Victoria Saavedra - Peripécias

NOTA DO CRÍTICO
Nota do Público 5 (1 Votos)

Segundo disco da carreira, mas o peso reflexivo para a própria artista transcende os limites da melodia. Esse é Peripécias, um disco que ficou na geladeira desde o fim de 2020, mas que agora, pouco menos de dois anos depois, finalmente foi anunciado por Victoria Saavedra.


É como o nascer do Sol no horizonte árido do sertão. A voz aguda e precisa de Victoria Saavedra traz em si um timbre que, despropositadamente, vem repleto de regionalismo de forma a, a partir disso, trazer uma singela semelhança com Luiz Gonzaga. Apesar de seu português bem pronunciado, o sotaque da cantora não consegue mascarar suas raízes colombianas, ingrediente que entrega uma cadência diferenciada à sua música. Em Ao Léu, inclusive, ela é um tempero marcante. Ao seu lado está um violão inicialmente linear que, sob o comando de Mateus Porto, imputa a salsa na melodia introdutória. Já é evidente o frescor e, conforme Matheus Prado vai inserindo elementos percussivos como o pau de chuva, o atabaque, o pandeiro e o agogô, um swing latino é extravasado da sonoridade que ainda contempla o samba graças à aveludada agudez do clarinete de Domingo Duclos. Em Ao Léu, Victória discute com sutileza questões como pertencimento e a liberdade de viver uma vida sem as amarras do medo e da insegurança. Uma música que defende um cenário de incontáveis descobertas.


O violão vem com uma levada mais lenta e compassada que proporciona, ao lado do bumbo que proporciona a contagem do tempo, uma sonoridade quase embriagante que flui para um repentino silêncio. Hiato sonoro é rompido por um intenso swing que é puxado pelo violão e o atabaque, mas toma corpo com a entrada da dupla de metais formada pelo trompete e trombone ministrados por Rúben Marley e Reynaldo Izeppi, respectivamente. É ela que evidencia o caráter merengue de (A)Mar É Maré, uma música que fala de saudade e pertencimento com intensa sensibilidade.


A guitarra levemente áspera acompanhada do atabaque dá o início da sonoridade. Com os metais sendo inseridos unidos e de maneira cronometrada, a canção assume um swing contagiante. Cantada em espanhol, En Tus Ojos é inserida no campo a salsa enquanto Victoria vai desenhando um lirismo baseado em uma descrição romanceada do personagem central da canção, um alguém que despertou intensa paixão e um amor eterno.


Composta por um swing desbravador formado majoritariamente pela união da percussão e do baixo, Premonición trata do término de um relacionamento executado de maneira consciente e certeira pela personagem lírica. Curiosamente, esta é uma canção de energia melancólica amplificada pelo solo dos metais e do clarinete, instrumentos, que, inclusive, criam uma simetria que sonoriza uma espécie de nostalgia zombeteira e dramática. Em sequência, a partir de um elo sonoro subitamente dramático, Premonición passa a narrar o lado do outro personagem da relação, tornando a canção um enredo sobre a realidade dos relacionamentos sob a ótica de ambos os lados.


Com um violão de notas graves puxando a introdução, a canção recebe continuidade através de batuques lentos que criam uma atmosfera mista de tensão e drama. Raíces Al Cielo é uma canção que comunica, de maneira dramática e até mesmo com pitadas de melancolia, que o coração latino é resistente e é movido por uma liberdade incondicional. Com direito a um extenso solo de clarinete, Raíces Al Cielo enaltece, ainda, o caráter da memória latina.


É como o anoitecer em uma tarde de verão. É como a troca de olhares apaixonados. É como o brilho da estrela irradiando o céu crepuscular. É como um conforto indescritível sentido no peito. Macio e com uma alegria nostalgicamente aconchegante. É assim que o violão se apresenta na presente introdução.  Com a entrada dos elementos percussivos, a melodia acaba fluindo para o campo da chirimia de maneira suave e contagiante. Essa é a ambiência de Eternidad, uma canção que fala dos mistérios do amor, reflete sobre o entendimento do amar e, indiretamente, da dor da separação. Há ainda um sentimentalismo ao abordar a censura feminina movida de um aparente machismo que é rompido apenas quando é o coração quem fala.


