Headspawn - Parasites

NOTA DO CRÍTICO
Nota do Público 5 (1 Votos)

Pouco mais de dois anos depois do anúncio de Pretty Ugly People, seu EP de estreia, o trio paraibano Headspawn dá um novo salto na carreira com o lançamento oficial de seu álbum de estreia. Intitulado Parasites, o material é vendido como uma vitrine que mostra a evolução do grupo nos quesitos de composição, coesão e criatividade.


O tilintar swingado do triângulo pode parecer convidativo, atraente e de uma aparência sutilmente solar. Porém, ele serve como um artifício hipnótico que tira o ouvinte do estado de consciência e o torna uma marionete. Conforme a guitarra de Alf Cantalice vai dando rugidos despertantes que proporcionam o vislumbre de um cenário pós-incêndio e de céu ainda flamejante, o bruto e o caos começam a voltar à superfície conforme o baixo de J.P. Cordeiro invade o contexto melódico com frases curtas, feições sisudas e uma postura imponente. Fluindo para momentos em que a melodia comunica uma boa e equilibrada mistura entre metal, stoner rock e metal alternativo, Terra Solis é um prelúdio forte e excitante que tem na levada desenhada por Marconi Jr. a apropriação de uma malemolência, um swing propriamente brasileiro que transcende os aromas nordestinos a partir de infusões de xote e manguebeat que se emaranham pela receita sonora.


Pungente, flamejante, estridente. Sombria. A introdução que se inicia é carregada de força, mas também de pitadas de raiva e agonia, sentimentos que são extravasados pela interpretação melódica assumida pela guitarra, que, com seu riff, parece agonizar sempre que recobre a consciência. Assim que Cantalice assume o microfone imbuído em um vocal grave, gutural e com toques drives, cuja agressividade e rouquidão muito trazem de influência do estilo interpretativo de Corey Taylor, a canção é tomada por uma rispidez que comunica a inserção do nu metal à composição. Com pressão, precisão e noções de azedume, The Butchers surpreende ao trazer um refrão melódico que funciona tal como o olho do furacão, pois traz uma momentânea e entorpecente calmaria em meio ao caos institucionalizado. Com essa mescla de caos e torpor, a canção traz um enredo em que o sistema político é trazido não apenas como a causa do sofrimento da burguesia, mas uma indústria capaz de manipular seus seguidores em prol de seus próprios interesses. Cegando e alienando o indivíduo da lucidez, o assassinato e a carnificina se tornam atos corriqueiros em prol do prazer. De outro lado, The Butcher é imbuída em uma crítica ferrenha sobre o carnivorismo e sua cultura de matança animal em prol de sua alimentação. Se colocando no lugar dos animais fazendeiros, a canção explora a angústia, a dor e a tristeza de cada animal levado ao matadouro e traz, na figura do açougueiro, a imagem de um indivíduo frio e insensível que vê a morte como apenas uma situação rotineira. 


Ela, sozinha, traz sujeira e aspereza na medida capaz de ser lancinante. A guitarra se torna protagonista de um cenário em que, apenas pela melodia, se consegue vislumbrar uma multidão inclinada fazendo movimentos de cima a baixo. Com auxílio da bateria para dar fluidez à sua agressão, a melodia soa bruta, crua, mas curiosamente com sinais de improviso. Tendo no baixo um elemento que, mesmo por meio de curtas notas, insira súbitos de estridência que induzem a um estado de loucura, a canção, pela sua conjuntura melódica introdutória, muito se assemelha à estética de Forgotten, faixa do Linkin Park. Azeda, potente e metalizada, Sinking Jetsam é uma faixa que dialoga, indiretamente, sobre as más condições higiênicas, mas, principalmente, descreve todo o sintoma sofrido por um enfermo que contraiu taenia. E nesse aspecto, existe muito ódio na interpretação lírica de Cantalice, que coloca o protagonista em uma situação de escravização bactericida.


