Grillo E Os Mosquitos - Baga Elétrica

NOTA DO CRÍTICO
Nota do Público 5 (1 Votos)

Vinda de Florianópolis (SC), um novo nome surge no circuito musical brasileiro independente. Reciclando as nomenclaturas de conjuntos musicais nacionais dos anos 80, o power trio Grillo E Os Mosquitos se lança no mercado com Baga Elétrica, seu álbum de estúdio de estreia. 


Qualquer semelhança com Red Hot Chilli Peppers definitivamente não é mera coincidência. Sob a proficiência excitantemente groovada do baixo de João Peters, o funk entra como protagonista e detentor do posto de guia melódico. Porém, a levada desenhada por Gustavo Grillo na bateria, além de flertar com o jazz em momentos marcantes da introdução e dos primeiros versos, imprime a malandragem e a maciez do samba. Junto da guitarra de riff agudo e animado de Pedro Germer, Doutor Pedroca chega a ter grande parentesco estilístico com Partido Alto, single de Cassia Eller, graças à sua fusão de gêneros musicais que se tangenciam tanto com a MPB quanto com o axé por meio do samba que exala de suas esquinas sonoras.


O frescor e o ânimo nordestinos entram com força através do aroma festivo e sorridente do axé. O curioso aqui é notar que, mesmo com uma base que beira uma espécie de blues funkeado, o que sobressai é, de fato, a ambiência nordestina. Ainda assim, é possível perceber nuances de Faith No More e até mesmo Living Colour na melodia de Pica Pau, uma música contagiante e de sonoridade tão groovada quanto Doutor Pedroca.


A Grande Odisseia Sonora Dos Cavaleiros Da Terra Do Não Sei O Quê Pt. 1 é de um título tão longo que é quase impronunciável pelo trio em apenas uma tomada de fôlego. Como um interlúdio levemente cômico quase sem som instrumental, a faixa leva o ouvinte para uma atmosfera linear em sua velocidade acelerada de sabor azedo. Crua e enigmática, A Grande Odisseia Sonora Dos Cavaleiros Da Terra Do Não Sei O Quê Pt. 2 tem repentes de um aroma gélido e melancólico que logo são rompidos pelo retorno da linearidade rítmica. É quase como a sonorização do momento em que o torpor atinge seu ápice e faz o personagem esquecer os problemas. Entre lapsos de consciência, a canção é a demonstração de uma evidente fraqueza emocional calcada na insegurança, algo que precisa de auxílios não-convencionais para fazer o sofredor ao menos pensar voltar ao seu próprio eixo de normalidade.


Entre vaivéns amaciados, o baixo surge quase como um personagem tímido, inseguro e ingênuo caminhando por um centro comercial cheio de pessoas. Com uma sonorização calcada no baião, ele é rapidamente acompanhado pela guitarra e bateria, elementos que aumentam a sensação de solidão em meio à multidão ao mesmo tempo em que oferecem um lapso de malandragem e malemolência em lidar com  os diferentes tipos de pessoas, índoles e essências. Última Cartada é como a súbita percepção de que o mundo não é homogêneo e que é preciso jogo de cintura para usufruí-lo. Groovada e swingada de maneira a recriar algumas frases típicas do metal alternativo, Última Cartada mostra ainda ao ouvinte um caráter improvisado e de jam session construída pelo power trio.


O funk retorna com considerável presença no novo horizonte. Misturado com aromas metalizados, existe uma espécie de swing rígido que guia o ouvinte pela melodia. Creme De Abóbora é, até o momento, a canção de menor experimentalismo, mas ao mesmo tempo aquela que introduz um peso mais evidente e uma hilaries despropositada.


Protagonizada pelo baixo que une groove e swing, Fiestinha 1.6, o novo interlúdio de Baga Elétrica, tem uma base samba contagiante em sua rápida execução, a qual encaminha o ouvinte para Marimbondo, outro capítulo com grande base nordestina por misturar manguebeat e baião. Cheia de swing e groove, a faixa ainda tem escorregões pelo blues e por sutilezas de post-grunge em meio a um sangue notoriamente brasileiro. Uma das obras mais fortes do álbum.


