Onda Errada HC - Onda Errada HC

NOTA DO CRÍTICO
Nota do Público 4.83 (6 Votos)

O ano de 2022 já está sentando na cama e retirando seus sapatos, mas ainda não está pronto para adormecer. Antes mesmo que isso aconteça, o quinteto fluminense Onda Errada HC dá mais um passo em sua carreira ao anunciar o autointitulado disco de estúdio de estreia.


Sem introdução ou sonoridade crescente que amacia e prepara o ouvido do expectador para aquilo que se pode esperar. Sem tempo de discernir corretamente o perfil melódico. É como um soco, um chacoalho, mas tudo com uma malemolência que funde nordeste e sudeste. Surpreendentemente fundindo o xote com o hardcore, o Onda Errada HC vem com uma faixa contagiante, mas de cunho áspero, a partir de sua nítida, escrachada e desimpedida crítica ao comportamento fascista que o brasileiro evidenciou nos últimos anos. Como uma metáfora não metafórica ao senso de intolerância, imprudência e preconceito que veio junto com a temática fascista levantada pelo vocal rasgado e agudo de Jean Marcel Chactoura, Até Ele Morrer consegue, curiosamente, flertar com a temática rítmica do Pedra Letícia. Misturando psicodelia por meio das hipnóticas linhas das guitarras de Mateus Ferrari e Gustavo Felix,  Até Ele Morrer tem um refrão contagiante e ao mesmo tempo ácido que deixa claro ao ouvinte que a faixa é simplesmente um grito de revolta pelo comportamento extremista e autoritário que emergiu da população durante o pleito de Jair Bolsonaro. Em sua estrutura lírica, pela forma como suas rimas são criadas, o ouvinte pode perceber até mesmo a influência de Nação Zumbi, com especial menção ao seu single Quando A Maré Encher. Isso confere a Até Ele Morrer fortes e marcantes linhas do manguebeat.


Uma iluminação avermelhada rompe a escuridão. O terreno rochoso é evidenciado assim como a textura áspera e afiada das pedras pontiagudas que servem de alicerce do ambiente. De súbito, é como se todo o cenário ainda enigmático se transformasse em uma espécie de peça teatral da era medieval, cheia de cinismo e um tom cômico que alimenta apenas a classe endinheirada. É assim que, com auxílio da bateria de Brayner Rodrigues na criação de uma levada rítmica acelerada e contagiante, Selva De Concreto consegue imprimir influências do The Offspring em um som que flerta com o pop punk enquanto dialoga sobre a realidade do trabalhador, da pessoa comum e de sua rotina desgastante na manutenção do próprio sustento. Com nítida inclinação para a vertente da esquerda, a canção questiona com veemência o coitadismo cenográfico criado entorno dos que provém o ganha-pão para terceiros. E nesse processo, é interessante como o baixo de Vinicius Câmara consegue imprimir swing e auxiliar na suavização da densa crítica socioeconômica que preenche Selva De Concreto, um importante single do álbum.


Chiados propositais inserem flertes de lo-fi no melódico e sujo pop punk que começa a ser construído. Ensolarada e já conseguindo transmitir o hilário e um senso de deboche a partir do sobrevoo agudo da guitarra solo, Laboratório Do Inferno consegue ser ainda mais grudenta que Selva De Concreto e conseguindo conquistar o título definitivo de single radiofônico mais importante de Onda Errada HC até o momento. Explosiva, Laboratório Do Inferno é uma faixa que traz a companhia do vocal folgado e levemente grave de Hajed que, na ponte e sob a companhia única da linearidade grave do baixo, auxilia a reforçar a mensagem de crítica pelo descaso endêmico da política em relação aos menos favorecidos. Pretos, pobres. Eles são o foco da crítica, mas ela abrange também todos aqueles que de alguma forma são renegados à marginalidade pelo desamparo por parte do Estado. A manipulação política e religiosa nunca esteve tão em alta assim como a falta de representatividade. E é nesse tom de rechaço à falsidade e ao senso mimado de personalismo que Laboratório Do Inferno chega até mesmo a flertar com o cunho lírico de A Face De Deus, single dos Inocentes.


O som da distorção chama. Seguida por uma base tipicamente rock and roll à la Chubby Checker, ela serve de pontapé para uma introdução lírica cômica que se apropria do bordão usado para designar a chegada do Super Homem nos quadrinhos e animações. Daí em diante, a melodia se torna rápida e contagiante a partir de sua mistura entre hardcore e pop punk. Melódica e flertando com a estrutura de Come Out And Play, single do The Offspring, ela vem com um lirismo de pronúncia rápida que torna até difícil sua interpretação. Propositadamente ou não, essa decisão ajuda na criação da noção de um caos agoniante que, em Super Verme, casa com a metáfora do efeito de um agente malicioso no corpo humano. Algo que causa alucinação, lapsos de loucura e intensidade desmedida. Super Verme é uma faixa que fala do preconceito com o pobre, critica a imprudência policial e, inclusive, se impõe perante a ideia de censura. É o enojar perante a direita extrema e do senso conservador e falso de pureza inquebrável.


