada por uma rotina cansativa e desanimadora.


A guitarra chega bruta e com a companhia ríspida de uma bateria precisa em seus pedais duplos secos e sua levada suja. Evoluindo para um swing contagiante que, diferente de Arquipélagos, recai sobre a estética do hard rock, Seja Ridículo, Seja Feliz é estritamente sexy e perigosa, mas também densa, levemente sombria e de lirismo motivacional e positivista. Transitando também pelo hardcore, Seja Ridículo, Seja Feliz  é uma aula de autoestima e autovalorização ao mesmo tempo em que é uma espécie de simpósio para que o ouvinte seja o que quiser, contanto que não esconda sua identidade, sua essência e suas emoções.


De levada surpreendentemente swingada, a bateria vai recobrando seu espaço a partir do efeito fade in. Quando a guitarra entra em cena confirmando uma melodia swingada, a sonoridade cria um repentino parentesco com a estrutura rítmica de A Little Less Conversation, single de Elvis Presley. Curiosamente mais amena e com um vocal mais limpo, Arquipélago assume uma postura jovial e quase ingênua que a faz flertar com o pop punk ensolarado e praiano da Califórnia. Contagiante e harmônica, a faixa consegue exalar notas nostálgicas enquanto dialoga sobre o relacionamento. Mais do que isso, Arquipélago fala sobre amadurecimento, sobre intensidade, sobre determinação e, principalmente, sobre superação. Arquipélago é decididamente a balada de Baita Astral.


Surpreende que logo com um primeiro material um grupo consiga unir letras que divertem e refletem com melodias contagiantes, ásperas e densas. O Anônimos Anônimos conseguiu o feito com Baita Astral, um EP que, simplesmente, ensina a agradecer pela vida e a valorizar a essência que existe em cada indivíduo.


Com um som  cru e de garagem, o trio paulistano conseguiu criar um som autêntico, explosivo e contagiante ao fundir hardcore com pop punk e hard rock. Educativo, reflexivo e motivacional, Baita Astral é como um vaivém de emoções que representam as diferentes fases de sua própria composição. Afinal, é possível sentir o desânimo do isolamento, a alegria do reencontro e o tédio da rotina. 


Com produção e mixagem de Phil Fargnoli, Baita Astral acabou resultando na mistura de sujeira, pressão, rispidez e swing. Esses ingredientes foram essenciais para que, além de construir um elo com o ouvinte, foi um instrumento de extravaso de diversas emoções há muito reprimidas.


Fechando o escopo técnico, vem a arte de capa. Assinada por Caio Minero, é possível enxergar semelhanças com o mascote do Bayside Kings. Apesar disso, os traços rudes e a combinação das cores amarela e preta já trazem em si a informação de se tratar de um produto que flerta com o universo punk. No mais, é interessante perceber que a feição da caveira e sua pose de peito empinado trazem uma conotação de autoestima, alegria e mesmo de aceitação. Isso é, de fato, grande parte daquilo que o EP oferece. 


Lançado em 05 de agosto de 2022 via Repente Records, Baita Astral traz uma banda jovem, consciente de seu som e com sede por reconhecimento. É um produto que consegue ser motivacional, reflexivo e divertido na mesma medida. Um escapismo da rotina e um extravaso aliviante.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.