Peso, swing e metalização se unem a uma nova imersão nordestina que convida o ouvinte a se perder entre o xote e o baião. Roubada apresenta uma melodia contagiante e excitante que faz com que o ouvinte se perca entre os melismas dos instrumentos de corda e um sutil aroma folk que exala das esquinas rítmicas. 


Uma expectativa curiosa se cria a partir da introdução majoritariamente minimalista. Apenas com uma frase, groovada, swingada e precisa, o baixo consegue despertar a curiosidade e a vontade de desvendar o desconhecido por parte do ouvinte. Tendo o reggae inserido em sua base melódica, O Grilo Cantou encarna um gingado bastante típico desse gênero jamaicano ao mesmo tempo em que caminha, inclusive, pelo xote. 


Não é mais Red Hot Chilli Peppers. Dê as boas-vindas a um mergulho profundo pelo grunge, ou, mais especialmente, a Even Flow, single do Pearl Jam. Cachorrada é uma música diferenciada de Baga Elétrtica pela união de swing, groove, sons ambientes e uma guitarra que encarna bem o espírito rock n’ roll pelos seus gritos sensuais e provocantes.


Em Traz O Repelente é onde o Grillo E Os Mosquitos alcançaram inquestionavelmente o ápice do groove. Bateria e baixo se unem em frases uníssonas de evidente peso e contágio, qualidades que fazem da faixa um produto marcante e provocantemente swingado. Traz O Repelente tem, inclusive, um formato de jam session que, pelo movimento melódico, é como sinalizasse a icônica ‘dança da minhoca’ criada por Axl Rose


Com um riff de guitarra hipnótico, a canção logo surpreende o ouvinte ao trazer um baixo franzido, denso e tenso que, junto da bateria, constrói uma aura de suspense e de singelo desconforto que recria a ambiência de Haiti, single de Caetano Veloso. O curioso é que Tomei Um Caldo fica marcada na memória do ouvinte pelo groove do baixo e não pelo compasso ondulante e repetitivo da guitarra. Evidenciando a influência de Lenine na esteira melódica, Tomei Um Caldo é uma faixa definitivamente memorável por sua linearidade cheia de pressão.


O Disco 2 de Baga Elétrica traz a performance ao vivo das faixas O Grilo Cantou e Roubada, mostrando que o power trio Grillo E Os Mosquitos consegue reproduzir a mesma presença construída na versão gravada. E mais, mostra que o público teve grande receptividade em relação à banda.


De fato, não é comum e muito menos fácil construir um álbum instrumental que seja forte, potente, contagiante, atraente, radiofônico e, principalmente, que não acabe na redundância. Felizmente, Baga Elétrica é a prova disso. A prova de que é possível um produto sem linhas vocais ter o mesmo apelo popular que qualquer outro trabalho com adição de canto.


Além disso, o Grillo E Os Mosquitos mostrou, no decorrer das 13 canções de estúdio agraciadas por títulos cômicos, uma abrangência rítmica que ilustrou não apenas a versatilidade, mas também a musicalidade que o power trio possui. É verdade que ele é marcado e lembrado por sua base fortemente funkeada, mas existem muitos outros gêneros que compõem sua paleta melódica.


Com auxílio da mixagem de Peters, Baga Elétrica transita também entre estilos musicais aparentemente desconexos, como jazz, baião, xote, grunge, manguebeat, MPB, blues, axé e samba de maneira a fazer com que cada um deles seja facilmente identificado e apreciado por pessoas com diferentes gostos. Afinal, o álbum tem uma grande essência de ecletismo.


Terminando o escopo técnico, vem a arte de capa. Assinada em conjunto por Puroisland em assistência de Amanda Ramos e Rafaella Piazza, a obra traz uma ilustração de cunho hipnótico e ilusionista com a persona do trio ao centro. De fato artística, ela informa que o disco tem caráter de feitiço, afinal, todas as suas melodias são extremamente atraentes.


Lançado em 21 de outubro de 2022 de maneira independente, Baga Elétrica é um produto instrumental de sonoridade potente, precisa, eclética e marcante. É um trabalho que informa, principalmente, que seus três integrantes têm consistência em suas desenvolturas e que sabem combinar diferentes ritmos, mantendo sua identidade funkeada.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.