Indigo Mood - Fim Do Autoengano

NOTA DO CRÍTICO
Nota do Público 5 (1 Votos)

O projeto tem seis anos e dois EPs, mas é só agora, no meio do terceiro trimestre do ano, que o projeto cearese Indigo Mood, que já passou pelo SIM São Paulo e o festival A Porta Maldita, enfim anuncia seu álbum de estreia. Intitulado Fim Do Autoengano, o material marca um momento de transição do grupo.


A paisagem é poente. O aroma é floral e o sabor é doce. A energia é macia e a textura é de um veludo natural, tal como caminhar as mãos pelas superfícies das flores em uma enorme plantação. Sua melodia é igualmente macia e doce, mas com notas sensuais que entregam um caráter sedutor irresistível. É assim que, entre o soul e o indie rock criado pelo felpudo e delicadamente ácido sonar do órgão de Leonardo Mendes, o sobrevoo entorpecido da guitarra de Diego Silvestre e pelo provocante, grave, marcante, mas tímido caminhar do baixo de Felipe Couto, a canção é como se deixar levar pelo reconfortante momento de ócio. O ver o tempo passar, sem se preocupar com coisa alguma, apenas reverenciando uma paisagem imutável, apenas recebendo novas tonalidades conforme o dia se transforma em noite. Depois que o vocal de timbre suave e de dulçor agridoce contagiante de Mendes entra em cena iniciando o contexto lírico, Cadeira De Praia evolui para uma surpreendente mistura swingada de soul e reggae cujo movimento da bateria de PH Barcellos se torna o elemento principal do desenho rítmico. É assim que Cadeira De Praia, com rompantes ácidos fornecidos pelo hammond, dialoga sobre um coração pulsante e romântico, apaixonado pelo seu par, mas que viu, aos poucos, a reciprocidade diminuir e se manter apenas a unilateralidade de sentimentos. O fim é doloroso e a lamentação do ontem, inerente às falas soltas ao vento apenas como forma de um monólogo pensante, consegue ser corrosivas pelo simples fato de não se achar respostas.


A presente introdução segue a métrica da maciez floral com raspas ácidas da canção anterior. De beat linear, mas com um soul curiosamente provocante em sua sensualidade, Calma tem um acréscimo importante em sua composição melódica que é um dulçor sintético impresso pelo sintetizador que lhe confere uma mistura marcante de dream pop em seu swing soul. Transitando, portanto, entre o soul e o dream pop, mas também entre o português e o inglês, Calma é uma canção que traz o destino agindo sobre o relacionamento. É o tempo fazendo o amor crescer e as necessidades se encaixarem de maneira igualitária entre as partes. Interessante nesse ponto é notar que, diferente do personagem da canção anterior, carente e embebido em dúvidas do motivo do fim, o indivíduo relatado em Calma tem mais segurança e dita como o relacionamento deve fluir para ser saudável. Não à toa que ele diz “não tenta tanto definir” e “relaxa que tá dando certo” em uma clara menção de deixar os dias fluírem naturalmente, porque a química está funcionando.


Tal como namorados de longa data, guitarra e baixo apresentam uma sincronia tão forte que soa inquebrável. De sensualidade macia e reconfortante, os instrumentos desenham um soul cuja paisagem é veranista e caiçara, de maneira a fazer o ouvinte sentir o frescor do mar banhando os pés e o amornar poente do Sol banhar o seio da face. De maciez e minimalismo muito bem compreendido também pela bateria, a canção apresenta flertes interessantes com o soft rock, cujo movimento é alegremente contagiante. Cantada inteiramente em inglês, Time Bomb é mais uma canção que aborda o amor, a paixão e o relacionamento. Aqui, porém, a intensidade do fogo é gritante, mas esse mesmo fogo da paixão, ainda que tendo sido cultivado aos poucos, agora terá de ser apagado de forma brusca. Um amor escurecido por um Adeus não dado, mas cujo se afastar o coração sente mesmo focado na direção oposta como uma forma ingênua de autoproteção do sofrer.


Ela é doce e delicada em seu movimento. A sintonia fresca criada entre a bateria de PH von Sohsten e a guitarra de João Vítor Fidanza, em união à maciez do baixo de Levy Gallas, oferece um contágio irresistível que vai amadurecendo conforme rompantes educados e aveludadamente gélidos do sintetizador vão misturando o dream pop no contexto melódico. De caráter entorpecidamente melancólico em seu enredo novamente construído sob o idioma inglês, Never Was Enough, com uma dor mais lancinante que aquela de Cadeira De Praia, apresenta um indivíduo lidando com o luto, mas não conseguindo encontrar maneiras de superá-lo. Perdido em um ciclo vicioso de memórias cortantes, o indivíduo, além de não aceitar a realidade, guarda amargor e raiva dentro de si por ver a outra metade seguindo a vida. Never Was Enough é quase como a dissecação da insegurança transvestida por um ódio superficial.


