Big K.R.I.T. - Digital Roses Don't Die

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Vindo de um Mississipi da segunda metade dos anos 80, o rapper Big K.R.I.T. sai de seu hiato de pouco mais de um ano sem novos produtos musicais para enfim anunciar a chegada de seu novo álbum. Intitulado Digital Roses Don’t Die, o trabalho representa o 16° álbum de estúdio do batizado Justin Lewis Scott.


Um som nauseante como uma troca de estação de rádio vai tomando corpo em um efeito fade in. Logo, porém, uma maciez propriamente aveludada, mas cuja melodia ainda carrega traços embriagantes, se apossa de uma camada superior da sonoridade em construção a partir da guitarra de Mike Hartnett. Apesar de curta e com um ritmo minimalista em sons, Fire (Interlude) já vem com um lirismo questionador e reflexivo ao trazer à tona a força da esperança e a força da paixão como alicerces do sustento de uma relação. Uma relação que é tida como duradoura a tal ponto de não precisar de filtros para ilustrar a sua boa estrutura. É como o próprio Big K.R.I.T. questiona: “'Cause who needs filters when digital roses don't die?” em uma clara alusão do amor como uma rosa digital.


O estalar de dedos faz a contagem do tempo. Sobreposições vocais empregando melismsas afinados pairam pelo ambiente como uma brisa fresca trazida pelo litoral californiano do Pacífico. Regada em rimas líricas e um beat eletrônico impresso pela mixagem conjunta de Ralph Cacciurri e Micah Wyatt para dar um movimento cadenciado à melodia, Southside Of The Moon é como uma versão atualizada de Sk8er Boy, single de Avril Lavigne. Afinal, na presente faixa o rapper apresenta um enredo que mostra um relacionamento regido por uma considerável diferença de classes sociais. Enquanto um é de Nova Iorque, o outro é do sul. Enquanto um vive uma vida que flerta com a ostentação, o outro é de uma humildade que chama a atenção por onde passa por destoar daquilo que, em tal comunidade, é tido como normal. 


Uma sonoridade diferenciada e completa se anuncia. Com maciez e swing embriagantes, a melodia vai assumindo contornos de um synth-pop aveludado a partir dos sintetizadores de Ashanti Floyd e James Devon Brabham. Para abrilhantar essa sonoridade de ambiência setentista e entorpecida, notas agudas surgem como sopros de um tom vivaz e ardente a partir do trompete de Jared Alexander Jackson que paira pontualmente pela sonoridade em construção. Conforme a melodia assume uma crescente, notas de um sonar misto de doçura, acidez e opacidade são pinceladas na totalidade sonora da faixa ampliando a harmonia que logo é abraçada por um corpulento e rápido groove do baixo. Show U Right é ritmicamente uma festa com sua leveza e ânimo contagiantes, detalhes que acompanham com homogeneidade o lirismo que, com pinceladas de um talk box inseridas por Andre Mo’Dre Brown, narra o processo da conquista da figura que despertou atenção ao eu-lírico. Show U Right mistura em seu caldeirão rítmico, além do synth-pop, a disco music e o próprio pop.


Macia, contagiante e fluída. A melodia que se apresenta durante a introdução é convidativa e com um leve swing que a torna maleável por conta da união do beat e da guitarra de riff adocicado. Com pinceladas momentâneas de um confortável veludo oferecido pelo dulçor do Fender Rhodes, Rhode Clean é uma canção que, de primeiro momento, parece ser uma alusão aos movimentos corpo a corpo durante uma dança. Porém, conforme o enredo vai evoluindo, a canção se mostra como uma narrativa que flerta com a ostentação ao retratar os efeitos que um passeio em um carro belo pode causar aos pedestres, que o olham e o admiram embasbacados.


Sonares eletrônicos e digitais soam como gritos entorpecidos. Evoluindo para algo que flerta com o astral e o transcendental por meio dos acordes aveludados da guitarra e das notas adocicadas do teclado, Earth (Interlude) é uma canção em cujo lirismo apresenta um caráter propriamente avaliativo e reflexivo em que as pessoas do planeta não se encontram mais de mente desconexa da consciência. A vida entrou no eixo. A estabilidade foi estabelecida. E assim como em Fire (Interlude), aqui K.R.I.T. também se questiona: “'Cause who needs filters when digital roses don't die?”.


Um veludo hipnótico e nauseante desperta subitamente. Fluindo para um swing repleto de um torpor inconsciente graças à união das desenvolturas da sensualidade da guitarra e da grave corpulência do baixo, Cum Out To Play é uma faixa de lirismo simples. Propriamente sensual, seu enredo mistura elementos ostensivos e sexualmente ardentes.