A levada da bateria engana. Afinal, ela consegue dar ao ouvinte ligeiras noções de marchinha carnavalesca enquanto exala uma silhueta axé. Em contrapartida, a guitarra aqui surge ainda mais grave e ríspida, desvinculando rapidamente o ouvinte dessa impressão fresca e solar. Fluindo para uma frase metalizada, mas curiosamente de fácil digestão mesmo em meio ao uso contínuo e trotante do bumbo, Failure, Death & Decay apresenta uma estética industrializada cuja paisagem muito se assemelha àquela criada pelo Hollywood Undead, mas que, também, é capaz de surtir impressões de parentesco despropositado, graças ao sonar da guitarra, com a sonoridade de Protect The Land, single do System Of A Down. Enérgica e impositiva, Failure, Death & Decay discute a arrogância, a futilidade e o consumismo do indivíduo na era moderna enquanto, paradoxalmente, traz o além-vida como um momento em que nada que foi colhido em vida terrena seguindo tais tipos de comportamento poderão surtir em algum senso de plenitude. É assim que o Headspawn coloca as pessoas que se comportam de tal maneira fadadas à solidão, ao esquecimento e à anulação.


O horizonte é sombrio e aterrorizante. O medo toma conta do indivíduo pelo simples vislumbre de uma multidão em uma marcha aparentemente fúnebre. Como se estivesse construindo o prelúdio de um massacre. Com uma base melódica forte e capaz de recordar na mente do ouvinte certas canções mais melodiosas do Slipknot, como Before I Forget e Duality, Everybody Hates Somebody apresenta um Cantalice transitando entre timbres limpos e guturais, enquanto ilustra um enredo que critica todos aqueles que apoiam governantes autoritários, intolerantes e ultra-conservadores. Não é difícil de perceber que existe certa visceralidade e até mesmo um quê autobiográfico que justifique tamanha raiva e ojeriza transpiradas pelos versos líricos do cantor, que se coloca enojado e descrente em relação a todos que, conscientemente, depositaram suas confianças em uma figura regida por uma rejeição travestida em ódio, fascismo e preconceito.


O aroma do sertão, o cheiro do gado, o zumbir das moscas, o calor do Sol nascente e o tilintar do sino das vacas são sons e sensações que extravasam a sonoridade bucólica do violão. O mais curioso é que o gingado grave do berimbau, ao invés de trazer alegria, traz sinistres e um senso de alerta latentes que fazem de Fili Caatinga um interlúdio instrumental e folkeado que mostra, cenograficamente, ainda mais sobre a origem do Headspawn.


O umbral é colocado como o primeiro plano cenográfico. Bruto, grave, sombrio e azedo, seu ambiente é tão asqueroso que faz com que faz com que o ouvinte, inconscientemente, sinta a textura das rochas, vislumbre a escuridão e sinta o aroma contaminante de enxofre. Flertando com o death metal, ainda que, nos primeiros momentos, a bateria e o baixo sejam os protagonistas, Ghost Of Myself é mais uma canção de Parasites que, pela questão rítmico-melódica, contribui para uma espécie de hipnotismo corporal em que o espectador balance o corpo em um estado alucinógeno. É com uma noção de ódio que Ghost Of Myself dialoga sobre a introspecção extrema e na visão da morte como bálsamo para a fuga dos problemas e sofrimentos. A faixa é onde as profundezas da escuridão do inconsciente e da insanidade são trazidas como lugares de alento a uma alma condenada.


Áspera, grave e com noções estridentes. A introdução fica curiosamente mais contagiante quando a bateria entra com frases repicadas, mas de extrema pressão, sendo possível notar a força com que Jr. golpeia as peças do instrumento. De aromas sombrios, You Are consegue ser, simultaneamente, atordoante, entorpecente, esquizofrênica e embriagante.  Ainda assim, ela consegue ser contagiante em meio à sua narrativa que incita a persistência, a perseverança e a esperança, enquanto questiona o conformismo cego da sociedade em torno de uma realidade manipulativa da satisfação com pouco.