O swing vem afiado a partir da união dos instrumentos de sopro e da percussão. É aqui que o baixo possui é audível de maneira inquietante trazendo corpo e claridade rítmica à melodia em formação. Sob o comando de Pedro Dona, ele vai inserindo lampejos de salsa em meio ao sangue fresco e latino exalado pela sonoridade. Claridá é uma canção que evidencia o caráter indeciso do eu-lírico frente às questões amorosas ao mesmo tempo em que lança luz à sedução e a eventuais arrependimentos.


Ao lado da guitarra, o trombone promove uma introdução entristecida, mas com uma energia que comunica transformação. De melodia minimalista e linear, a canção tem apenas o vocal de Victoria como um contraponto na cadência melódica. Ganhando elementos percussivos ao longo de sua construção, Temporal implode em um refrão latino e swingado, mas de sonoridade que, mesmo abraçada pelo trompete e o trombone, soa mais introspectiva. Ainda assim, Temporal, tal como Ao Léu, trata da vida que, aqui, é trazida como algo a ser vivenciado de forma intensa e profunda.


É a primeira vez que a verdadeira essência, alegria e swing latinos retomam seu lugar desde (A)Mar É Maré. A guitarra já traz a malemolência e a percussão fica a cargo do frescor e do compasso rítmico. Contudo, apesar dessa aparente alegria, Arrebol é uma canção que trata de sentimentos depreciativos, das dores do coração. Ao mesmo tempo, é uma música que estimula a recuperação emocional e o enfrentamento dos problemas. Um hino motivacional imerso na temática conga.


Ao lado do bumbo, o atabaque é um importante elemento na criação da cadência rítmica introdutória. Falando sobre julgamentos sociais, perseverança, empoderamento e imponência. Não por acaso, a faixa-título é agraciada por uma melodia animada, estimulante e enérgica em certa medida.


Fresco, latino e swingado. Esses são fatores que, facilmente, podem definir todo o conteúdo de Peripécias, um álbum de alegria tímida, mas de letras fortes que buscam a fé na vida e a superação de barreiras emocionais e sociais que afetam a rotina e a essência das pessoas.


Tendo um dos principais e delicados temas o pertencimento, o álbum se deleita de maneira educada e sutil pela busca por um lugar que possa chamar de lar ao mesmo tempo que lida com a saudade e a memória afetiva de dias passados. Contudo, a força e a persistência também estão lá, lado a lado, para trazer resistência e imponência na jornada da vida.


Nessa trilha, Victoria Saavedra mergulhou profundamente nas estéticas rítmicas latinas e promoveu melodias plurais e extraterritoriais. Entre seus 10 capítulo, o álbum é abraçado por samba, salsa, merengue, chirimia, conga e o cháchá-chá. Este último é presente em todas as canções a partir de flertes e sonoridades pontuais presentes nas músicas.


É aí que entra o time competente de músicos recrutados pela colombiana. Todos os músicos criaram uma sonoridade consistente e dançante ao mesmo tempo que encarnaram os sentimentos dicotômicos da cantora como alegria, tristeza, saudade, melancolia e persistência. A partir da mixagem de Felipe Álvares, toda essa abrangência emocional pode ser captada.


Finalizando a parte técnica vem Adrián Sabogal e Dona, responsáveis pela produção de Peripécias. A dupla fez com que o álbum soe delicado e reflexivo ao mesmo tempo que resistente e empoderado. Um feito que evidencia a imponência de Victoria, qualidade que é perceptível logo no primeiro timbre de sua voz liberado em Ao Léu.


No escopo visual está a arte de capa. Feita por Carolina Naranjo, ela enaltece as qualidades tropicais, frescas e latinas presentes no álbum graças à união das plantas e flores no cenário. Ao mesmo tempo, a falta de um plano de fundo sugere incertezas e um estranho senso de desproteção, sentimentos que acompanham Victoria durante suas imersões líricas.


Lançado em 18 de março de 2022 via YB Music, Peripécias é latino, é imersivo, é dramático e dançante. É um disco que consegue combinar as qualidades do puro entretenimento e quesitos mais discretos que sugerem maior atenção para atingir o ápice dos sabores doces, amargos e, principalmente, introspectivos presentes nas curvas melódicas.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.