Com sua melodia amaciadamente melancólica, a paisagem que se forma no horizonte é chuvosa, mas de uma garoa tão fina que nem chega a desenhar as marolas de um mar calmo banhado por um céu poente. De baixo sutilmente trotante e uma guitarra curiosamente azeda em sua delicadeza, a sonoridade propõe uma fusão entre o soul e o indie rock por meio de uma atmosfera chorosa. Entre o inglês e o português, as lágrimas se dividem e umedecem a face, fazendo da faixa-título uma canção em que o personagem percebe e assume a falta de sintonia existente no casal. Eis então que ele mostra sua maturidade ao propôr o fim e a consequente liberdade para que ambos sigam suas vidas em busca de algo saudável. Dessa forma, a faixa-título é diferente de qualquer canção até então apresentada em Fim Do Autoengano por mostrar consciência na ausência de sincronia, mas ao mesmo tempo igual pela convivência com a saudade dos dias bons e pela dor em saber que nenhum ontem poderá mais ser replicado nos novos amanhãs.


Cabisbaixa e melancólica. Posições e emoções muito bem representadas pela interpretação sonora individual, mas em conjunto de instrumentos como bateria, guitarra e os sintetizadores de Couto e Théo Fonseca. É como um grande vazio existencial, uma ferida do coração tão intensa que chega a ser indescritível e até mesmo indolor. Embriagantemente chorosa, a canção oferece um cenário em que o personagem se apoia na parede de forma a olhar o entardecer pelas frestas da janela em um completo e avassalador silêncio. Em White Wine, o Indigo Mood se divide entre distopia e realidade enquanto apresenta uma dualidade de situações em que se vê na iminência da insegurança, mas com relacionamento firmado, e, por outro lado, tentando encontrar motivos pela falta de afeto, razões essas que podem ser consertadas. Não à toa que versos como “I never got tired of waiting for you, but I think I wait in vain” e “tell me what's missing” definem White Wine como o desespero de um indivíduo emocionalmente dependente por uma reciprocidade sincera.


A guitarra surge bojuda, mas sensualmente delicada em seu movimento reconfortante que coloca o groove da bateria de Guilherme Mendonça na mesma sintonia aveludada. Curiosamente, porém, essa mesma melodia traz uma atmosfera melancólica, chorosa e chuvosa que contagia o ouvinte com sua tristeza. Com uma acidez guturalmente gélida posicionada na base melódica pelo sintetizador, I Couldn’t Help Giving A Try traz um indivíduo lamentando a falta de insistência por parte do outro em lutar pelo relacionamento. É a decepção colocando para fora toda a tristeza em ver que o que parecia resistente, se mostrou frágil por desabar na primeira rachadura.


É como abraçar o travesseiro tão forte como se ele fosse o único amigo capaz de acalmar o coração e sanar as lágrimas que escorrem sem controle pelo rosto já cansado de tanto chorar. Com uma maciez contagiante a partir da mistura do soul e do indie rock, Once Again é uma música em que o personagem se vê na função de decidir o futuro, mas não da forma como desejada. O fim é certo e irrevogável. O amor agora é unilateral. Contudo, existe a possibilidade de, no amanhã, o que antes era paixão agora ser amizade. Uma realidade difícil para aquele que ainda tem o coração pulsando pelas memórias tão belas e intensas que parecem uma realidade tanto entorpecida quanto borrada pelo tempo.


Notas agudas e repetitivas em sintonia com riff grave e encorpado do baixo fazem com que o ouvinte logo rememore a estética sonora soul que popularizou Amy Winehouse. Enquanto o chimbal surge sincopado na mesma métrica rítmica do sintetizador, o baixo e a guitarra se unem oferecendo uma maciez fresca, mas melancólica. Curiosamente, o enredo melódico sugere mais algo relacionado a desleixo e deboche do que propriamente tristeza. Apesar desse interessante tom utilizado por Mendes, Loser é uma canção que, guiada pelos tilintares do pandeiro durante o refrão, o personagem se coloca como o oposto da maioria, tido por ele como insensíveis e descuidados. É nesse sentido que ele, ironicamente, se chama de perdedor. Afinal, enquanto os outros, sempre chamativos pela sua aparente feição esnobe, ele, por sua vez, expõe seus sentimentos e desejos da forma mais cristalina possível.