Seu despertar é tenebroso. Sombrio, sorrateiro e cínico, o ambiente que se cria com os primeiros sonares é nada menos que trevoso. Apostando na exploração de um terreno melódico diferenciado em relação às outras composições, Brought Into This World se percebe perdida nas profundezas do doom metal e do heavy metal, mistura essa que, julgando pela sua estética, comunica grande influência do Black Sabbath. Em sua segunda metade introdutória, a faixa apresenta bumbos sequencialmente precisos, uma guitarra áspera e lancinante e um novo blend: pitada de hardcore com thrash metal. Transpirando uma essência puramente metalizada, Brought Into This World é mais uma obra de Parasites que consegue, mesmo inundada de brutalidade, construir paisagens melódicas melodiosas e atraentes. Nesse ínterim, a faixa dialoga sobre o sentimento de rejeição perante a manipulação sócio-massiva contra aquilo que não segue padrões pré-estabelecidos. Brought Into This World é o desaparecimento de uma alma renegada à solidão e ao esquecimento institucionalizado.


Estridente, mas ainda assim com noções de swing, seu amanhecer é curto, mas denota grandes doses de torpor e azedume que, juntas, constroem um ambiente dividido entre angústia e loucura. Repleta de groove em meio a uma linearidade não incômoda, The Grotesque Factory Of Files, além de dialogar sobre a morte de maneira aberta e sobre o ponto de vista da sua fatalidade irreversível, fala da fome e seus consequentes efeitos de alucinação e agonização. Não por menos que a interpretação de Cantalice sugere princípios de esquizofrenia a partir da ausência de nutrição.


Ele é capaz de misturar regionalismo com o global. Parasites, com sua brutalidade curiosamente melódica, traz um Headspawn mais maduro, mais equilibrado e mais consistente. Trazendo severas críticas à cultura moderna e à sociedade, o material é recheado de fortes opiniões e questionamentos pertinentes sobre a vida, a morte e a dor.


Não existe drama. Apesar de muitos temas soarem como pré-requisito para o sofrimento melódico desenfreado, o power trio se usa da tristeza, da absurdez e da ausência de conformismo para criar frases sonoras ríspidas, agressivas, pungentes, flamejantes e lancinantes para expressar descontentamentos que não teriam o mesmo peso apenas se fossem extravasados em palavras.


Falando da fome, da dor, da morte, da solidão, do carnivorismo, da falsidade, da arrogância e das más condições higiênicas com profundidade, lugar de fala e coesão. Parasites, acima de tudo, é a representação de um povo que, muitas vezes, é renegado ao esquecimento, à anulação e à desvalorização moral.


Para criar e deixar a melodia o mais firme, forte e dilacerante possível, o Headspawn se aliou a Victor Hugo Tragino para a tarefa da mixagem. Com seu auxílio, Parasites transitou livremente por cenários hardcore, industrial, thrash metal, death metal, heavy metal, doom metal, stoner rock, folk, metal alternativo, rock alternativo, xote e manguebeat.


Fechando o escopo técnico, vem a arte de capa. Assinada por Wildner Lima, ela traz a figura de quatro bebês em feições endemoniadas comendo agressivamente um bicho preguiça. Circundada por um cenário trevoso, a obre já traz muito de questões sobre descaso ambiental e um senso canibalístico que, de certa forma, são cernes de vários diálogos propostos no álbum.


Lançado em 17 de novembro de 2023 de maneira independente, Parasites é onde o Headspawn se apresenta em melhor forma. Equilibrado, coeso, preciso e consistente, o trio fez do álbum não apenas um material socio-político, mas um produto que transfere o regionalismo ao patamar global, fazendo com que, assim, represente toda uma camada populacional renegada à desvalorização institucional e à anulação travestida de inclusão.

Compartilhe:

Cadastre-se e recebe as novidades!

* campo obrigatório
Seja o primeiro a comentar
Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.