Linda Sussman - Win Or Lose

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Poucos artistas exalam uma sede insaciável por trabalho, por vontade de produzir. Nesse time que transpira paixão por música e por composição está Linda Sussman, cantora nova-iorquina que, em seis anos, anunciou quatro álbuns. E agora, no alvorecer de 2024, ela apresenta um novo material. Intitulado Win Or Lose, o trabalho marca o quinto disco de estúdio lançado pela cantora desde 2018.


Existe um clima de suspense e de tensão. Sob um céu crepuscular em mais um amanhecer que banha a paisagem árida do deserto, a poeira impregnada no chão pelo sereno da noite começa a evaporar conforme o Sol se torna mais presente e a vida começa a acontecer. Esse cenário imagético-sensorial é trazido com facilidade através de um riff gordo e agudo que, pronunciado por meio da guitarra de Mike Nugent, insere uma generosa dose daquele blues em sua forma mais tradicional. Não é difícil que, a partir dessa melodia, o ouvinte se sinta caminhando livremente pelas ruas de uma Nova Orleans do início dos anos 60. Eis que uma voz aguda, doce e aveludada surge completando o espectro minimalista da canção. É Linda Sussman entregando seu canto valsante e delicadamente sensual em meio à faixa-título, um produto que, dividido entre a doce base do violão e o amaciado sobrevoo da guitarra elétrica, dialoga superficialmente sobre superação. Afinal, sua densa base narrativa é na luta para manter os sonhos, os desejos vivos dentro de um coração ardendo de desejo. É a captura do momento em que o indivíduo se vê fortalecido o suficiente para aceitar o passado e mirar o futuro. É a tristeza se transformando em determinação e esperança por dias melhores.


O Sol está nascendo ao longe. Aos poucos, o escuro da noite ganha seus primeiros tons de uma claridade crepuscular de um amanhecer de outono. O sereno ainda domina o gramado, mas a vida já começa a acontecer com os pássaros entoando seus primeiros cantos, o tilintar dos sinos das vacas caminhando lentamente pelo pasto. O campo ganhou sua sonoridade natural. Enquanto isso, o frescor da manhã contagia aqueles tocados pelo simples aroma de café recém-coado na cozinha. O que os dedilhares delicados e doces do violão de Linda exaltam é a beleza do puro. O brilho do simples. Doce, macia e gentil, a melodia de I Wanna Fly é onde o personagem lírico assume ser capturado pela preocupação de coisas ínfimas a ponto de esquecer de aproveitar o momento, de degustar aquilo que, às vezes, a rotina faz passar despercebido. É assim que I Wanna Fly surge como um nome à metáfora encontrada por Linda entre o voo para a Espanha e a súbita conquista da plenitude, do torpor, do distanciamento temporário das exaustões do cotidiano.


Tendo seu início marcado pela experimentação de sobreposições vocais afinadas, a harmonia ganha um novo contexto. Mais floral, mas ao mesmo tempo, com uma espécie de narrativa beirando o lado céltico. Oferecendo ao ouvinte algo diferenciado, uma tensão, um céu tempestuoso engolindo calmamente a claridade branda do entardecer e abraçando o cenário árido, Let Common Sense Prevail é um produto que, além de tal cenário imagético, faz com que, pela interpretação vocal assumida por Linda, o ouvinte construa a imagem de um indivíduo ajoelhado em frente a figuras místicas e entoando cantigas em forma de preces. Com essa amplitude contextual sensitiva, Let Common Sense Prevail vem com um enredo lírico voltado para a intenção da reconstrução do senso de civilidade. Não apenas se restringindo ao altruísmo, a canção traz uma espécie de incentivo para que o ouvinte se liberte do complexo do individualismo social perpetrado atualmente e reassuma um caráter mais comunitário. Let Common Sense Prevail é a prece para que a bondade ressurja na alma das pessoas e consiga combater a manipulação exercida pela maldade sobre aqueles emocionalmente frágeis e facilmente influenciáveis.


A vela está acesa sob a cabeceira da cama. Na penumbra, um indivíduo está ajoelhado com as mãos em pose de prece sobre o colchão. Sua expressão é séria. Seus olhos, apesar de fechados, não conseguem censurar as lágrimas que brotam de seus globos oculares. Seus lábios se mexem, mas sem deixar vazar um sinal sonoro. É como uma fala muda. Uma prece imbuída pelo desejo sincero, até mesmo desesperado, pelo fim do ódio historicamente institucionalizado. My Heart Is Sinking é onde o desejo altruísta por um desenvolvimento social tangencia o drama sob as vestes de um violoncelo ondulante e chorosamente dramático inserido por Gabrielle Schavran.


Serena, aveludada e aconchegante. Com pouco, a canção consegue promover uma harmonia sensível e contagiante em sua simplicidade estética. Construída sob uma base folk adocicada, a faixa, a partir da cadência lírica assumida por Linda, consegue criar uma ligeira familiaridade estética com o espectro interpretativo-lírico de nomes como Amy Winehouse e Corinne Bailey Rae, o que acaba incutindo pitadas de soul e mesmo R&B em sua receita melódica. Em Don’t Let It Rain, o baixo de Kevin Kelly surge gordo em seu groove estático e estridente, mas de uma forma curiosa capaz de imitar, despropositadamente, as ondas produzidas pelos sopros de metais como trompete e trombone. Ainda assim, é com grande delicadeza que Don’t Let It Rain soa como o relato de uma mãe tentando esconder os sofrimentos quando, aparentemente, seu filho retorna da guerra. De outro lado, a canção também pode assumir a forma de um diálogo sobre a maturidade do indivíduo e da transformação da forma com que vê a vida, como pensa. Don’t Let It Rain é a nostalgia fundida ao amadurecimento e à negação da dor.