Uma efervescência de ânimo desperta rapidamente. Um veludo swingado do R&B passa a dividir espaço com o rap característico de Big K.R.I.T.. Aqui, porém, existe o emprego de subgraves dando pressão à melodia que é dominada por uma cadência lírica acelerada que destoa da cadência sonora sem aparentar falta de sincronia. Com grande sensualidade trazida pelo desenho do groove do baixo, Just 4 You, assim como Rhode Clean apresenta um lirismo ambíguo. Inteiramente romanceado, o enredo da presente faixa dá a entender desde o início em se tratar de amor ao carro e às experiências de liberdade que ele oferece. Contudo, na segunda metade de Just 4 You vem o veredicto: a canção fala definitivamente de romance, da vontade de união entre os pares e oferece, nesse quesito, uma série de provas de amor. “You done met my mama, so you knowin' that it's true”, diz o eu-lírico para explicar uma atitude que demonstra que o amor por ele sentido é verdadeiro. Um verdadeiro single de Digital Roses Don’t Die.


Acelerado e inebriante, o ritmo entra com uma linearidade precisa e forte de maneira a capturar o ouvinte antes que este conseguisse tomar sua primeira dose de fôlego.Com pequenas doses de melancolia, So Cool é uma canção rápida, curta, direta. Seu enredo traz um questionável sentido por trazer fortes eventos que representam o mundo regado à ostentação. Porém, o que acontece é que, aqui, K.R.I.T. discute sobre propósito e sobre um senso comum floreado do que é ser rico. “Don't you think being rich sound funner? I wonder”, finaliza ele enfático.


É como estar dentro de um sonho. Dentro da memória inconsciente. Os dedilhares adocicados e sutilmente graves do teclado oferecem um profundo aroma astral e imersivo ao mesmo tempo em que soam como um filete de água fluindo livremente através de sua nascente. Adquirindo leves ares romanceados, Water (Interlude) reflete justamente sobre a fluidez, sobre a imprevisibilidade, sobre a pureza. É uma visão do quão instável pode ser o amor.


Enérgica e contagiante. A melodia apresentada já se deleita sobre uma estética rítmica pop cativante. Mesclando o swing do soul com a leveza do R&B, Boring é uma música de sonoridade macia e fluída que é acompanhada por um lirismo que aborda o assunto da ostentação, algo muito frequente nas letras compostas por Big K.R.I.T. Aqui, no entanto, o senso de inferioridade monetária é vencido pela consciência de pertencimento e origem. O adjetivo ‘chato’ ao qual o eu-lírico se caracteriza frente ao seu par é regido pelo julgamento de terceiros por ser ingênuo, simples, humilde. Humano. A assumição da própria identidade.


Um repentino e rápido beatbox oferece um aroma rap nos primeiros instantes da introdução. Evoluindo para um leve swing a partir do beat abraçado por um torpor melancólico oferecido pelos soprares do trompete, a melodia segue com a maciez já típica das composições presentes no disco. Com um fundo de expectativa, o que Would It Matter oferece é um enredo em que o eu-lírico questiona seu par se o fato de ser assalariado, não ter cortinas nas portas do carro, ou de não conseguir comprar bolsas caras importa para relação. Se o poderio econômico é prova que se valha para demonstrar o amor.


Um adocicado deslizar de notas do teclado faz surgir a brisa matutina com um feixe de luz calmamente despertadora. No entanto, como em um tropeço, a melodia escorrega para uma energia mais densa e melancólica que flerta com uma reflexão profunda. Com intensa dramaticidade empregada principalmente pelo grave groove do baixo, Generation – Weighed Down é como um monólogo em que todos os medos, receios e pavores são expostos em uma desesperada tentativa de alcançar um torpor constante. Frente a uma possibilidade que certamente modificará a vida do presente instante em diante, o eu-lírico extravasa suas tensões frente suas próprias imperfeições e se isso afetará o relacionamento do casal e da outra vida que está a caminho. “What if I ain't meant to be a parent? What if I'm a lost soul, damaged? What if I can't slow down, the throttle? What if I can't put down the bottle? What if I'm gone and relapsed and my darker days come back?”, questiona o personagem com visíveis lágrimas escorrendo de um par de olhos de pupilas dilatadas em posse da adrenalina do pavor da autodecepção. De todas, Generation – Weighed Down é certamente a mais emotiva e de caráter autobiográfico de Digital Roses Don’t Die.


O som do vento soprando em uma correnteza de sutil agressividade paira o ambiente sonorizado pelo grave dedilhar das cordas do violão. O ambiente propício para a reflexão, para o pensar. Sentimental e dramática, Wind (Interlude) narra a chegada da turbulência, a correnteza que abalou a estrutura já frágil de um relacionamento. 