O baixo surge com uma melodia que inspira o cômico a partir do nascimento de algo que soa como parte integrante da trilha sonora da franquia Se Beber, Não Case. Dando passagem para uma melodia swingada, macia e ao mesmo tempo ácida pelo som do hammond que abraça o contexto sonoro, o baixo segue como importante elemento racional da canção. Entre psicodelia e hardcore, Rude, Pega A Visão consegue trazer o entorpecente e a realidade a partir de melodias limpas e bem equalizadas e outras mais viscerais e sujas. Tudo auxilia na ilustração da ambiguidade de comportamento daquele que infelizmente é manipulado e moldado pelo contexto político-social. Claro que, ainda assim, existe a descrição perfeita do indivíduo da direita. Uma perfeita crítica à forma como a sociedade age sobre o indivíduo.


De introdução new wave que acaba flertando com a temática melódica de White Wedding, single do Billy Idol, a canção amadurece um swing reggaeado que, junto com uma leve imersão no xote, dá um contraponto a uma interessante dosagem dramática proporcionada pela harmonia. O Milico, como o próprio nome já sugere, se apropria do termo ‘miliciano’ e critica, de forma pejorativa, questões que envolvem a índole do miliciano. Personalismo, impunidade sócio-conservadora, hipocrisia, instintivo e impulsividade. O Milico é simplesmente a crítica a impunidade cravada sobre esses indivíduos que é pouco discutida e nada contradita.


A Melancolia se funde ao reggae-hardcore que, assim como O Milico, comunica influências de nomes como Raimundos e Charlie Brown Jr.. De aroma praiano, melodia macia e um swing contagiante, a canção surpreende ao trazer um refrão de sonoridade explosiva e áspera que consegue ser atraente enquanto rompe o marasmo embriagante alicerçado pela canção. É com essa antítese melódica que Terra Arrasada critica a marginalização do povo latino e o descaso em relação às consequências de algumas tragédias envolvendo empresas privadas na vida do cidadão. Sem transparência, mas com descrição que faz o ouvinte compreender a menção dos desastres de Mariana e Brumadinho, Terra Arrasada tem como base o rechaço ao trabalho escravo que, ainda nos dias de hoje, existe sob a ótica de contratos abusivos.


Ensolarada, macia e melódica. Nesse contexto contagiante, a guitarra solo tem grande peso na construção de uma sonoridade mais popular e atraente que flerta com a psicodelia. Conseguindo ser embriagante em alguns trechos, a canção é a primeira e única de Onda Errada HC a trazer em sua estrutura rítmica o hard rock. Má Vontade fala de insatisfação, e insaciedade. Porém, na sua profundidade, ela é uma canção que rechaça o senso de imprudência inabalável daquele que usa o que tem e o que não tem, reclama da vida e, no fim, seus próprios atos de irresponsabilidade foram os responsáveis para levá-lo a uma condição ruim.


Seu aroma é inegavelmente de esquerda assim como aquele presente nos trabalhos Democracia de Plástico e La Civilisation De La Graine. Contudo, diferente deles, Onda Errada HC vem forte na crítica de todos os aspectos que envolvem a camada da direita: o comportamento, a ideologia, a essência e o pensamento.


Nesse contexto, o quinteto não tem medo em se opor ao extremismo bolsonarista e não teme em trazer, em seus lirismos, o rechaço à impunidade policial. Cheio de audácia e misturando deboche humor para causar ainda mais repulsa à camada conservadora, a intenção do álbum, em sua essência, é encontrar o local e o momento em que o brasileiro se perdeu.


Para quem o ouve, é certo que o que salta aos ouvidos são letras ásperas, rígidas e agressivas contra o extremismo, o autoritarismo e o conservadorismo propagandeados e popularizados no mandato Bolsonaro, porém, no fundo, existe um lamento latente em relação a essa realidade. 


A persistente existência da escravidão, a consistente e negada vivacidade do preconceito monetário e racial, o descaso político e a marginalidade dos menos favorecidos. Até para os mais desatentos, suas essências gritam para que suas mentes aceitem que esses quesitos são inadmissíveis. Mas o que  Onda Errada HC traz é a forma como a política manipula o indivíduo em prol de suas próprias crenças. É quase como uma resposta à conclusão tida pelo filósofo Jean-Jacques Russeau, a qual prevê que o homem é bom e que a sociedade o corrompe.


No diálogo de tais eventos, o Onda Errada HC se uniu a Renan Carriço para promover um som que representasse a absurdez em relação a esses cenários sociais. Foi assim que o hard rock, o pop punk, hardcore, o xote, o reggae, a psicodelia, o lo-fi e a new wave se fundiram ente os oito títulos do álbum. Tudo com um som de garagem, cru e por vezes melódico que mostram o caráter do quinteto.


Fechando o escopo técnico vem a arte de capa. Assinada por Felipe Fonseca, ela é adornada por cores vivas e cujos tons e disposição remetem à bandeira da Jamaica. Apesar dessa impressão tranquilizante, o torpor logo se dissipa ao perceber que, ao centro, o Cristo Redentor é colocado a nocaute por um punho gigante estendido pelo que parece ser um tsunami. É a perfeita metáfora da quebra do conservadorismo e da má-fé propaganda pela bancada de direita.


Lançado em 01 de dezembro de 2022 de maneira independente, Onda Errada HC é o rechaço completo pela bancada da direita. Mas em sua essência, ele é o simples lamento pelo evidente e bem alicerçado regresso da população brasileira na direção da conquista por uma comunidade igualitária e tolerante. É um álbum que representa a decepção de alguns brasileiros em relação a outros que, cegos em sua fúria mal resolvida, transforma a interação social em um palco de caça às bruxas.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.