A alegria contagiante chegou. Com um violão de riff swingadamente sorridente e com gosto de sertão, o folk e o blues dançam juntos como duas almas gêmeas. Cada uma com um grande caneco de cerveja nas mãos brindando sua sintonia. De caráter radiofônico, mas longe de ser apelativo, This Bluesy Thing We Do traz a companhia dos backing vocals executados também por Linda, enquanto a melodia se matura como um perfeito exemplar de uma sonoridade sertaneja de um Estados Unidos dos anos 60. Tal como sua própria melodia, This Bluesy Thing We Do tem, também no lirismo, uma essência sensual que transpira ardentemente pelas palavras pronunciadas por Linda. Afinal, a canção fala da atração, da dança do blues, do movimento corpo a corpo. Da sedução. Do desejo.


Doce, fresca, atraente. Contagiante. A melodia que exala da introdução é de uma simplicidade repleta de uma harmonia em que o baixo tem bastante participação. Sua contribuição, por sinal, é a entrega de um corpo bojudo e delicado que parece quase como a sonorização de um amanhecer após uma noite tempestuosa. Delicada e de requintes aromaticamente florais, Lights Of Change é o blues folkeado funcionando como trilha sonora para a força da esperança. Para a coragem de assumir enxergar no amanhã o alvorecer da mudança. Uma música que mostra, simplesmente, que o amor ainda vive.


Uma grande surpresa cumprimenta o ouvinte abaixando a cabeça e tirando o chapéu em pose de reverência. Trazendo grande satisfação, a melodia agora caminha imbuída em um movimento rítmico mais fluido, mas ao mesmo tempo, mais firme. Isso porque Shawn Murray introduziu a bateria no contexto rítmico da canção. Apesar de surgir em uma levada macia e leve, o novo instrumento acaba entregando mais corpo e mais ritmo propriamente dito à melodia. De contexto sonoro atraente, A Power You’ll Never Know é agraciada por uma mescla de dulçor vindo do violão e de um encorpado grave extravasado do baixo na base melódica. Enquanto isso, no âmbito lírico, a canção surpreende mais uma vez por trazer um enredo embebido em bases feministas, de empoderamento feminino em um contexto narrativo ainda dominado pelo machismo estrutural. A independência. A liberdade. A postura. A opinião. Esse é o poder que você nunca entenderá por conta de sua pequenez de raciocínio. Uma mensagem que, mesmo com grandes movimentos que fortalecem a figura da mulher se espalhando na atualidade, é importante para romper com o machismo e o sexismo que ainda estão presentes no cerne do comportamento social.


Ele fala de esperança. De força. De empoderamento. Win Or Lose é um disco que, imbuído em um frescor floral e amaciadamente sertanejo, apresenta uma Linda Sussman representando, ainda que com delicadeza, todas as almas necessitadas de atenção, de compaixão, de afeto. 


Parafraseando o ditado de que os brutos também amam, o delicado também tem força. Isso é um dos principais recados do álbum. Afinal, ainda que contagiante em sua sutileza sensual e bucólica, ele traz o poder do contágio, da postura, do movimento do corpo, da liberdade, da expectação em cada esquina melódica desenhada entre seus oito capítulos.


Ainda assim, em Win Or Lose Linda Sussman não apostou apenas na delicadeza como forma de transpirar imponência. Ela mergulhou na certeza de que, com minimalismos estéticos, as mensagens propostas seriam alcançadas. Com grande sucesso, as mensagens de cada faixa são facilmente compreendidas de maneira individual por parte do ouvinte, que se vê fisgado pelo casamento fértil do folk com o blues consagrado no álbum.


Além disso, não se pode esquecer que o álbum é um produto extremamente extrassensorial. Afinal, cada canção faz com que o ouvinte visualize, na frente de seus olhos fechados, as mais variadas paisagens banhadas por diferentes odores, texturas e iluminação. É como se a dramaturgia imagética também se fundisse à música.


Para fazer tudo isso acontecer, é necessário mais que músicos competentes e uma lista com fortes composições. É preciso de alguém que faça com que o som criado realmente transpire cada emoção proposta de uma maneira bem equalizada e madura. Além de estar na área de criação, Kelly também ficou encarregado da mixagem. Com ele, cada instrumento pode ser degustado tanto individual quanto coletivamente e tanto o blues quanto o folk estão cristalinos na equalização ofertada em Win Or Lose


Completando o escopo técnico do álbum, vem a arte de capa. Assinada entre Sussman e Emily-Sue Sloane, ela traz Linda em evidência segurando seu violão sob uma tonalidade preto e branco. É como o luto do passado sendo varrido pelas melodias da mudança. A música rompe barreiras temporais e também conseguem levantar a energia dos espíritos mais necessitados de incentivo.


Lançado em 16 de fevereiro de 2024 de maneira independente, Win Or Lose é onde a delicadeza mostra sua força. Onde o ouvinte encontra coragem, esperança, empoderamento e aconchego. Um disco esteticamente minimalista, mas cujas harmonias tocantes mostram que, com o simples, já é possível capturar as almas carentes de autoconfiança, representatividade e afeto.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.