As cordas do violão se movem como trazendo alegria, um sentimento sonhado, mas, aqui, longe de ser alcançado. Sofrida, dolorosa e nostálgica, It’s Over Now exala uma enxurrada de arrependimentos de atos cuja consciência posteriormente foi alcançada. A percepção do fato de não ter dado o devido valor às pequenas coisas, às presenças de pessoas constantes, mas importantes. It’s Over Now é a dor do término, é a dor da culpa. É a dor e o medo de ter que lidar com a própria consciência. “I took for granted that you would never leave and that was my problem, pride like my papa”, reflete o eu-lírico que, mais tarde, cai em si ao perceber: “I cannot ride without you beside me, lost on the road without you to hold. And I need you close”.


Um sensual melisma vindo de um timbre agudo de sutis raspas de gravidade surge entregando doçura. O R&B domina a cena logo na introdução por meio do vocal da convidada Rolynné. Macia e com toques propriamente swingados, Wet Lashes & Shot Glasses guarda, no entanto, uma nostalgia melancólica gritante que é regida pela tristeza do termino do relacionamento e da dor da necessidade de esquecer a imagem da figura da pessoa que, um dia, aqueceu o coração do eu-lírico.


Sobreposições vocais em melismas afinados são ouvidos na primeira camada sonora da introdução. Saindo do R&B, o primeiro verso é regado a um rap de um incômodo que visivelmente não quer ser evidenciado como a dor da separação. All The Time é uma canção que narra o tempo perdido nas recordações e lembranças boas de um tempo que não voltará. Que narra o sentimento de decepção pela falta de utilidade de tudo o que foi feito em nome do amor.


O agudo aveludado do Fender Rhodes surge rapidamente amaciando e confortando o ambiente com seu veludo característico. Sensual a partir do beat e melancólico a partir do soprar do trompete, More Than Roses é uma canção que reafirma a força, a vitalidade, a pureza e a verdade do amor. O desejo que o laço emocional não mude como o tempo e a constatação da rigidez do relacionamento são fatores que regem um lirismo que valoriza os pequenos momentos, mas que também projeta ligeiras soluções para os momentos ruins. É como o próprio rapper diz: “Just in case I don't see you again, let these digital flowers bloom”.


Sentimental, melancólico, nostálgico, sensual e romanceado. Esse certamente é o alicerce que define as características que abraçam cada uma das 17 faixas de Digital Roses Don’t Die: um disco que beira a autobiografia ao falar sobre amor, sobre desejo, sobre dor, sobre decepção.
É nítido também que o novo trabalho de Big K.R.I.T. traz diversas e insistentes vezes o sentimento de menosprezo e de falta de pertencimento. É como se todos os personagens das faixas do disco não se sentissem à vontade com as respectivas realidades narradas. É como se eles precisassem de um apoio para se sentirem firmes e imponentes frente uma comunidade que, visivelmente, não os correspondiam.


Nesse sentido é que vem a força do amor, aquele sentimento que proporciona o rompimento das barreiras emocionais do medo, da insegurança e da timidez. Eis então que o disco guarda uma importante ressalva de enredo que precisa ser levantada apropriadamente.


Dividido em quatro atos, Digital Roses Don’t Die começa com o amor em seu estágio pleno, cheio de desejos, de sensualidade, de reciprocidade e de entrega. Depois ele apresenta um amor mais rígido, pé no chão em que a relação está bem estabelecida e recíproca. 


É então que, no terceiro ato, ele desemboca em um momento em que a relação já está desgastada e o alicerce do amor já não é mais tão firme. É aqui que, inclusive, os medos e as inseguranças frente à união e frente aos conflitos emocionais internos são evidenciados. 


No quarto ato é o período que, enfim, o pior dos cenários acontece: a separação. Melancolia, nostalgia, dor, raiva, decepção e arrependimento são apenas alguns sentimentos que preenchem o interior do eu-lírico dominado pelo vazio. Um vazio que o leva aos ambientes internos mais temidos que reforçam a necessidade da ajuda de alguém forte o suficiente para puxá-lo de volta à superfície.


Para capturar, interpretar e fundir todas as emoções de maneira a criar um enredo linear e definitivamente emotivo e visceral, Big K.R.I.T. contou com um time de engenheiros de mixagem competente formado por nomes como Wyatt e Cacciurri. Tais profissionais deram ao álbum um som visceral que comunicasse cada um dos sentimentos contidos nas palavras que, juntas, formavam os enredos emocionais das faixas.


E sintetizando essa obre de áudio que, inclusive, abraçou gêneros como rap, R&B, soul, synth-pop e pop está Floyd, Jackson e Dahryl “DJ”, produtores cuja máxima sensibilidade proporcionou a finalização de um conteúdo musical melódico, harmônico e cujas letras trazem significados relevantes.


Lançado em 18 de fevereiro de 2022 via Multi Alumni, Digital Roses Don’t Die é um disco sobre amor, sobre paixão, mas também sobre dor, sofrimento e nostalgia. Um álbum que narra a busca incessante pelo amor verdadeiro, incondicional e recíproco. Um trabalho cujo personagem é puro, ingênuo e emocionalmente transparente.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.