Contagiante pela sincronia amaciada e de senso hipnótico que exala das guitarras, o frescor introdutório traz um indie rock de estética 4x4 embebido pelo apoio do backing vocal de Fidanza de maneira a, com seu falsete, criar pontuais súbitos de harmonia. Com uma sensualidade curiosamente entorpecida em um embrionário senso sombrio, Wedding Dress surge como uma melancólica canção sobre a decepção de não ser o presente personagem aquele responsável por levar sua amada ao altar. Novamente, aqui, o Indigo Mood dialoga sobre rejeição e decepção, mas sob vestes mais densas por cultivar um senso de paixão platônica. 


Macia e entorpecida em uma confortável e macia melancolia, a melodia introdutória chega educada e tímida, aos poucos conquistando seu espaço. Sempre com delicadeza, seu caminhar é respeitoso pela dor alheia e funciona como um ombro amigo, aqui presente para qualquer necessidade de desabafo. De ritmo criado por um beat de estética eletrônica, 1402 é embebida em uma sensualidade nauseante cuja veia sonora exala um doloroso Adeus. De certa forma, a canção de fato trata de uma despedida, pois traz um personagem que chegou a esnobar a pessoa amada por conta da diferença de idade. Lidando com arrependimentos e frustrações pela sua atitude. Nesse aspecto, 1402 se associa ao enredo de Baba, single de Kelly Key. Ainda assim, a faixa evidencia um indivíduo emocionalmente instável que convive dolorosamente com um senso de culpa e autopunição. É a saudade escondendo a decepção em relação a si mesmo.


A marca do Indigo Mood é misturar a sensualidade com a tristeza. E em Fim Do Autoengano, o que o grupo expõe é justamente um coração ferido que transita entre distopias acaloradamente reconfortantes e realidades tão lancinantes que chegam a ser dilacerantes para uma alma intensamente apaixonada.


Nesse processo, é interessante ver como o grupo propõe o dialogar sobre a saudade e a memória, mas interseccionando essas mesmas emoções com o rancor, o ódio, a lamentação e a desilusão. Não à toa que em diversos cenários melódicos, apesar da maciez que entorpece, o ouvinte pode perceber pequenas frestas de uma raiva transvestida em decepção.


Ainda assim, Fim Do Autoengano apresenta um personagem que, no seu caminhar rumo aos autoconhecimentos de seu próprio coração, descobre ser uma pessoa insegura, dependente e, por vezes, até mesmo rancorosa na forma como lida com as frustrações. Ainda assim, essas são situações aceitas para aquele que está no rumo do amadurecimento emocional.


Se dividindo entre português e inglês, dulçor, maciez, swing e acidez, o álbum, a partir da dupla função técnica de produção e mixagem também executada por Couto, teve o contexto da desilusão amorosa muito bem sintetizado entre lirismos e melodias. Contudo, vale ressaltar como a mistura de soul, indie rock, dream pop, soft rock e reggae fez grande diferença na transmissão das emoções.


Cristalina e bem audível, a melodia como um todo fez com que o ouvinte, além de se deleitar pelo soturno sofrer de um coração ferido, também se visse abraçado por entorpecidas alegrias e reconfortantes texturas. Aveludadas ao longo dos diálogos sofredores, elas se mostram profundamente ocasionadas pelo enfrentamento da rejeição.


Fechando o escopo técnico do álbum, vem a arte de capa. Assinada por Mendes e Zé Victor, a obra traz uma imagem urbana, mas de fundo natural, que é embebida na mistura de tons ácidos do roco e azul. Curiosamente, esse mesmo tom que comunica o místico, mistura interessantes misturas de melancolia e sensualidade. Calor e frio. Uma perfeita representação da confusão emocional vivenciada por um personagem triste, mas de coração angustiado por reciprocidade sentimental.


Lançado em 08 de agosto de 2023 via Trópico Música, Fim Do Autoengano é muito mais do que apenas um monólogo de um coração ferido. É amadurecimento, é autoconhecimento, mas também a inconsciente negação da superação. Ainda assim, o álbum é simplesmente  a soturna exposição da raiva, do ódio e da decepção como forma da aceitação da rejeição como forma de sanar as feridas de um coração adoecido pela insegurança, dependência e rancor.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.